Por Márcio Chagas da Silva, ex-árbitro de futebol e comentarista esportivo
Ressignificar a vida é importante para que possamos entender que não existe verdade absoluta e, a partir dos aprendizados, tentar fazer algo coerente com o que acreditamos ser o correto e urgente.
Anos atrás, assisti a um dos filmes mais belos que já vi: "O Mordomo da Casa Branca". O ator Forest Whitaker passa a trabalhar em um hotel ao deixar a fazenda onde cresceu. Sua vida dá uma grande guinada quando tem a oportunidade de trabalhar na Casa Branca, servindo ao presidente do seu país, além de políticos e convidados. Porém, as exigências do trabalho geram conflitos em casa, com sua família. Principalmente seu filho, que não aceita a passividade do pai diante dos maus tratos recebidos pelos negros nos Estados Unidos. O pai, por sua vez, acredita que tanto a subalternidade quanto a falta de questionamento seriam a maneira correta de sobreviver. E, assim, formar sua família e se manter no mercado de trabalho.
Quantos negros crescem ouvindo que seu lugar é servindo? E que aceitar calado é a maneira correta para resistir aos atos de covardia da branquitude? Faço essa referência após ler a entrevista do ativista negro Oswaldo Camargo, pai de Sérgio Camargo, Presidente da Fundação Zumbi dos Palmares.
Quero que meus filhos entendam e deem continuidade à luta antirracista. Que saibam e respeitem a luta dos seus ancestrais e dos movimentos negros que resistem há anos num país que nega a possibilidade de equiparação.
Sempre que vejo o Sérgio Camargo falando, lembro do trecho de uma canção dos Racionais, chamada Capítulo 4 Versículo 3: "Em troca de dinheiro e um cargo bom/ Tem mano que rebola e usa até batom/ Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir/ Pra ver branquinho aplaudir.".
Fico triste de ver um pai que lutou por igualdade, e desde os 19 anos faz parte do ativismo negro, ter que dizer sobre o filho que "seu caminho não é o meu", como disse Oswaldo Camargo sobre o filho Sérgio. Ao falar de Oswaldo e Sérgio falo também de mim, de meu pai Celso, o Buda, e dos meus filhos, Miguel e Joana. Contemplo a minha árvore genealógica mas, principalmente, reflito sobre os negros e negras que vieram antes de mim e os que ainda chegarão neste mundo. Que meus filhos tenham liberdade de escolher seus próprios combates e como enfrentá-los, mas desejo que o façam honrando meus ancestrais e que sigam na luta antirracista.
Que meus filhos não se vendam contra a história do seu povo por um cargo, com pessoas que não nos respeitam.
Respeitem as lideranças negras que lutaram por uma sociedade igualitária e equânime. Não aceitem calados o silenciamento imposto pelo opressor racista. Orgulhem-se de quem vocês são e da força que carregam. Orgulhem-se da semente plantada pelos guerreiros contra o racismo. Essa semente, orgulhosamente, sempre fertilizará a nossa terra.