Muitas características são citadas quando amigos falam sobre Sarah Silva Domingues, 28 anos, estudante da UFRGS que foi assassinada em Porto Alegre. Engajada em pautas muitas vezes duras, a doçura dela até surpreendia, dizem.
Quem acompanhou Sarah conta que, com firmeza, ela usava a voz potente para mobilizar grupos dentro da universidade e em coletivos, sendo definida como uma "jovem revolucionária". Ainda assim, não faltava ternura. Sua influência teria inspirado outras pessoas a retomarem os estudos ou ingressarem na faculdade.
De família humilde, Sarah nasceu em Cotia, na região metropolitana de São Paulo. Se mudou para Porto Alegre em 2015, após passar no vestibular de Arquitetura e Urbanismo. Na Capital, morou na casa do estudante e passou a se destacar em movimentos de lutas por direitos.
Aos 28 anos, estava prestes a se formar e estava finalizando o trabalho de conclusão do curso (TCC), em que estudava as enchentes na região das ilhas de Porto Alegre. Na terça-feira (23), fazia pesquisa de campo na Ilha das Flores. Depois dali, voltaria para a casa onde morava com o namorado há cerca de sete meses. O casal, que vinha planejando uma festa de casamento após a formatura de Sarah, já tinha planos para aquela noite.
— Eu ia cortar o cabelo dela e ela ia cortar o meu, a gente costumava fazer assim — conta o namorado, o nutricionista Vinícius Stone.
Um ataque, possivelmente ordenado pelo crime organizado, interrompeu os planos daquela terça. Por volta das 19h30min, Sarah estava em frente a um mercadinho na Rua do Pescador, quando foi atingida por tiros disparados por dois homens que passaram em uma moto. A estudante morreu no local.
Nesta quinta (25), foi velada em meio a centenas de amigos e colegas, no prédio da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, mesmo local onde ela teria uma reunião com a orientadora do TCC nesta tarde.
Sarah recebeu, de forma simbólica, um canudo de diploma, colocado em suas mãos, durante a despedida.
Ainda nesta tarde, o corpo dela seria encaminhado para a cidade natal, em São Paulo, onde ela será sepultada. A mãe e a irmã vieram ao RS na terça para acompanhar os trâmites e o velório na Capital.
Conforme a Polícia Civil, Sarah não tinha qualquer ligação com o mundo do crime. O alvo da ação que a vitimou seria o dono do estabelecimento em frente ao qual ela estava, Valdir dos Santos Pereira, 53 anos. Ele também foi baleado e não resistiu. A polícia apura a motivação e os responsáveis pela ação.
Luta por direitos
Aos 28 anos, a estudante era vista por colegas como uma das principais lideranças estudantis na cidade. Foi diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Diretório Central dos Estudantes(DCE) da UFRGS, do Diretório Acadêmico (DA) da Arquitetura e membro do Conselho Universitário da UFRGS. Também atuou por quase um ano como coordenadora da Casa Mirabal, que faz o acolhimento de mulheres em situação de violência na Capital.
Na definição da amiga Priscila Voigt, a estudante era “proativa e determinada”.
— Ela não sabia ver coisas erradas, injustiças, sem intervir. Sempre foi alguém disposta a ajudar. Nunca deixava de dizer o que precisava, e a gente sente que ela conseguiu dizer, antes de ir, o quanto amava todos nós, o quanto amava o que fazia, a profissão que estava construindo. Era carinhosa. Hoje a irmã dela comentou que sente saudade do abraço da Sarah. É o que sentimos — diz a nutricionista, que conheceu Sarah em 2017.
A influência de Sarah entre os estudantes também é lembrada pelo amigo Everaldo Santos de Oliveira Júnior, coordenador-geral do DCE da UFRGS.
— Sarah era uma pessoa que pegava tua mão, te ensinava a fazer as coisas. Que não arredava o pé quando sabia que estava certa, quando tinha razão. Se ela precisasse pegar o megafone para denunciar alguém, para lutar por algo, ela fazia. Mas também tinha seus medos, ansiedades. Era uma pessoa cheia de sentimentos. Mas quando via uma injustiça era tomada por uma força que me inspirou muito. Ela me deu referência, mostrava que era possível construir uma cidade melhor — recorda o estudante.
Ele cita também características da amiga que considerava principais:
— A marca dela era a mecha de cabelo azul e os óculos redondos, tu reconhecia ela de longe em qualquer lugar. Lembro da gargalhada dela, da potência. Era uma pessoa muito feliz, que dizia coisas complexas, sensíveis de forma leve, com um sorriso no rosto — conta Oliveira.
O namorado, Vinícius Stone, relata que o casal acabara de voltar de uma viagem a São Paulo, em que passou dias com a família de Sarah. Stone conta que o relacionamento amoroso surgiu depois de anos de amizade entre os dois:
— Era uma pessoa muito doce, disposta a ajudar. Em casa, a gente fazia tudo junto, estava sempre junto. Ela fazia tudo da forma mais perfeita possível.
O namorado lembra da última vez em que viu Sarah com vida. Antes de sair de casa na terça-feira, ela pendurou o crachá da UFRGS no pescoço.
— Ela disse: “Assim todo mundo vai saber que eu sou estudante, né?”. Queria estar identificada, que os moradores soubessem o que ela estava indo fazer lá. Ela dedicou a vida para construir um mundo mais justo, uma sociedade onde esse tipo de coisa não acontecesse. Agora vamos seguir lutando por isso, por ela.
A estudante deixa também a mãe, dois irmãos (um deles gêmeo) e uma irmã.
Investigação
Em nota, a Polícia Civil afirmou que "está empenhada em investigar o caso". A corporação afirma que o homem morto no mesmo ataque que vitimou Sarah "tinha antecedentes policiais por porte de arma de fogo e ameaça" e "seria o alvo". O inquérito é de responsabilidade da 2ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa da Capital.