Como tantas cidades, Lajeado cresceu de costas para sua orla, onde se instalaram alguns dos primeiros imigrantes, em meados do século 19. Com o avançar dos anos, a atividade comercial e os bairros mais valorizados brotaram longe das margens do Rio Taquari, onde remanescem hoje uma espessa mata, depósitos industriais e ruínas de casas antigas.
Um projeto que une Universidade do Vale do Taquari (Univates), prefeitura e empresários, no entanto, pretende utilizar a tecnologia para fazer os lajeadenses voltarem a se conectar com esse espaço. A Rota da Inovação quer ocupar duas das ruas que margeiam o rio (Osvaldo Aranha e Bento Rosa) com empresas de alta tecnologia, museu científico, hubs de inovação, coworking e centros de capacitação profissional. O trecho tem aproximadamente 4,5 quilômetros e conecta um dos acessos à Univates, onde está situado o seu Parque Tecnológico, com o centro histórico da cidade.
– Geograficamente, é o caminho ideal para aproximar a comunidade da inovação, e pode colocar a cidade em um novo patamar de desenvolvimento – afirma uma das idealizadoras do projeto, Simone Stülp, diretora de inovação e sustentabilidade do Parque Científico e Tecnológico Univates (Tecnovates).
O projeto tem inspiração no Porto Digital, criado no Recife (PE) em 2000 e considerado uma referência para a comunidade criativa mundial – em 2010, a prestigiada revista de negócios Business Week elegeu o ecossistema como um dos 10 locais do mundo onde o futuro está sendo pensado. Lá, um investimento inicial de R$ 33 milhões, proveniente da privatização da Companhia Energética de Pernambuco, deu início a um processo de revitalização da área histórica e a atração de empreendimentos de tecnologia. Atualmente, há cerca de 300 empresas instaladas no hub pernambucano, com 9 mil pessoas em atividade.
– Nossa mira é alta – brinca Simone.
Para atrair novos empreendedores, a prefeitura avalia oferecer benefícios fiscais, como a isenção do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), instalar cabeamento de fibra ótica por toda extensão e criar uma área de geração de energia solar, que poderia suprir a atividade empresarial no trecho. Além de estimular a criação de empresas em áreas como engenharia de alimentos, automação, equipamentos para a área da saúde e Tecnologia da Informação (TI), a Rota da Inovação quer ser um modelo de economia sustentável.
– O diferencial da Rota é incentivar a inovação ao mesmo tempo em que recupera uma área degradada da cidade e apresenta um ambiente sustentável ao empreendedorismo – explica o prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo.
A expectativa é que a iniciativa consuma R$ 20 milhões, que serão pagos com recursos depositados em um fundo municipal que receberá dinheiro da própria prefeitura, de fundos e linhas de financiamento que incentivem a inovação. O plano é que dentro de três anos as primeiras das novas construções sejam inauguradas. Algumas já estão prontas e servirão como âncora para novos empreendimentos.
Um deles é o Laboratório de Tecnologias Ambientais na Univates, com acesso à população. O espaço foi pensado dentro do modelo de laboratórios vivos, para que as pessoas da cidade e mesmo empresas possam aprender como trabalhar com seus resíduos. Na outra extremidade do trajeto, já está em construção um parque urbano que terá espaço para eventos culturais e um museu de ciência e tecnologia.
Olho nos jovens
Um dos objetivos do corredor tecnológico é deixar Lajeado atraente para talentos que se formam na Univates (mas muitas vezes vão trabalhar em capitais como São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre) e empreendedores dispostos a investirem na cidade. Com 83 mil habitantes, Lajeado sabe que dificilmente receberá uma grande empresa, que demande volume muito grande de trabalhadores. Por isso, adota a estratégia de criar um ecossistema amigável para pequenas e médias companhias, de preferência de tecnologia limpa e com alto poder de rentabilidade.
Mais do que ganhar dinheiro, os jovens querem hoje um lugar bom para viver, com segurança, lazer e qualidade de vida. Se não gerarmos essa condição, ficaremos para trás.
RICARDO KOBER
– No universo da inovação, não concorremos apenas com grandes polos brasileiros: disputamos talentos e mercados com Hong Kong, San Francisco, Barcelona, Medellín e muitos outros – diz Ricardo Kober, diretor comercial da STW, empresa de Lajeado que fornece tecnologias para áreas como robótica e indústria 4.0.
Com 90 funcionários especializados em áreas como engenharia da automação, TI e mecatrônica, a STW vive o desafio diário de recrutar talentos na velocidade em que os negócios avançam. Com clientes em todos continentes e Estados brasileiros, a empresa não consegue captar nas universidades da região todos os profissionais de que precisa.
– Muitas vezes vamos buscar potenciais talentos ainda nas escolas técnicas do Instituto Federal (IFRS), no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), inclusive nos dispomos a pagar os cursos de graduação – afirma Kober. – Ainda assim, nem sempre conseguimos preencher todos os postos de trabalho.
Com o corredor tecnológico, a expectativa é que Lajeado passe para o outro lado do balcão – o que recruta profissionais qualificados, em vez de formar para exportar.
– Mais do que ganhar dinheiro, os jovens querem hoje um lugar bom para viver, com segurança, lazer e qualidade de vida. Se não gerarmos essa condição, ficaremos para trás – diz Kober.
O pacto dos lajeadenses
A Rota da Inovação é a materialização de um projeto maior, que pretende transformar Lajeado em um importante polo tecnológico gaúcho. Integra o Promove Lajeado – guardadas as proporções, um projeto semelhante ao Pacto Alegre, firmado no final de 2018 na capital gaúcha para criar condições para que a cidade se transforme em um centro de inovação, atração de investimentos e empreendedorismo.
Lançado em fevereiro deste ano, o Promove Lajeado contratou a Fundação Certi – a mesma que desenvolveu o ecossistema de inovação em Florianópolis –, para que faça o mapeamento das potencialidades do município na área da inovação. A partir dos resultados, será feito um planejamento e serão apontadas as áreas tecnológicas com melhores perspectivas de crescimento.
Alguns passos já foram dados, como a criação de uma lei municipal da inovação, para incentivar o desenvolvimento de empresas tecnológicas na cidade, e um Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, composto por integrantes indicados pela Univates, pela prefeitura municipal e por entidades empresariais e sociais sediadas no município do Vale do Taquari.
Já está definida a criação de uma aceleradora com recursos captados pelo fundo municipal para impulsionar projetos incubados no Tecnovates. Na análise de Rodrigo Freitas, sócio da Pmetric, startup incubada no parque que começa a firmar seus primeiros contratos comerciais, a criação de uma aceleradora genuinamente lajeadense é essencial para irrigar projetos tecnológicos desenvolvidos na cidade.
– Para as startups, estar perto de uma aceleradora é essencial. Muitas vezes é a única forma de transformar o projeto de uma solução inovadora efetivamente em um produto – afirma ele.
Ao lado do sócio João Carlos Brito Filho, Freitas deu fôlego à startup criada em 2018 graças à presença de um investidor-anjo. Com a chegada de uma aceleradora, poderá se candidatar a receber recursos e mentoria para ampliar sua linha de produção, que é focada em dispositivos para rastreabilidade de pneus.
Ambiente de inovação – Tecnovates
- O que é? Parque Científico e Tecnológico da Universidade do Vale do Taquari
- Qual a importância? Além de ser abrigar incubadora de empresas e reunir empreendedores tecnológicos, o local é uma das referências para a Rota da Inovação e o Promove Lajeado
- Quantas pessoas participam do projeto? Há 54 empresas no parque, onde trabalham 241 pessoas
- Outras informações: www.univates.br/tecnovates/