No final de 2016, os sócios Fábio Tusset e Alison Mann decidiram embarcar em uma viagem para definir o futuro da startup Meu Resíduo, que fornece softwares para que empresas monitorem o caminho dos seus dejetos até o destino final, indicando se estão em conformidade com a lei. Eles participariam de um programa de empreendedorismo na prestigiada Universidade de Stanford, na Califórnia, nos Estados Unidos, com um objetivo que era claro: descobrir se a jovem empresa, que tinha apenas um cliente em um ano e meio de atividade, ainda poderia decolar.
— Tínhamos a convicção de que era um mercado com tudo para deslanchar, mas as coisas não estavam andando — relembra Mann.
Na Califórnia, ouviram palavras de apoio de empreendedores e consultores experientes em negócios digitais: a tendência, diziam, era de que cada vez mais empresas demandassem softwares para controlar seu material poluente, e fatalmente os clientes apareceriam. Mas seria preciso paciência, já que este tipo de startup leva cerca de sete anos para maturar.
A previsão agora começa a se concretizar: quatro anos depois de ser lançada, a Meu Resíduo, instalada no Parque Científico e Tecnológico Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (Tecnounisc), já soma 30 clientes, e a previsão é chegar a 50 até o final do ano. Conforme Mann, mais de 240 mil coletas já foram feitas com a ajuda da plataforma.
– A nova geração de consumidores cada vez mais exige que as empresas comprovem práticas ambientais, e alguns fundos de investimentos só aplicam dinheiro em companhias que reduzam a emissão de poluentes. Ou seja, temos o cenário perfeito para avançar – projeta Tusset.
Startups como a Meu Resíduo, que oferecem tecnologias ambientais às empresas, têm encontrado portas abertas em grandes indústrias, e com isso potencializado seus negócios. Mann e Tusset viram potencial na área quando desenvolviam softwares para gestão empresarial em sua primeira empresa, a Tekann, e perceberam um interesse particular por gestão de resíduos. Eles então lançaram uma spinoff (espécie de segunda empresa que nasce de um negócio já consolidado, como acontece no universos dos filmes e seriados) para buscar um naco deste mercado.
A empreitada da dupla no universo ambiental ainda não acabou: até o final de 2019, eles lançarão uma startup focada em consumidores finais: a EcoMind, um aplicativo que mostrará pontos de coleta de itens de descarte específico, como pilhas, eletrônicos, cascalho, móveis velhos etc.
— Estamos monitorando os pontos de coleta em todos municípios brasileiros, inclusive descobrindo alguns itens de descarte que nem imaginávamos, como redes de pesca. Isso mostra que há uma imensidão de possibilidades para o serviço — observa Mann.
Lucro com o verde
Poucos municípios gaúchos têm surfado com tanta perícia na onda das tecnologias ambientais como Santa Cruz. Dentro do Tecnounisc, muitas das 25 startups residentes, incubadas ou parceiras se dedicam a desenvolver tecnologias que resolvam problemas específicos nesta área. Há quem ofereça solução para reduzir riscos de desastres naturais, softwares que indiquem caminhos para descartes corretos ou plataformas que gerem documentos para prestar contas de emissões às autoridades.
– A população de Santa Cruz do Sul se habituou a participar de programas de preservação ambiental, muito em razão de iniciativas apoiadas pela indústria fumageira, inclusive nas escolas – explica Fernando José Stanck, coordenador do Tecnounisc, destacando também a força dos cursos de engenharias da Unisc. – Estes fatores estimulam os empreendedores a focarem em questões ambientais e lançarem negócios inovadores – avalia.
A boa estrutura de laboratórios da faculdade de Engenharia Ambiental da Unisc, com locais para pesquisa em hidrologia, filtração, mecânica de fluídos e reações químicas, também é considerada essencial por empreendedores. Criada neste ano por quatro ex-alunos do curso, a startup 4Box aproveita muito do conhecimento gerado na academia para levar inovação a pequenas e médias indústrias. A empresa desenvolve placas de automação para controle de resíduos, que monitoram quanto de resquícios uma fábrica está gerando – sem a necessidade de um funcionário pesar ou medir o entulho.
– É uma tecnologia essencial para empresas cumprirem com a legislação ambiental e evitarem desperdício de resíduos que poderiam ser revendidos como sucata – exemplifica Alexandre Straatmann, um dos sócios da 4Box.
A empresa já conquistou clientes em Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires e recebeu várias sondagens de outros potenciais compradores.
Encruzilhada ambiental
Mesmo startups que nascem com outras propostas de negócio muitas vezes deparam com a encruzilhada ambiental. É o caso de Luiz Barbieri, diretor da Owntec, uma edutech (startup da área da educação) incubada no parque. Criada há quase quatro anos, a empresa desenvolve plataformas que possibilitam que estudantes de cursos à distância manuseiem remotamente equipamentos instalados nas universidades. De seus computadores ou celulares, os alunos podem comandar bombas centrífugas ou perfuradores para análise de solo, por exemplo.
— A proposta é aliar a teoria com a prática, aumentando a qualidade do Ensino a Distância – explica Barbieri.
Nos últimos meses, no entanto, os produtos da Owntec passaram a ser requisitados por uma nova gama de clientes, que não estavam no escopo inicial: construtoras, mineradoras e consultorias ambientais. O interesse principal desses está em um equipamento para verificar a firmeza e a consistência do solo (chamado Cisalhamento Direto de Solo).
O aparelho ajuda detectar o risco de rompimento de barragens, podendo evitar tragédias ambientais como as que ocorreram em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.
— Produzimos mais de 30 tipos de equipamentos com plataformas de acesso remoto, e achávamos que esta seria uma máquina de pouca demanda — explica Barbieri. — Para nossa surpresa, o aparelho de cisalhamento se tornou nosso carro-chefe.
Com a tecnologia, um especialista consegue comandar de seu laboratório o processo de extração e análise do terreno – trazendo economia e ganho de eficiência às empresas. Conforme Barbieri, ao integrar hardware com um canal de acesso remoto, a Owntec lançou uma tecnologia inédita em termos mundiais.
Desde janeiro, foram vendidas 12 unidades deste dispositivo. Em razão do aumento de encomendas, empresa passou a ocupar uma ala industrial do Tecnounisc, com possibilidade de acesso direto à carroceria de caminhões, para montar e despachar com celeridade as máquinas.
O próximo passo é buscar recursos para ampliar a produção – um grande grupo educacional negocia a compra de 80 equipamentos até fevereiro de 2020. A startup é candidata a receber investimento de R$ 1 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública de fomento vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Com este dinheiro, Barbieri poderá contratar mais um especialista em projetos e dois montadores – e assim multiplicar a capacidade de produção e levar a inovação santa-cruzense cada vez mais longe.
Ambiente de inovação
TecnoUnisc
O que é?
Parque Científico e Tecnológico da Universidade de Santa Cruz do Sul
Qual a importância?
Agrega empresas inovadoras e pesquisadores, e ajuda a desenvolver novas startups nas áreas de tecnologia ambiental, sistemas industriais, biotecnologia, oleoquímica e Tecnologia da Informação (TI)
Quantas pessoas participam do projeto?
São 10 empresas residentes, 11 de fora mas com presença no local e quatro incubadas. No total, 90 pessoas trabalham no Parque.
Mais informações
https://www.unisc.br/pt/pesquisa/ambientes-de-inovacao/tecnounisc