Continuam detidas as 10 pessoas presas pela Polícia Federal na última quarta-feira (6), em uma ação contra contrabando e receptação deflagrada em Santa Maria (região central do Rio Grande do Sul). Dessas, cinco são funcionários da Receita Federal e um é PM — eles vão responder por peculato (corrupção praticada por servidor público) e associação criminosa. A operação resultou também na prisão preventiva de três empresários do ramo de transportes e de um motorista, suspeito de transportar mercadorias ilícitas.
A PF realizou buscas nas residências dos servidores públicos e encontrou centenas de bens importados, de origem ignorada e que foi confiscada por suspeita de ser fruto de contrabando.
Um dos alvos principais é o auditor-fiscal da Receita Federal Dainy Pacheco dos Santos. Ele atuou nos últimos sete anos como titular da Seção de Vigilância e Repressão ao Contrabando e Descaminho em Santa Maria. Conforme a investigação, Dainy e os outros colegas, presos agora, teriam desviado mercadorias apreendidas do depósito do Fisco no município.
Na residência de Dainy, situada no centro de Santa Maria, os policiais e agentes da Corregedoria da Receita encontraram 330 itens de origem estrangeira, lacrados. Entre eles, mais de cem garrafas de bebida alcoólica de alto valor no mercado; 30 canecas Stanley de tamanhos variados, 16 relógios Smart Watch, 22 máquinas de cortar cabelo, 34 frascos de perfume importados, 10 Webcams de marcas diversas e 14 cigarros eletrônicos com essências. O relatório dos policiais federais que participaram da operação questiona qual razão levaria um auditor da Receita Federal a ter em sua residência tantos itens. No relatório sobre a operação, a PF opina: "salta aos olhos a ilicitude da guarda das mercadorias que, ao que tudo indica, são fruto de apreensões".
Foram apreendidas mercadorias também nos imóveis de outros funcionários da Receita alvo da operação. Além de Dainy, foram presos preventivamente os analistas tributários Rodrigo Tolfo, Marcelo Oesterreich, José Alberto Mallmann. E foi preso em flagrante outro servidor da Receita, o também analista João Flávio Chaves Mendonça.
Conforme a PF, eles desviavam do depósito da Receita Federal mercadorias de alto valor e as substituíam por itens mais baratos. Isso era possível porque os autos de apreensão eram preenchidos pelos servidores suspeitos de forma genérica. Por exemplo: "apreendidas cem garrafas de vinho". Só que o valor real de cada vasilhame confiscado era R$ 1 mil e ele era substituído, no depósito, por um que custa R$ 30 no mercado, exemplificam os policiais que atuam na investigação. "A apreensão era fraudada e os bens mais valiosos, revendidos a contrabandistas", comenta uma fonte que atua no caso.
O grupo de auditores da Receita atuaria também, conforme a investigação, na cobrança de propina para contrabandistas interessados em fazer chegar sua mercadoria no Rio Grande do Sul. Para isso, contariam com a colaboração do policial militar catarinense Jeison Gasparetto, lotado em Chapecó (SC), no setor de inteligência da PM. Ele, segundo a PF, auxiliava na operacionalização das abordagens a alvos potenciais e também prestava apoio na venda e na destinação de produtos desviados.
Parte do suborno consistiria no financiamento de residências para os funcionários, inclusive ainda em construção. Boletos da construtora, pertencentes aos servidores públicos, eram pagos pelos contrabandistas, segundo a PF. Tanto que a Justiça Federal determinou a apreensão de 22 imóveis e 24 veículos pertencentes ao grupo, que incluía os funcionários públicos.
Além dos seis funcionários públicos presos, a PF realizou a prisão preventiva de três empresários e de um motorista da área de transportes. São eles: Marilei Avozani (sócia de três empresas de transporte e de turismo situadas no município de Braga), o esposo dela, Gilmar Bester (também sócio nas empresas) e Valdilene Trajano de Pontes (que também atua com transportes e distribuição de bebidas). O motorista preso, que responde por fazer contrabando, é André Marangon.
O inquérito conta também com relatórios sobre troca de comunicações entre todos os que foram presos, assim como outras pessoas que são investigadas. Ouvidos em audiência de custódia na Justiça Federal, os suspeitos alegaram inocência. Os presos respondem por facilitação ao contrabando ou descaminho, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A estimativa da Receita, de perdas em arrecadação de impostos com o esquema revelado agora, é de R$ 150 milhões.
CONTRAPONTOS
O que diz a defesa do auditor Dainy Pacheco dos Santos:
Os advogados Bruno Seligmann de Menezes e Mário Luís Cipriani informam que Dainy está colaborando com as investigações e consideram a prisão uma medida "prematura e de excessivo rigor". Eles pleiteiam a libertação do cliente, na medida em que os elementos de informação já foram colhidos por parte da polícia e da Receita Federal, com o acompanhamento do Ministério Público. E ressaltam que há perícias a serem feitas, que podem exigir a presença do seu cliente solto.
O que diz a defesa dos analistas tributários Rodrigo Tolfo, Marcelo Oesterreich, José Alberto Mallmann:
O defensor deles, Daniel Tonetto, diz que seus clientes são inocentes e isso ficará comprovado ao longo do processo. Ele considera que as prisões foram uma medida excessiva e pede a libertação dos clientes.
O que diz a defesa dos empresários Marilei Avozani, Gilmar Bester:
A advogada Tâmara Camargo, responsável pela defesa deles, afirma que todos os fatos serão esclarecidos no processo e que tenta conseguir a liberdade dos clientes, pois considera que a prisão preventiva é uma medida excessiva. "Os clientes estão e continuarão colaborando com a justiça e com as investigações. Trata-se de uma grande operação, e a liberdade deles contribuirá ainda mais para esclarecer tudo o que for necessário", finaliza.
O que diz a defesa de Valdilene Trajano de Pontes:
O advogado dela, Fábio da Silva Prietsch, não foi encontrado pela reportagem. O espaço está aberto para manifestação.
O que diz a defesa do motorista André Marangon:
O advogado José Carlos Guimarães considera que ainda é cedo para emitir uma declaração da defesa, mas seu cliente está a disposição da Justiça para os esclarecimentos necessários. Sobre o mérito do caso, ressalta que ainda não foram abertos prazos para a defesa e o escritório está analisando tudo, já que a investigação é extensa e complexa.
O que diz a defesa do analista tributário João Chaves Mendonça:
Não foi localizada pela reportagem. O espaço está aberto para manifestação.
O que diz a defesa do PM Jeison Gasparetto:
Os advogados Alexandre Santos Amorim e Carlos Eduardo da Rocha não foram localizados pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.