O cirurgião plástico Leandro Fuchs pediu afastamento do Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre, onde atuava como chefe do setor, após denúncias de ex-pacientes por problemas após cirurgias e negligência nos atendimentos médicos.
Já foram registradas na Polícia Civil 17 queixas contra Fuchs, que responde a mais de 10 processos judiciais. Oito mulheres ouvidas pela reportagem contaram terem feito procedimentos com o profissional entre 2020 e 2023: são histórias de procedimentos realizados por médicos residentes, falta de atenção e acolhimento durante a recuperação depois da cirurgia, sangramentos, infecções, mutilações e deformações.
De acordo com o Hospital Ernesto Dornelles, o afastamento é temporário, feito a pedido do médico, e válido, pelo menos, até que "o processo de averiguação interna seja finalizado". Um comitê interno foi criado pela instituição para analisar as denúncias. O prazo para conclusão é de 30 dias e termina em fevereiro.
Por meio de uma nota da sua assessoria de comunicação, Fuchs disse, na tarde de terça-feira (30), estar "convicto de que sempre atuei com respeito aos preceitos técnicos, éticos e legais da profissão, estou – e sempre estive – à disposição das autoridades para eventuais esclarecimentos" (leia, abaixo, a íntegra da nota).
As denúncias
"Só inchaço"
Uma das ex-pacientes de Fuchs, que preferiu não se identificar, conta que consultou com o médico em novembro de 2020.
— Disse que eu ficaria uma Barbie, que tiraria toda a gordura do meu tronco, prometeu que eu ficaria do jeito que eu queria — lembra.
A cirurgia aconteceu em fevereiro de 2021 e custou R$ 25 mil. Para ela, um sonho de 11 anos que se concretizava. Ela viu que tinha algo errado quando foi chamada para a sala de operação e, deacordo com seu relato, o médico não estava lá. As marcações em seu corpo que indicavam os locais em que haveria intervenções teriam sido feitas por uma médica residente.
— Ele apareceu somente quando eu já estava toda riscada e, aí, viu que algumas marcações estavam erradas. Na mesa de cirurgia, ele rabiscou por cima — diz.
No momento da alta hospitalar, ela diz que o médico também não estava e quem teria dado a liberação foi a residente. Durante a recuperação, teve complicações, mas ele estava viajando e quem atendeu foram residentes.
— Eles diziam que era só inchaço — conta. — Minha lipo ficou mal feita mesmo após o reparo. Minha cicatriz da abdominoplastia é totalmente torta, parece que foi dado um bisturi com alguém com tremedeira nas mãos. Tive de tatuar nos flancos, pois me atormentava a vergonha de por um biquíni e aquilo aparecer. Meu seio, que ele prometeu ficar no lugar por 10 anos, caiu em seis meses — relata.
"Quase morri"
Katiane da Silva conta ter feito o implante de silicone com o cirurgião no ano passado, mas a recuperação do procedimento teve complicações.
— Precisei fazer o explante, pois estava com uma grave infecção. Fui para o Hospital de Clínicas, estava séptica. Muita dor, febre e com a pressão extremamente alta — narra.
Katiane é enfermeira com um carreira de 20 anos. Jamais pensou que passaria por uma situação como essa.
— Quase morri. Perdi meu emprego, pois eu era PJ (pessoa jurídica). Estou há sete meses assim — afirma, dizendo que nunca teve um retorno do médico.
"Torta tu já era"
Ana Cláudia Siqueira relata ter sido operada por Fuchs em 2020 e pago R$ 19 mil pelos procedimentos. A plástica era na região do abdômen. Hoje, diz estar "completamente frustrada, com baixa autoestima, deprimida e decepcionada".
— Eu era sacoleira, vendia roupa, calçado, almejava muito, sonhei muito e guardava cada centavo para pagar a cirurgia. Mas deu tudo errado — lamenta.
Ana relata que foi pedir satisfações ao médico por conta de como havia ficado o seu corpo. Disse que se via "completamente torta" e ele teria respondido: "Torta tu já era. Tu estava acima do peso quando te operei".
— Ele me disse "tu vai ficar maravilhosa, esbelta, linda, perfeita". Então, ele vendia aquele sonho. Hoje, eu sou completamente torta, tenho raiva e vergonha do meu corpo, dificilmente tenho relação (sexual) e, quando tenho, é no escuro completo para que não vejam meu corpo. Tenho baixa autoestima e pavor do meu corpo. Ele acabou comigo — descreve.
"Se abrir de novo vai ser uma 'cacaca'"
Outra paciente que não quis se identificar relata que, ao procurar Fuchs após não gostar do resultado da cirurgia estética que havia feito nos seios, teria ouvido que, se abrisse de novo, seria "uma cacaca". O médico teria então informado que, passando mais tempo, poderia fazer o reparo.
A paciente disse que seus seios foram mutilados, que foi abalada psicologicamente, que se separou e não tem condições de fazer um reparo, pois é uma cirurgia cara, e não confia em Fuchs para o procedimento.
Residentes faziam cirurgias
Outra paciente, também sob condição de anonimato, relatou ter passado por abdominoplastia e lipoaspiração em janeiro de 2023. O custo foi de R$ 18,6 mil. Ela disse que foi operada por dois médicos residentes. Após os procedimentos, teve duas infecções e seus pontos começaram a se abrir.
— Ele me disse que era normal, que tudo ia ficar bem — conta.
A situação não melhorou e ela procurou outro hospital e outro médico. Passou por tratamento e só voltou a trabalhar em maio.
— Pretendo processar — afirma.
Outra paciente conta que acredita que o médico marque muitas cirurgias para o mesmo dia, razão pela qual residentes acabam assumindo:
— Pude perceber porque ele está sempre no consultório e tem agenda fácil para operar, marca muita cirurgia no mesmo dia, uma cirurgia que leva horas, não daria para se fazer tantas.
"Estava me cuidando errado"
Luana Machado Fantinel passou por cirurgia com Fuchs há um ano. Hoje, sente vergonha de usar biquíni ou roupas curtas.
— Minha cicatriz começou a alargar demais. Ele falou que era normal. Ele até arruma, segundo ele, porém isso tem custo e não tenho como. Além disso, tenho medo. Quando estive no escritório dele, logo que começou, falou que estava me cuidando errado. Mandou eu repousar mais. Que ficaria bom e me mandou fazer curativo. Nunca ficou — diz.
Outra paciente relata que está com a “cicatriz torta, lipo mal feita, seio que caiu", e que não tem dinheiro para pagar advogado. Ela relata o que seriam falas do médico sobre os problemas que ela descrevia após a cirurgia: "É reação do teu corpo", "olha como você era antes e agora", "tem que esperar desinchar", "continua as drenagens", "daqui a seis meses volta para avaliarmos".
"Reparação física e moral"
O advogado Axel Rodrigues Pimentel representa 20 ex-pacientes do médico e conta que as ações judiciais querem "uma reparação física e moral a todas essas mulheres".
— Essas mulheres juntaram economias ou fizeram empréstimos com intuito de realizar um sonho e foram literalmente mutiladas e encontram-se revoltadas e humilhadas — afirma.
Ele afirma que uma de suas clientes o procurou há algum tempo para relatar que Fuchs teria feito de forma incorreta o procedimento estético pelo qual passou, tendo sofrido com infecções e que não teria havido atenção e zelo do médico após a cirurgia. Depois, outras três mulheres buscaram o assessoramento dele.
Por meio delas, tomou conhecimento de um grupo no WhatsApp que reúne mulheres que foram pacientes de Fuchs. Há mais de 60 integrantes, e os relatos e as imagens compartilhados são de diversos problemas médicos, como infecções, falta de cuidado e descaso com as reclamações.
— Neste momento, estou com aproximadamente 20 ações indenizatórias para serem ingressadas contra o médico e contra o hospital onde foram feitos os procedimentos. O número de ingresso de ações está aumentando a cada dia, haja vista que muitas mulheres que sofreram mutilações estavam com vergonha ou medo de denunciar e, agora, estão tomando a frente e divulgando — afirma.
O que diz o médico Leandro Fuchs
A assessoria de comunicação do cirurgião plástico emitiu nota. Leia o texto na íntegra:
"NOTA À IMPRENSA
Informo que solicitei o afastamento temporário de todas as minhas atividades no Hospital Ernesto Dornelles. Convicto de que sempre atuei com respeito aos preceitos técnicos, éticos e legais da Medicina, reforço que estou – e sempre estive – à disposição das autoridades para eventuais esclarecimentos. Mantenho a convicção de que, ao final de todos os procedimentos investigatórios em curso, a verdade irá demonstrar a exatidão do aqui afirmado por mim.
Porto Alegre, 30 de janeiro de 2024."