No meio de uma lavoura de milho no interior de Ijuí, no noroeste do Rio Grande do Sul, o engenheiro ambiental e doutor em engenharia agrícola Cesar Augusto Fensterseifer, 33 anos, decide testar a estação meteorológica criada pela empresa da qual é sócio proprietário e que visa garantir um trabalho mais ágil no campo. Com 40 centímetros de altura, o aparelho em formato cilíndrico envolto em painéis de energia solar que quase cabem nas palmas das mãos entrega em tempo real os dados de umidade relativa do ar, temperatura, precipitação e pressão da região, quantifica as horas de molhamento das folhas e ainda identifica e alerta as condições ideais para a aplicação de defensivos. A possibilidade de tantas informações disponíveis ao mesmo tempo e em um único aparelho faz o engenheiro agrônomo Darci Antônio Lorenzon, que acompanha o teste, abrir um sorriso.
Ainda em protótipo, o equipamento começou a ganhar o mercado da região neste mês de novembro. Criada nos Estados Unidos pelo sócio de Fensterseifer, o engenheiro meteorologista Guillermo Baigorria, e ajustada no Brasil, a estação meteorológica é o carro-chefe da AgexTec, mantida pelos dois e uma das mais jovens startups da Criatec, a incubadora de empresas de inovação tecnológica da Universidade Regional do Noroeste do Estado (Unijuí).
Desde maio, Fensterseifer, natural de Ijuí e ex-aluno da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), juntou-se a outras 10 empresas que ocupam o prédio do projeto criado pela Unijuí em 2007. No local, que funciona como um centro de estímulo ao desenvolvimento de empreendedores com ideias diferenciadas, ele encontrou o caminho para o próprio negócio. Depois de passar 11 meses fazendo doutorado sanduíche nos Estados Unidos, onde conheceu o atual sócio e desenvolveu o produto que hoje vende, o engenheiro decidiu empreender na terra natal em 2017 com o objetivo de ampliar a eficiência de cada uma das etapas e práticas agrícolas da produção de grãos, incluindo também a ampliação do número de estações meteorológicas na Região Noroeste. Por desconhecer o mundo dos negócios, Fensterseifer admite ter enfrentado dificuldades para se estabelecer no mercado.
Até encontrar a Criatec.
Para integrá-la, ele passou pelo processo seletivo do primeiro semestre deste ano (a seleção ocorre duas vezes por temporada). Na etapa inicial, de sensibilização, Fensterseifer apresentou o projeto e conheceu a incubadora. No segundo momento, além de conhecer as metodologias de desenvolvimento de mercado, estudou o problema da própria ideia, validou a hipótese e ainda descobriu como ganharia dinheiro com o produto a ser criado. Foi aceito para ocupar uma das salas da Criatec.
Sozinho, ele é, ao mesmo tempo, desenvolvedor e vendedor. Fensterseifer tem percorrido feiras e associações para apresentar a estação meteorológica, que será fornecida por comodato a agricultores, com mensalidade de R$ 79,90. O equipamento também está à venda – o custo depende da área a ser monitorada. Os primeiros clientes já foram conquistados. A cidade não tem estações meteorológicas e a meta deste ano é instalar uma a cada 12 quilômetros de distância da outra propriedade, atingindo 50 estações até fevereiro de 2020.
– A incubadora traz profissionais para nos conhecer, oferece cursos e workshops. Ela investe muito nos incubados, na ideia de tornar o negócio mais sólido para seguir a vida fora das dependências da universidade. A Criatec tem sido fundamental na nossa evolução de faturamento – garante Fensterseifer.
Ponte com a capital gaúcha
A startup do engenheiro agrícola segue um caminho similar ao da própria Criatec. Fundada para preencher um espaço até então desconhecido na região, a incubadora surgiu de um anseio da Unijuí com objetivo de transformar o conhecimento gerado em negócio para contribuir com o desenvolvimento regional, segundo a atual coordenadora, Maria Odete Garcia Palharini. Ela e a professora Sandra Regina Barelo foram convidadas para tirarem do papel a ideia da incubadora que, 12 anos depois, tornou-se um importante motor para impulsionar a criação e o desenvolvimento de negócios com foco em inovação.
Na época, em 2006, algumas universidades de Porto Alegre e da Região Metropolitana já trabalhavam com o conceito. No noroeste gaúcho, porém, isso era uma novidade. Para agilizar o processo, o vice-reitor criou um decreto via gabinete e Maria Odete e Sandra percorreram as principais iniciativas existentes em outras universidades. Da Universidade do Vale do Taquari (Univates), de Lajeado, receberam suporte para elaborarem a documentação. Da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) veio a inspiração necessária que deu origem à incubadora num prédio de 102 metros quadrados, alugado no centro de Ijuí.
– Tínhamos a meta de nos tornarmos um polo de tecnologia da informação e comunicação. Desenvolvemos nosso modelo nos espelhando no exemplo da PUCRS. Como estávamos distante dos grandes centros nos quais as conexões acontecem com mais facilidade, nos conectamos à Região Metropolitana por meio da Rede Gaúcha de Ambientes de Inovação (Reginp), da qual a Unijuí é sócia fundadora, e com outros Estados. Participamos de eventos envolvendo incubadoras de todo o Brasil – recorda Maria Odete.
No primeiro edital, lançado ainda em 2007, quando era mista (recebia empresas do modelo tradicional e do modelo inovador), foram selecionadas duas startups. Uma era da área da engenharia e a outra, da área de TI. Até hoje, ambas seguem no mercado.
Maria Odete conta que a Criatec se fortaleceu quando recebeu dois aportes de mais de R$ 1 milhão. O primeiro, em 2012, veio por meio do programa RS Tecnópole, da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, que dava apoio às infraestruturas física e tecnológica das incubadoras e parques do Estado. A exigência era ter o número mínimo de empresas incubadas, graduadas e pré-incubadas, espaço físico para abrigar as atividades da incubadora e pessoas com dedicação exclusiva ao projeto. Como preenchia os requisitos, a Criatec passou a fazer parte do sistema de inovação do Estado e habilitou-se a captar recursos nos editais da secretaria.
No mesmo período, a universidade recebeu R$ 500 mil por meio de emenda parlamentar particular e uma contrapartida da prefeitura de Ijuí, no valor de R$ 56 mil. Com o dinheiro, foi erguido o atual prédio – para onde a Criatec se transferiu em 2013. Do RS Tecnópole, a incubadora recebeu R$ 187 mil para compra de computadores e móveis. Em 2014, recebeu mais R$ 400 mil do mesmo programa. O dinheiro foi usado para montar três laboratórios de desenvolvimento de protótipos e adquirir novos softwares.
– O recurso que veio do governo foi um divisor de águas para nós: nos permitiu constituir infraestruturas física e tecnológica adequadas para apoiar os empreendimentos. Nosso papel é fundamental no sentido de mostrar às pessoas, principalmente aos acadêmicos, que é possível desenvolver tecnologia no Interior e vender para outras cidades, Estados e países – explica Maria Odete.
A Criatec ainda não possui um parque tecnológico, que é o objetivo para o futuro, mas se orgulha de dizer que, além das 11 startups ainda incubadas (cada uma pode permanecer por até três anos), já tem 16 graduadas – que deixaram o local e seguem caminho próprio. O faturamento anual das empresas incubadas chega a R$ 1,2 milhão, com cerca de cem empregos diretos.
Depois da Criatec
O trabalho desenvolvido pela incubadora ajudou a alavancar os negócios da Elithe Soluções de Energia e Consultoria, criada pelos irmãos Charles, engenheiro mecânico de 34 anos, e Virgínia Czyzeski, engenheira elétrica de 28. Em 2017, os dois deixaram a Criatec e ganharam o mercado de energia solar fotovoltaica. Eles desenvolvem todo o projeto a partir de visitas à área de implantação, homologam e instalam o equipamento e fazem acompanhamento no pós-venda.
A startup tem clientes do Litoral Norte à Fronteira Oeste. Contudo, os irmãos estão focando no mercado regional. Já são mais de 200 painéis instalados pela empresa.
– A incubadora foi o primeiro porto seguro que a empresa encontrou para se estruturar e ganhar visibilidade. Nos auxiliou na questão das visões de mercado e do negócio e, principalmente, de organizar o negócio para que ele sobrevivesse a médio e longo prazo.
Maria Odete mantém contato com todas as empresas que já deixaram a casa. É uma forma, admite, de entender e manter-se conectada com a movimentação do mercado.
– Hoje, somos um micro ecossistema de inovação funcionando em Ijuí. O que mais buscamos é fixar na região esse capital intelectual que nós formamos todos os anos. Se não tivermos nada que os atraia, todos irão embora. Viraremos exportadores de cérebro e a cidade não se desenvolve – resume a diretora da incubadora.
Ambiente de inovação – Criatec
- O que é? Incubadora de Empresas de Inovação Tecnológica instalada no campus Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí).
- Quantas pessoas envolvidas? São cem profissionais em 11 empresas atualmente incubadas.
- Qual a importância? É a única incubadora da cidade. Criada em 2007, ajudou a transformar o perfil da região, inserindo Ijuí no mapa da inovação no Rio Grande do Sul.
- Outras informações: criatecunijui.com.br.