O senso de justiça da estudante Sarah Silva Domingues, 28 anos, é a principal característica da qual Maria Marta da Silva Domingues, 53, a mãe da jovem, se lembra ao falar da filha. Sarah foi morta a tiros quando fazia pesquisa de campo para a faculdade em janeiro.
— Ela era uma pessoa muito justa. O que eu sempre lembro é essa forma dela superar muitos obstáculos. Ela era uma pessoa muito corajosa, que tinha essa vontade de mudar as coisas para melhor — lembra Maria Marta.
Foi justamente o desejo de transformar as vidas das pessoas que levou Sarah à Ilha das Flores, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre, no dia 23 de janeiro de 2024. A estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estava fazendo o seu trabalho de conclusão de curso (TCC), no qual estudava os alagamentos nas ilhas em razão das chuvas na Capital. Ela tinha o sonho de usar a sua profissão para ajudar aquelas pessoas.
Por volta das 19h30min, Sarah estava na Rua do Pescador quando foi atingida por tiros disparados por homens que passaram pelo local em uma moto. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado, mas ela não resistiu aos ferimentos e morreu no local.
Dói muito. É uma ferida que continua aberta. Cada vez que eu penso sobre isso parece uma mentira. Eu custo a acreditar. Mesmo depois de oito meses eu ainda não processei, ainda mais pela violência como ela foi morta. Ela tinha tantos planos e, do nada, tudo acabou
MARIA MARTA DA SILVA DOMINGUES, 53 ANOS
Mãe de Sarah
Valdir dos Santos Pereira, 53, dono de um mercadinho que funcionava no local, também foi morto no mesmo ataque. As investigações da polícia apontaram que ele seria o alvo da emboscada. O motivo seria uma desavença do comerciante com membros de uma facção criminosa, que ordenaram a execução. A investigação apurou, contudo, que nenhuma das duas vítimas tinha ligação com o crime organizado.
Inquérito em fase de conclusão
Segundo o delegado Eric Seixas Dutra, titular da 2ª Delegacia de Homicídios da Capital, que investiga o caso, o inquérito policial está em fase de conclusão. A previsão da polícia é de que o fechamento ocorra nas próximas semanas. Após isso, será remetido ao Judiciário.
— Haverá novas prisões junto com a conclusão. Estamos aguardando apenas uma solicitação feita para uma operadora (de telefonia). Reafirmamos que a Sarah não era o alvo do crime — diz o delegado.
No dia 6 de fevereiro, seis suspeitos pelo crime foram presos em Porto Alegre e na Região Metropolitana, no âmbito da Operação Flor de Lótus. A suspeita era de que, ente os presos, estariam o mandante do assassinato e dois executores do crime.
Passados oito meses, os três homens e duas mulheres que tinham sido presos temporariamente já estão em liberdade. Apenas um dos presos que, segundo a polícia, já cumpria pena por outros crimes, segue na cadeia.
Zero Hora procurou o advogado de defesa do preso, que preferiu não se manifestar. O nome do suspeito não foi divulgado.
Uma vida de lutas
Natural da cidade de Cotia, no interior de São Paulo, Sarah viveu a maior parte da vida com a mãe e os três irmãos em Campo Limpo Paulista. Ainda criança, aos sete anos, perdeu o pai.
Quando decidiu estudar Arquitetura e Urbanismo, fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tentou uma vaga na Universidade de São Paulo (USP). Com a resposta negativa, decidiu tentar uma oportunidade na UFRGS, onde foi aprovada.
Mesmo sem conhecer o Rio Grande do Sul, há sete anos Sarah se mudou para Porto Alegre e iniciou os estudos. Ela estava nos semestres finais do curso quando foi assassinada. A mãe conta que ajudou a filha no que pôde, mas diz que Sarah era determinada e nunca desistia dos seus objetivos.
Na graduação, ela passou a integrar o movimento estudantil e chegou a ser diretora do Diretório Central Estudantil (DCE) da UFRGS. Após sua morte, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura (Dafa) foi renomeado para "DAFA Sarah Domingues - UFRGS".
— O que nos mantém firmes é seguir a luta dela em relação ao que ela estava fazendo lá, naquele dia, pelas pessoas que são atingidas pelas enchentes. Ela lutava pela moradia digna — diz o nutricionista Vinícius Stone, namorado de Sarah.
Stone e a mãe de Sarah ainda mantém contato. Em junho, Maria Marta veio ao Rio Grande do Sul para receber o diploma da filha na cerimônia de colação de grau na UFRGS. Ela conta que aproveitou a ocasião para conhecer a região das ilhas, que inspirou o TCC da filha. Ela também esteve no local em que Sarah foi morta.
— São pessoas muito simples. Eles estavam andando dentro da água para me mostrar onde ficava o mercadinho, porque foi logo depois das enchentes e estava tudo alagado — lembra.
Presságio
Sarah tem um irmão gêmeo, que mora e trabalha no Exterior. Maria Marta, mãe dos jovens, lembra que contou ao filho sobre a morte da irmã somente na manhã seguinte ao fato, pois não quis preocupá-lo durante a noite. Quando ela contou a ele, o filho revelou que na noite anterior, em que Sarah morreu, ele viu uma luz inexplicável dentro do quarto.
— Ele disse que já era madrugada e estava tudo apagado. Ele chegou a pensar que fosse algum sinal de que algo tivesse acontecido com a sua avó, que já é bem idosa. Quando eu liguei, ele pensou que fosse isso — lembra a mãe.
Espera por justiça
Maria Marta diz que agora espera por justiça. Em sua vinda ao RS, ela diz que entrou em contato com o Ministério Público e tentou falar com o delegado responsável pelo caso.
— O que a gente espera e vai lutar é para que esse caso seja julgado. O mínimo que esperamos é que vá para julgamento e que os responsáveis sejam punidos.