Porto-alegrenses fissurados por tecnologia terão, nos próximos dias, oportunidade de resolver problemas reais lançados pela Agência Espacial Americana (Nasa). Desenvolvedores, engenheiros, cientistas, designers ou qualquer pessoa hábil em programação – mesmo que nunca tenha passado perto de uma nave – serão desafiados a criar aplicativos que, quem sabe um dia, sejam usados em missões no espaço.
A poucos quilômetros desse evento, um grupo de jovens prepara suas empresas para um dos maiores encontros de desenvolvedores de startups do Brasil. Com orientação de mentores, que ajudaram na preparação e na inscrição, quatro empresas de tecnologia participarão de uma jornada de nove semanas de aprendizado junto ao Google.
Em comum, esses dois eventos chegam à capital gaúcha graças aos chamados “hubs” de inovação – espaços que integram startups, investidores, empresas tradicionais, companhias tecnológicas maduras e universidades. Tanto o Nasa Space Apps Challenge (que ocorrerá entre os dias 18 e 20 de outubro na Fábrica do Futuro), quanto o programa Immersion, do Google (que terá participação de startups instaladas no espaço OCA Brasil), talvez ficassem muito longe de Porto Alegre não fosse por iniciativa dos hubs.
Nos últimos quatro anos, foram inaugurados ou anunciados sete hubs independentes na capital gaúcha. No total, eles oferecem quase 2 mil vagas para coworking e abrigam 161 startups ou setores de pesquisas de grandes empresas. Fosse um parque tecnológico, esse conjunto de pequenos polos teria movimento semelhante ao dos grandes parques da capital e do Vale dos Sinos, como o Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc) e o do Tecnosinos (da Unisinos).
– Esse movimento não está ocorrendo por acaso – explica Débora Chagas, coordenadora de Economia Digital e Startups do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Rio Grande do Sul (Sebrae-RS). – Nos últimos anos, Porto Alegre tem desenvolvido muitas startups e servido de campo de pesquisa para grandes empresas de tecnologia. Isso gerou um ecossistema ideal para o surgimento dos hubs – completa.
Usinas de criatividade
A importância dos espaços independentes está em conectar os agentes da inovação. Os hubs promovem eventos e cursos, aproximam empreendedores de potenciais parceiros e ainda oferecem aos jovens o ambiente descolado que precisam para criar. É uma fórmula testada em grandes cidades em todo planeta, de Barcelona a San Francisco (EUA), do Recife a São Paulo, e que inspira os novos ambientes na capital gaúcha.
Uma das inaugurações recentes mais festejadas por empresários da tecnologia é a Fábrica do Futuro, nascida no início deste ano na região do Quarto Distrito.
Instalada na antiga fábrica de enfeites de Natal Wanda Hauck, fundada em 1942, oferece coworking com 80 lugares, auditórios, salas de aula, locais para cursos e alas para 12 scaleups (startups que já geram lucro). O hub procurou agregar arte, de quadros a instrumentos musicais, ao ar urbano do antigo prédio.
– É um ambiente para estimular a circulação de pessoas criativas e cheias de ideias, que vem à Fábrica em busca de colaboração para seus projetos – explica Francisco Hauck, um dos herdeiros da Wanda Hauck e CEO da Fábrica.
Ele avalia que a popularização dos hubs conversa com a tendência mundial de inovação aberta, onde não há barreiras para a troca de informações e apoio entre empreendedores.
– Em um contexto em que as patentes ficam obsoletas rapidamente, não faz mais sentido criar um projeto sozinho. Mesmo as grandes empresas percebem que não têm escolha senão trabalhar em colaboração – avalia Hauck.
Presidente da Rede Gaúcha de Ambientes de Inovação (Reginp), Carlos Aranha explica que a safra de hubs na cidade tem muito a agradecer aos parques tecnológicos da cidade, que nos últimos anos se dedicaram a esculpir novas startups. Esta superoferta de empresas tecnológicas levou à criação de fundos de investimentos e à organização social em prol da inovação, unindo universidades, empresas e poder público. O ápice dessa união chama-se Pacto Alegre, que uniu toda comunidade criativa em um plano de ações lançado em novembro de 2018.
– Isso tudo faz com que Porto Alegre entre na década de 2020 com potencial muito grande na inovação – diz Aranha.
Todo potencial tem levado hubs de outras cidades a lançarem operações na Capital. A OCA Brasil, que ocupa um prédio em Caxias do Sul, escolheu Porto Alegre como sede de sua quarta unidade – funciona também em Joinville (SC) e na cidade de São Paulo. Desde julho no bairro Moinhos de Vento, a Oca procura atrair tanto empresas tradicionais, dispostas e enviarem seus criadores para um ambiente de criação, quanto startups em áreas como financeira, de saúde e do agronegócio. A ideia é que todos possam se aproximar para gerar negócios e pesquisar novas tecnologias em conjunto.
– Apesar de haver muitos ambientes criativos na cidade, Porto Alegre ainda está no “Oceano Azul” da inovação, ou seja, tem uma imensidão de oportunidades para a serem exploradas – avalia Danillo Sciumbata, head de Cultura na OCA Brasil.
Templo da inovação
É com essa crença que um grupo de empresários têm trabalhado para lançar o que promete ser um dos maiores hubs do Estado. Em uma quadra inteira em frente ao DC Shopping, no bairro Navegantes, Pedro Valerio, Filipe Drebes e Frederico Renner Mentz querem transformar a área que abrigava uma antiga caldeira de 30 metros de altura, que nos anos 1920 produzia energia para as indústrias do grupo A.J. Renner, em um ecossistema inovador.
O 22 mil metros quadrados de prédios de arquitetura centenária, que lembram os armazéns do Cais do Porto, terão ambiente para palestras e eventos, salas particulares, laboratórios de desenvolvimento de startups e um enorme hall para negócios.
– A inauguração do Distrito Caldeira está marcada para março do ano que vem, e imaginamos que 1,5 mil pessoas utilizarão o espaço diariamente – afirma Valerio, diretor-executivo do projeto.
Orçado em mais de R$ 6 milhões em sua primeira fase, o Caldeira nasce com 40 grandes empresas como mantenedoras, incluindo Agibank, Vulcabras, Panvel e Lojas Renner. Um diferencial é que receberá 50 startups que tenham passado por parques tecnológicos do Estado e agora se preparem para entrar no mercado. Elas serão indicadas por universidades, que auxiliarão em seu desenvolvimento.
– A inspiração que buscamos é nos hubs do Vale do Silício que visitei há alguns anos, que têm esta pegada de reativar antigas fábricas com uma proposta de unir mentes criativas – explica Frederico Renner Mentz, bisneto de A.J Renner e representante da família no projeto.
A área do Caldeira é uma testemunha de diferentes estágios da economia da cidade. Até o final do Século 20, abrigou uma gigantesca confecção, onde centenas de costureiras trabalhavam em rústicas máquinas para fornecer mercadoria à indústria têxtil. Até poucos anos, funcionava lá uma amplo call center da Contax. O local será, agora, uma ode à era da colaboração.
Os hubs de Porto Alegre
- Fábrica do Futuro: hub com uma proposta que mescla arte com inovação instalado na antiga fábrica Wanda Hauck. Tem promovido diversos eventos e palestras internacionais abertos à comunidade local.
- Poa.Hub: mais antigo hub ainda ativo na Capital. Administrado pela prefeitura, oferece apoio e mentoria para empresas de tecnologia. Está localizado na Avenida João Pessoa.
- UFO Plaza: hub que tem transformado uma ala do Hotel Plaza São Rafael, no centro da cidade, em um espaço para negócios criativos. Embora já esteja em funcionamento, novas fases serão inauguradas até o final do ano.
- OCA Brasil: empreendimento lançado em Caxias do Sul que abriu um novo espaço de colaboração no Moinhos de Vento. Atualmente, são 30 empresas, números que deve mais do que dobrar até o final do ano.
- Nau Live Spaces: ocupando a antiga sede do clube Gondoleiros, no bairro São Geraldo, deve inaugurar até o final do ano, com 250 vagas para coworking e salas privativas.
- Distrito Caldeira: funcionará no bairro Navegantes como ponto de encontro entre startups sugeridas por universidades e empresas consolidadas. Inauguração prevista para março de 2020 com 90 empresas.
- We Work: maior rede de coworkings do mundo, a startup americana deve inaugurar uma unidade na Avenida Carlos Gomes até o final do ano, com espaço para 700 empresas.