Em casa e na companhia da família, o soldado Jaison Soares Casani, 31 anos, se recupera do episódio mais traumático de sua trajetória dentro da Brigada Militar. No último dia 23, ele patrulhava ruas de Gravataí, junto de colegas brigadianos, quando foi baleado por um homem que o abordou. Foi o primeiro confronto enfrentado pelo PM, que levou quatro tiros e sobreviveu. Quase uma semana depois, ele ainda sente dores pelo corpo e anda com ajuda de uma muleta, mas afirma estar bem e se diz feliz com a repercussão do caso, que "mostra a importância do trabalho" da instituição.
As imagens do ataque ao policial, gravadas por uma câmera de segurança, se espalharam nas redes sociais e tiveram repercussão até mesmo fora do Estado. Na gravação, é possível ver o momento em que o PM, em uma motocicleta, se aproxima do criminoso. O homem saca a arma e atira repetidas vezes na direção do soldado, que cai no chão e logo saca a própria arma e reage. Ele passa a revidar, atirando contra o homem, que se afasta e escapa correndo. O caso ocorreu por volta das 3h, no bairro Santa Cruz.
O criminoso teria disparado ao menos 10 vezes contra o soldado. O homem acabou morto pouco depois, em confronto com outros PMs, segundo a BM.
Casani acredita que se salvou, naquela madrugada, graças a uma série de fatores concomitantes.
Um deles foi o uso de equipamentos de proteção. Dos quatro disparos que o atingiram, dois foram parados pelo colete a prova de balas, e deixaram hematomas. Outro tiro, que acertaria em cheio a barriga do policial, pegou na lanterna que fica junto ao colete. O quarto disparo quebrou a joelheira e se alojou acima da patela, na perna direita.
— Inclusive estão aqui, o colete e a joelheira. Vou guardar comigo — comenta o PM.
Além disso, avalia que o fato de ter conseguido reagir também o ajudou:
— Eu senti os dois disparos, uma ardência no peito. Quando caí no chão já estava com a mão na arma. Saquei e reagi atirando. Ele estava vindo para perto de mim, ia me executar. Quando comecei a tirar, ele recuou. Como sou canhoto, levei uns segundos para tirar a mão da moto e pegar a arma — lembra.
Naquele momento, o PM ficou cara a cara com o criminoso, em um confronto que levou apenas alguns segundos. Casani lembra que estava calmo, apesar da situação, e diz que agiu por instinto e com base no treinamento recebido:
— Lembro que eu focava: "Tô vivo, tô vivo, tô vivo". Não senti medo, angústia, nervosismo. Eu estava muito calmo, claro que podia estar em estado de choque, mas me sentia tranquilo. Não dá tempo de pensar em nada, você só pensa que tem que se manter vivo, e graças a Deus eu consegui. Agi no instinto de ficar vivo. Talvez alguma memória muscular tenha ajudado, dos treinamento, cursos.
Só depois, no hospital, o soldado percebeu a gravidade do ataque:
— Depois, até me apavorei. Quando baixou a adrenalina, fiquei nervoso, eu tremia. Aí tu entende o que aconteceu, pensa na família, na esposa, na filha, na mãe. Percebi que podia não ter voltado. Hoje me sinto muito grato a Deus.
Em casa
Após ser baleado, Casani chegou ao hospital de Gravataí pouco depois das 3h, e recebeu alta cerca de duas horas depois. Passou por uma microcirurgia para retirada do projétil que ficou alojado acima da patela. Em casa, o soldado tem apoio de familiares. Afirma que está bem, mas ainda tem dores pelo corpo, especialmente nos hematomas deixados pelos disparos.
Em razão do tiro no joelho, ainda não consegue apoiar o pé direito no chão nem dobrar a perna. Caminha com auxílio de uma muleta para não forçar a estrutura. O soldado passou por avaliação junto a um especialista em joelho, que constatou que o disparo não afetou ligamentos nem osso. Casani não deve precisar de fisioterapia, mas precisa ficar em repouso até se recuperar totalmente.
O policial está em acompanhamento psicossocial junto ao departamento de saúde da BM. Em licença, ele não tem previsão de retorno às atividades. Afirma que ainda é cedo para avaliar se irá retomar o trabalho nas ruas ou se deve ficar em algum setor administrativo.
— O que sei é que, quando voltar, quero estar 100%, independente da função que assumir. Quero voltar para somar.
Pai e filha em recuperação
Depois daquela madrugada, Casani conta que havia decidido não contar para a mãe sobre a troca de tiros. Não queria preocupá-la.
— Ia dizer para ela que cai de moto e machuquei o joelho. Mas aí deu a repercussão e não tive como esconder. Por um lado, fico feliz que esse caso ganhou destaque, para que as pessoas entendam a importância do trabalho da Brigada Militar nas ruas, para que valorizem.
O soldado também precisou conversar com a filha, de sete anos, que acabou vendo vídeos do ataque, que circulam na internet.
— Minha esposa também conversou muito com ela, ajudou bastante a entender que estou bem. Teve uma coincidência engraçada que, naquele mesmo dia, minha filha caiu na pracinha, machucou a boca. Ficamos eu e ela em recuperação. Ela olhava para mim e dizia: "Acho que o meu machucado está pior", e eu concordava.
Apoio da equipe
Depois que o criminoso fugiu, o PM, que estava deitado enquanto atirava, se senta no chão. Ele conta que passou a mão pelo colete, no peito, e viu que não havia sangue. Os disparos não atravessaram o equipamento, mas causaram grandes hematomas e ardência na região. Quando viu que a joelheira quebrada, percebeu também o tiro no joelho. Na sequência, pediu ajuda pelo rádio.
— Tive apoio de colegas muito preparados, que estavam junto na ocorrência. Fizeram torniquete, me ajudaram a retirar o colete para ver se tinha algum ferimento que não estava visível. Em minutos chegou uma viatura, me carregaram para o carro e levaram pro hospital. Lembro que eu disse que estava bem, para ficarem tranquilos que era só o joelho que estava machucado. O apoio depois fez toda a diferença.
Casani conta que nesta semana também foi recebido pelo alto escalão da BM, o comandante-geral, coronel Cláudio dos Santos Feoli, e o subcomandante, Douglas da Rosa Soares.
Experiência no Exército
Apesar de ser novo na Brigada Militar, o soldado tem passagens por outras instituições de segurança. O começo foi na Polícia Civil, onde fez estágio por dois anos na delegacia do pequeno município de no Formigueiro, entre 2009 e 2010. A BM ficava no mesmo prédio, e o contato com PMs era frequente, lembra.
Depois, foi para o Exército em Santa Maria, onde ficou por oito anos. Ali passou por treinamentos e provas com armamentos mais pesados, como fuzis.
Decidiu fazer concurso para a BM. Aguardou por três anos até que foi chamado em 2021, quando começou o curso de formação, também no município da Região Central. Há cerca de dois anos, começou a atuar nas ruas, sempre em Gravataí, pela Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam).
Criminoso morreu em confronto
O PM conta que, naquele dia 23, ele havia começado a trabalhar às 16h, em um plantão que se encerraria às 4h. Por volta das 3h, Casani e quatro colegas faziam patrulha de rotina, em motocicletas, nas avenidas principais de Gravataí, próximo do centro.
Os policiais suspeitaram de três indivíduos e decidiram abordá-los.
— Dois criminosos saíram correndo e os colegas foram atrás. Eu fui abordar o que ficou caminhando como se nada estivesse acontecendo, só que ele já virou atirando. No vídeo dá para ver que ele iria reagir, não ia aceitar a abordagem independente de quantos agentes estivessem ali comigo. Foi para o tudo ou nada, não queria ser preso, o que iria acontecer já que ele estava armado.
Após a troca de tiros, um cerco foi realizado pelos policiais na região. Na mesma madrugada, os PMs entraram em confronto novamente com o homem que atirou no PM. Ele foi morto durante a troca de tiros. Conforme a BM, ele tinha 25 anos e possuía antecedentes por crimes como tráfico de drogas, homicídio e roubo a pedestres. O nome não foi divulgado pela polícia.
Uma pistola, carregadores e munição também foram apreendidas pelos policiais. Na mesma ação foi preso outro suspeito de 19 anos e apreendido um adolescente de 17 anos, que estariam, no momento da abordagem, junto ao homem que morreu.