Em meados do anos 1990, quando expressões como “startups”, “negócios digitais” e “incubadoras” ainda soavam estranhas no Brasil – e a própria internet ainda era luxo para poucos –, um grupo de empresários de São Leopoldo achou que não era cedo para pensar em inovação tecnológica. Algumas lideranças locais se reuniram para discutir formas de gerar mais softwares e equipamentos na cidade, de forma a ajudar a indústria metalmecânica a se manter competitiva em um mercado que caminhava para a globalização.
– Queríamos criar um cluster de tecnologia, como os de Coreia do Sul, Israel e China, para não ficar dependendo da tecnologia dos outros – lembra Oldemar Brahm, presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Tecnologia de São Leopoldo (Acist).
O projeto culminou com o lançamento da incubadora Unitec, o Polo de Informática de São Leopoldo, inaugurado em 1999 ao lado da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos). Com incentivos fiscais de prefeitura e governo do Estado, logo passou a receber empresas de informática e tecnologia da informação (TI). Indústrias tradicionais do município firmaram parceria com a Unitec para se modernizar, e logo multinacionais como a mexicana Sofftek e a alemã SAP aderiram ao projeto.
Era a semente para a transformação do polo em um rico parque tecnológico, rebatizado em 2008 como Tecnosinos, com startups, grandes empresas, pesquisadores e investidores.
– A coisa deu tão certo que a inovação passou a contagiar todas as empresas da região – afirma Brahm.
Apontado por sua administração como o mais antigo parque tecnológico do Estado, com 20 anos comemorados em 2019, o Tecnosinos revolucionou a economia de São Leopoldo, até então dependente da indústria. Hoje, cinco das 10 maiores pagadoras de impostos de São Leopoldo estão instaladas no parque. Enquanto a economia do Rio Grande do Sul cresceu magro 1,2% em 2018, as empresas do ecossistema avançaram, em média, 25%.
Como a inovação tende a proteger melhor as empresas da crise e esticar a cadeia de valor de um produto, o efeito se reflete no emprego. O salário inicial de alguém que começa a trabalhar no Tecnosinos é superior a R$ 3 mil – a média do brasileiro é de R$ 2.340, conforme a companhia de recrutamento Catho. São Leopoldo foi a 43ª cidade com maior saldo de empregos do Brasil no ano passado, segundo a administração do Tecnosinos com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia.
– Muitas indústrias ainda enxergavam a tecnologia como custo até poucos anos atrás. Mas, conforme viam o ganho de produtividade dos concorrentes, foram percebendo como a inovação é essencial. Essa transformação beneficia toda a economia da região – diz Susana Kakuta, diretora do Tecnosinos.
Crescendo no Parque
Instalada no parque desde 2011, onde começou como uma pequena startup e cresceu até ocupar meio andar em um dos prédios do parque, a Gabster é um exemplo dos rumos da nova economia. A empresa fornece uma plataforma em 3D para que arquitetos e projetistas consultem o banco de dados de 300 indústrias e façam simulações de ambientes e decorações. A parceria com empresas moveleiras, de pisos e cerâmicas e até fabricante de louças viabiliza uma rara variedade de móveis planejados por um preço relativamente baixo.
– A ideia é que possamos aproveitar a capacidade das fábricas para montar coisas legais e diferentes por um custo muito próximo ao que se encontra no varejo – explica Cleandro Nilson, CEO da Gabster.
O negócio começou com projetos de mobília, mas em 2017 ampliou o foco e se aproximou da construção civil. No ano passado, a Gabster participou de um programa de inovação da Duratex, para a qual entregou projetos digitais para montagem de painéis de madeira, louças e metais sanitários. No início deste ano, foi escolhida pela Gerdau para projetar estruturas de aço pré-montadas.
– A ideia é que possamos fornecer tecnologia para construtoras melhorarem sua produtividade e evitarem desperdício nas obras – afirma Fernanda Ferreira, chefe de operações da Gabster, que hoje conta com 30 funcionários, entre programadores e designers.
A empresa já é considerada uma scaleup (startup que começa a vender seus produtos e gerar lucro), mas outras companhias em estágios iniciais também prometem produtos disruptivos. É o caso da WorkBox, que prepara o lançamento de um dispositivo para ajudar trabalhadores a organizarem melhor suas tarefas.
Um cubo de plástico e iluminado, chamado Time Box, funciona conectado a uma rede de wi-fi e se comunica com uma plataforma digital no computador. Cada face representa uma atividade, como reunião, telefonema, execução de tarefa, sessão de brainstorm ou até uma pausa para o café.
A ideia é que o funcionário gire o cubo cada vez que mude de tarefa, e o computador registrará tudo automaticamente. Ao final do turno, o empregado saberá quanto tempo passou atendendo telefonemas, trabalhando no computador ou fora do escritório.
Como as informações são atualizadas em tempo real, todos os funcionários de uma mesma empresa saberão o que os colegas estão fazendo – o que poderá evitar interrupções no trabalho ou levar um gestor a distribuir melhor as funções.
– Há ferramentas digitais para gerenciamento de tempo, mas às vezes é chato ter que ficar abrindo uma janela no computador para clicar em uma nova tarefa. Com o cubo, esta função se torna divertida e prática – compara Kahuê Costa, diretor técnico da WorkBox.
Com lançamento programado para dezembro, o Time Box tem uma fila de espera de 300 unidades.
Uma das vantagens de startups estarem no parque tecnológico é receberem suporte para que cresçam rapidamente e com custos reduzidos. Kahuê, por exemplo, utiliza os laboratórios do Tecnosinos, ocupa as salas de reuniões e aproveita os eventos para alinhar parcerias com potenciais fornecedores e clientes. Muitas das empresas que já encomendaram o cubo estão instaladas no parque, e a própria fabricação do Time Box ocorre graças a um acordo com a X4, startup de São Leopoldo especializada em hardware.
Outra vantagem aos empreendedores é aproveitarem parcerias firmadas entre o Tecnosinos e grandes companhias mundiais de tecnologia. Empresas incubadas recebem crédito de US$ 15 mil para utilizar serviços da Amazon, como teste de softwares em servidores remotos, backups de segurança e até apoio para desenvolvimento tecnológico.
– Para uma startup, que quase sempre tem pouquíssima capacidade de investimento, esse apoio é determinante – avalia Mike Rodrigues, sócio da AdTools, startup que fornece tecnologia que ajuda empresas a escolherem as melhores ferramentas digitais para anunciar seus produtos.
Há quatro anos no parque, a AdTools soube aproveitar as condições favoráveis para aprimorar seu produto, sem ter que se preocupar em buscar investidores. O software recebeu melhorias e uma interface fácil de utilizar, e hoje é fornecido para 30 grandes clientes, incluindo Natura, iPlace, Dell e Mercado Livre.
– Tivemos o ambiente ideal para pensar no negócio e desenvolver uma tecnologia inovadora – diz Rodrigues.
Ambiente de inovação – o Tecnosinos
- O que é? Parque Tecnológico São Leopoldo, instalado no campus da Unisinos.
- Qual a importância? Reúne pesquisadores, startups em fase inicial e grandes empreendimentos tecnológicos, inclusive multinacionais. É o mais antigo parque tecnológico do Estado e transformou o perfil econômico de São Leopoldo.
- Quantas pessoas participam do projeto? São 6 mil pessoas em atividade em cem empresas, como SAP Brasil, Altus Automação e SKA Automação.
- Mais informações: tecnosinos.com.br