Uma apuração aberta para verificar o funcionamento de casas de jogos de azar e lavagem de dinheiro no Estado abriu mais uma ponta para investigação: um suposto pagamento de propina para policiais civis e militares, por parte do casal que comandava o esquema de jogatina. De acordo com a Polícia Civil, mensagens trocadas entre os criminosos indicam repasse de valores para evitar batidas nos locais.
A reportagem entrou em contato com o 25º Batalhão de Polícia Militar (25ºBPM) de São Leopoldo, citado em mensagens de criminosos, e também com a comunicação da BM e da Polícia Civil. Confira o posicionamento abaixo.
As mensagens foram obtidas durante a investigação de um grupo envolvido na administração de casas de jogos de azar. O inquérito corre há pelo menos três anos, realizado pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil de Viamão. Em maio, uma ação da equipe cumpriu mandados de busca e apreensão na casa de integrantes da quadrilha, e foram apreendidos celulares, veículos e sequestrados imóveis.
Com a análise desse material, a polícia obteve acesso a mensagens trocadas pelos criminosos, que citam a suposta entrega de valores para integrantes das forças de segurança. As mensagens não informam nomes específicos, mas uma delas cita o "batalhão da BM de São Leopoldo", o 25ºBPM, único no município.
Durante investigação, as equipes encontraram mensagens trocadas entre o grupo, em que afirmam que vão "levar dinheiro para a polícia" e também levar "presentes de natal para o batalhão da BM de São Leopoldo" como uma das formas de evitar batida policial.
As mensagens foram obtidas pela reportagem nesta segunda-feira (27), quando a Draco realizou nova operação contra o grupo. O trabalho resultou em sete prisões preventivas.
"Levo presentes de Natal P (para) batalhão da BM de São Leopoldo esta semana? É uma das formas de evitar batida (...). Dá (R$) 1.500,00 de presente de Natal", diz uma das mensagens, enviada em 20 de dezembro de 2022.
Em outra, uma pessoa afirma: "Foi marcada para amanhã levar o dinheiro da polícia".
Em outro texto, criminosos falam sobre algo que teria dado errado:
"Olha só isso patrão. Vão cair não pagaram nem a polícia. Disseram que vão abrir. Que palhaçada. Agora quando eles vim oferece (R$) 40 mil. Ponto queimado. O ponto já desvalorizou patrão é isso que vamo falar."
Em 17 de abril do ano passado, uma mensagem alerta para um suposto pagamento que deveria ser feito à polícia:
Levo presentes de Natal P (para) batalhão da BM de São Leopoldo esta semana? É uma das formas de evitar batida
MENSAGEM TROCADA POR SUSPEITOS DE INTEGRARAM QUADRILHA
"Boa tarde avisei a (cita nome de suspeita) quinta já que hoje tem que pagar a polícia."
Informação privilegiada
Em mensagem enviada em 13 de setembro de 2022, um contato identificado como "Segurança B" traz supostas informações privilegiadas:
"Operação da polícia vão sair daqui a pouco do batalhão. Operação jogo a princípio. Te passei a informação pois vc (você) tem mais lugares né. Daí pra vc estar sabendo."
Investigação
À frente da investigação contra a quadrilha, o delegado Guilherme Calderipe afirma que as equipes também apuram o possível envolvimento de integrantes das forças de segurança no esquema, que estariam contribuindo para o funcionamento das casas de jogos.
— Até o momento, não conseguimos identificar quem são os agentes que estariam envolvidos no esquema. A gente sabe que, às vezes, ocorre esse envolvimento de servidores (nos delitos), mas é difícil pegar algo concreto, chegar aos nomes deles. Mas estamos investigando e pretendemos encaminhar para a corregedoria das polícias para conhecimento deles também — diz Calderipe.
Ação prendeu sete pessoas
Na ação desta segunda, que foi deflagrada por volta das 6h, policiais da Draco de Viamão cumpriram sete mandados de prisão preventiva, por lavagem de dinheiro, em Novo Hamburgo, Tramandaí e Gravataí. Entre os presos, está o casal que seria chefe do esquema.
A Polícia Civil não divulgou o nome dos presos, mas GZH apurou que o casal é Gilberto da Silva e Joselaine Guterres.
Conforme o delegado Calderipe, à frente da operação, o casal atua no esquema ilegal "há décadas". A investigação indica que eles administram mais de cem casas em diversas cidades gaúchas.
Eles foram presos por lavagem de dinheiro, já que recolhiam o dinheiro obtido com a jogatina e o transferiam para empresas que funcionam legalmente, misturando o dinheiro sujo para dar aparência lícita aos valores, segundo a investigação. Conforme a polícia, somente na conta bancária de uma empresa da mulher investigada foram movimentados mais de R$ 10 milhões nos últimos três anos.
O que diz a Polícia Civil
Diretora do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), a delegada Adriana Regina da Costa afirmou que o suposto repasse de valores a servidores será apurado. Ela ressalta que as mensagens são "genéricas e muito precárias" e que é preciso apurar a veracidade delas.
A diretora pontua ainda que as mensagens não citam "alguém em particular nem fazem acusação específica".
— Por enquanto, não há muitos elementos, é uma fala muito geral. Mas será investigado.
O que diz a BM e o 25ºBPM
A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Brigada Militar e do 25ºBPM, de São Leopoldo, para contraponto, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.