No início do ano passado, Janice Ferreira da Silveira tomou uma decisão que ainda pode soar estranha para jovens com diplomas científicos formados em Pelotas. Depois de pouco mais de um ano trabalhando em uma startup paulista — posição dos sonhos para muitos dos universitários pelotenses —, a engenheira hídrica foi seduzida por um convite para voltar à cidade no sul do Estado. Um professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde ela havia se graduado poucos anos antes, telefonou para contar que dois alunos estavam iniciando uma empresa de tecnologia de uso de drones para mapear e organizar informações geográficas. Janice, uma das primeiras alunas da UFPel a estudar e a trabalhar com estes equipamentos, seria peça-chave para o novo empreendimento.
— Eu já estava com saudades da família, e a rotina em São Paulo era muito desgastante, com sequências intermináveis de viagens para visitar clientes. Era hora de voltar para casa — diz Janice, hoje com 27 anos.
A rotina acelerada e o apego à família não foram os únicos fatores a atraí-la de volta. O efervescente polo tecnológico que cresce na cidade tem oferecido condições para que jovens possam tirar do papel projetos inovadores, graças ao apoio de universidades e à proximidade com profissionais mais experientes.
— Avaliei que não haveria prejuízo à minha carreira trocar São Paulo ou qualquer outra capital por Pelotas. Temos uma ótima formação de mão de obra em áreas tecnológicas e, graças à internet, podemos atender clientes do mundo todo — detalha.
Com o reforço de Janice, nasceu neste ano a Vantum, startup instalada na Conectar, incubadora de empresas da UFPel. O projeto já conquistou o troféu de empreendimento do ano na Drone Show, principal evento sobre esse tipo de equipamento no Brasil. Com cem usuários ativos, a startup já negocia para receber seu primeiro investimento de uma aceleradora.
O movimento de Janice indica uma porta que se abre para quem se forma em engenharias, biotecnologia, ciências da computação, design e tecnologia da informação (TI) em Pelotas. A cidade, que há anos discute formas de estancar a fuga de cérebros para São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre, tem descoberto na inovação um chamariz para reter seus talentos.
— Muitas vezes as empresas das capitais acionam jovens de Pelotas ainda no período de graduação para levá-los para suas matrizes. Mas, nos últimos anos, a cidade está conseguindo reverter esse movimento e estimular que os estudantes empreendam e gerem empregos por aqui mesmo — afirma Felipe de Souza Marques, vice-presidente do Conselho de Administração do Pelotas Parque Tecnológico (Tecnosul), espaço que agrupa as incubadoras das principais universidades da cidade.
Quando e onde tudo mudou
O parque pelotense é considerado o divisor de águas na retenção dos estudantes que pegam seus diplomas na UFPel ou na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) — pelos cálculos do Tecnosul, são graduados mais de 8 mil alunos todos os anos nos cursos científicos.
Inaugurado em setembro de 2016 e fruto de uma parceria entre prefeitura, academia e empresários locais, o Tecnosul absorveu as incubadoras das grandes instituições de ensino (além da Conectar, está lá a Ciemsul, da UCPel) e um polo de empreendedorismo da Faculdade Senac.
O espaço conta também com coworking, salas de reuniões e projetos rotineiros de aproximação com investidores e grandes empresas de TI. É um dos raros parques tecnológicos no Rio Grande do Sul que está fisicamente fora das universidades.
— A UFPel e a UCPel largaram um pouco atrás na corrida por montar seus parques tecnológicos. As instituições avaliaram que unir suas incubadoras seria a forma mais eficaz de estimular a colaboração entre empreendedores, professores e pesquisadores e agilizar o desenvolvimento de startups — explica Marques.
Graças à proximidade entre todos os personagens da inovação, empreendedores pelotenses conseguem trocar experiência e unir esforços para colocar em prática seus projetos. Grandes empresas de TI, como a Cigam, fabricante de software de gestão empresarial de São Leopoldo, estão instaladas no local, seja porque adquiriram uma startup e mantiveram o endereço, seja porque enxergam a unidade como reduto de conhecimento e talentos. No total, o parque reúne 63 empresas, que geram 267 empregos diretos.
É o caso de companhias como a Donamaid (aplicativo que aproxima diaristas com clientes) e a Indeorum (que produz softwares para a área educacional), que agrupam dezenas de colaboradores e já ingressaram na fase de escala — quando a startup passa efetivamente a ganhar dinheiro com seu produto.
— Há um interesse grande do jovem que se forma em Pelotas de empreender ou trabalhar em uma startup na cidade. Quem está nessa batida há mais tempo trabalha para ajudar quem está chegando agora — explica Luiz Gilberto Camargo, CEO da Donamaid e um dos responsáveis pelo movimento Candy Valley.
Em uma referência bem-humorada ao Vale do Silício, nos Estados Unidos, o Candy Valley pegou a fama de Pelotas na confecção de doces (daí a tradução do nome para o inglês) para seu batismo. Criado em maio passado, o movimento pretende unir os atores da inovação da cidade e gerar mais oportunidades de negócios digitais.
Transporte com DNA pelotense
Algumas empresas nascidas no município e afamadas nacionalmente têm mantido raízes na cidade justamente por apostar que a roda da inovação ainda tem uma longa — e promissora — estrada a percorrer. Um dos casos mais simbólicos é o da Melhor Envio, que oferece opções de fretes mais baratos para empresas que vendem pela internet.
Nascida na incubadora da UCPel e maturada no Tecnosul, a empresa atende a clientes de todo o Brasil e conta com 60 funcionários — a grande maioria formados em Pelotas. Um escritório comercial foi aberto em São Paulo para marcar presença física no pulmão econômico do país. Mas todo o desenvolvimento tecnológico e o suporte aos clientes continuam na cidade gaúcha.
— Temos toda a oferta de capital humano qualificado de que precisamos, e nosso custo com mão de obra chega a ser 50% mais baixo do que se estivéssemos em São Paulo, onde o custo de vida é mais alto — explica Éder Medeiros, diretor executivo da Melhor Envio. — Em Pelotas temos tudo o que precisamos para seguir crescendo.
Pelotas Parque Tecnológico
- O que é? Parque que integra as incubadoras das principais universidades da cidade.
- Qual a importância? Gera condições para que jovens talentos possam empreender nas áreas da tecnologia.
- Quantas pessoas participam do projeto? São 63 empresas instaladas, que geram 267 empregos diretos.
- Mais informações: pelotasparquetecnologico.com.br