A mãe e a madrasta do menino Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, tiveram novamente recursos negados. Dessa vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recusou os pedidos das defesas de Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 28, e Bruna Nathiele Porto da Rosa, 25. As duas são acusadas de terem assassinado o menino por espancamento e uso de medicação no fim de julho de 2021 em Imbé, no Litoral Norte, e depois terem arremessado o corpo da criança nas águas do Rio Tramandaí. O cadáver nunca foi localizado.
As duas defesas buscavam reverter as decisões tomadas anteriormente pela Justiça no Rio Grande do Sul. Em fevereiro de 2022, o juiz Gilberto Pinto Fontoura, de Tramandaí, decidiu enviar a mãe e a madrasta de Miguel a julgamento pelo Conselho de Sentença. Ou seja, sete jurados da comunidade devem decidir se elas são culpadas ou inocentes pelos crimes dos quais são acusadas. Depois disso, as defesas recorreram ao Tribunal de Justiça, que manteve a decisão inicial.
Numa nova tentativa, as defesas moveram recurso especial e recurso extraordinário, que passam por avaliação do TJ. O entendimento foi de que os recursos não deveriam ser admitidos. Em razão disso, o apelo foi encaminhado ao STJ para tentar abrir novamente a porta fechada pelo TJ, e conseguir que o recurso seja analisado.
Ao longo dessa etapa, o Ministério Público Federal se manifestou para que o recurso não fosse admitido. O ministro Joel Ilan Paciornik decidiu analisar os recursos e, em decisão publicada neste mês, negou os pedidos das defesas, mantendo as decisões anteriores.
Os pedidos
A defesa de Yasmin encaminhou uma série de pedidos neste recurso especial. Entre eles, solicitava o reconhecimento da nulidade do processo, a absolvição da ré pela ausência de materialidade e, se fosse o caso, o afastamento da qualificadora de motivo fútil. A tentativa da defesa era remover a qualificadora — que pode aumentar a pena em caso de condenação.
Segundo a acusação, a mãe e a madrasta responsabilizavam Miguel pelos problemas no relacionamento. Durante a investigação, a polícia obteve mensagens nas quais elas se referiam à criança de forma pejorativa. Em uma das trocas de mensagens, Bruna usa a palavra “lixo”. Para o Ministério Público, o garoto era visto como entrave à relação e, por isso, as duas teriam decidido matá-lo.
No entendimento do ministro, a defesa não demonstrou de forma concreta que sofreu prejuízo durante o processo. Ainda sobre a qualificadora, a conclusão foi de que ela "foi lastreada (embasada) nos elementos probatórios presentes nos autos, o que impede a sua exclusão em sede de recurso especial". Em razão disso, o ministro decidiu negar os pedidos dos advogados de Yasmin.
Já a defesa de Bruna buscava comprovar a nulidade da decisão de pronúncia, na qual a Justiça determinou que a madrasta deveria ir a a júri. A alegação era de que houve "excesso de linguagem", pelo magistrado. O ministro entendeu, no entanto, que o juiz "apenas se referiu ao relatório de investigação confeccionado pela autoridade policial para concluir pela presença da materialidade e indícios suficientes de autoria, não emitindo qualquer juízo de valor".
Próximos passos
Nesta quarta-feira (25), os autos do caso foram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde deve ser analisado o recurso extraordinário da defesa de Yasmin. Somente após a análise desse recurso é que o caso poderá ter andamento. A defesa de Bruna também pode recorrer ao STF, se assim decidir. Somente quando o processo retornar para a Justiça gaúcha é que uma data para o julgamento poderá ser agendada.
O que dizem as defesas
Bruna Nathiele Porto da Rosa
Um dos responsáveis pela defesa de Bruna, o advogado Ueslei Natã Dias Boeira pretende comprovar que a cliente não teve atuação na morte do menino. A defesa deve manter a tese de negativa de autoria. Sobre o recurso negado, a defesa informou que ainda deve definir quais próximos passos.
— Ainda estamos analisando a decisão. Após o prazo para manifestação, os autos retornam para a comarca de origem, para que seja pautada a data para o julgamento perante o Tribunal do Júri da Comarca de Tramandaí — diz o advogado.
A madrasta chegou a ser internada no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), mas retornou ao Presídio Madre Pelletier, onde permanece presa. Em caso de condenação, a defesa pretende pedir que ela retorne ao IPF.
Yasmin Vaz Rodrigues
Nesta quarta-feira, GZH entrou em contato com a defesa de Yasmin, e aguarda retorno. Atualmente, a mãe do menino afirma ser inocente das acusações, e é essa tese que a defesa dela deverá sustentar em caso de julgamento.
LINHA DO TEMPO
Confira o andamento do caso até chegar ao STJ:
- Julho de 2021
No dia 29, Yasmin procura a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Tramandaí para registrar o desaparecimento do filho, que, segundo ela, teria acontecido dois dias antes. Os policiais suspeitam do relato e seguem com a mãe e a madrasta, Bruna, até a pousada onde elas viviam. Lá, elas acabam confessando que a criança foi morta e teve o corpo arremessado no rio. Yasmin afirma ter agido sozinha e é presa.
- Agosto de 2021
Três dias depois de o crime ser descoberto, a madrasta é presa de forma temporária. A prisão ocorre após a polícia analisar o aparelho celular de Bruna e encontrar conteúdos, como mensagens e vídeos, que levaram à conclusão de que ela teria, no mínimo, participação nos maus-tratos ao garoto. Num dos vídeos, a mulher aparece ameaçando espancar o menino e mantendo o garoto trancado dentro de um armário. Ao longo do mês, ela é transferida para o Instituto Psiquiátrico Forense (IPF).
O delegado Antônio Carlos Ractz Júnior encaminha à Justiça o inquérito, indiciando a mãe e a madrasta do garoto pelos crimes de tortura, homicídio qualificado, por meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima, e ocultação de cadáver. Dez dias depois, o MP denuncia as duas por homicídio triplamente qualificado (acrescenta o motivo torpe), tortura e ocultação de cadáver.
- Setembro de 2021
Após 48 dias, os bombeiros do Litoral Norte encerraram no dia 14 daquele mês as buscas pelo corpo do menino Miguel. Desde que o caso foi descoberto, as equipes vinham realizando varredura em diversas cidades, em busca da criança. Ao longo da operação, os bombeiros usaram embarcações, aeronaves e um drone. No mesmo dia, o IPF divulga laudo que constata que Bruna não possui alteração em sua saúde mental.
- Novembro de 2021
No dia 8, ao longo de cinco horas, é realizada a reprodução simulada dos fatos, popularmente conhecida como reconstituição. Somente a madrasta participa da perícia e demonstra como teria acontecido o crime. Ela percorre também o trajeto entre a pousada e a beira do rio. Assim que veem Bruna irromper pela Avenida Paraguassú, moradores esbravejam repetidas vezes: "Assassina!". Nas proximidades do Rio Tramandaí, a madrasta indica o local onde Yasmin teria aberto a mala e arremessado o corpo do filho.
No dia 19, em audiência na Justiça, Bruna aponta Yasmin como a responsável pela morte de Miguel. Relata ainda que a companheira agredia o filho constantemente. Bruna diz que Miguel teria sido agredido pela mãe, deixando inclusive uma marca na parede, onde teria batido com a cabeça da criança. A madrasta relata que o menino foi dopado e teve o corpo colocado dentro da mala, após ficar horas trancado num fosso de luz e num armário. Yasmin opta por permanecer em silêncio.
- Fevereiro de 2022
O juiz Gilberto Pinto Fontoura, de Tramandaí, determina que as duas rés devem ser julgadas pelo Tribunal do Júri. Além do homicídio triplamente qualificado, a mãe e a madrasta respondem por tortura e ocultação de cadáver. Para o magistrado, há indícios de que o menino sofria “intenso sofrimento físico e mental”, por exemplo, privado de alimentação adequada e mantido preso por logos períodos em um guarda-roupa.
- Julho de 2022
Em sessão virtual realizada pela 3ª Câmara Criminal, o Tribunal de Justiça do RS nega, por unanimidade, o recurso da defesa e mantém a decisão que leva a júri Yasmin e Bruna. Na decisão, o colegiado também nega o pedido de soltura das rés. As defesas buscavam que elas não fossem submetidas ao júri e que as oitivas fossem realizadas novamente. Contra essa decisão, as defesas apresentaram recursos, que não foram admitidos pelo TJ-RS. Em razão disso, as defesas recorreram ao STJ, que decidiu negar os pedidos.