Dois projetos de lei — um federal e outro estadual — pretendem eliminar ou, ao menos, reduzir casos de importunação, constrangimento, assédio e violência em abordagens masculinas a mulheres em ambientes festivos. Ambas as propostas foram inspiradas no caso que ganhou notoriedade mundial, envolvendo o profissional de futebol Daniel Alves, que é réu em no caso de estupro de uma mulher em uma boate de Barcelona, na Espanha. O jogador brasileiro está preso graças a um protocolo semelhante, aplicado pelas autoridades espanholas, e aguarda pelo julgamento.
No âmbito federal, o PL 3/2023 está aprovado pela Câmara dos Deputados e, no dia 18 de agosto, foi remetido para a apreciação do Senado. A matéria define a criação do Protocolo Não É Não, de atendimento à mulher vítima de violência sexual ou assédio em discotecas ou estabelecimentos noturnos, eventos festivos ou esportivos, bares, restaurantes ou qualquer outro estabelecimento de grande circulação de pessoas.
— Quando a proposta virar lei, irá definir um protocolo nacional, determinando que todo estabelecimento deva cumprir algumas obrigações, como disponibilizar um trabalhador como responsável pela imediata aplicação do protocolo e orientar os demais trabalhadores do local sobre o tema — explica a idealizadora do projeto, deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).
A proposta foi apresentada em fevereiro e recebeu a adesão de 26 parlamentares de diferentes siglas e unidades federativas. Recebeu contribuições, admitiu negociações por ajustes e foi aprovada na forma de um substitutivo, apresentado pela deputada federal Renata Abreu (Pode-SP). O novo texto excluiu do regramento cultos e eventos religiosos.
No Senado, o PL 3/2023 aguarda a designação de relator pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O colegiado é presidido pelo senador gaúcho Paulo Paim (PT) e poderá deliberar sobre a relatoria do parecer nesta quarta-feira (23), quando a comissão realiza sua reunião semanal ordinária.
O outro projeto, PL 43/2023, tramita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e busca instituir uma norma estadual. O texto também foi apresentado em fevereiro, chegou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em março. Em maio, recebeu parecer favorável da deputada Delegada Nadine (PSDB). Contudo, não teve este parecer colocado em votação até o presente momento.
— Trata-se de uma tendência mundial de proteção às mulheres, mas que aqui no Estado não sai da CCJ. A votação tem sido adiada por sucessivos pedidos de vista feitos por deputados ligados aos partidos que integram a base do governo, o que nos causa um desconforto e provoca uma dúvida: será algo orquestrado em oposição ao projeto? — questiona a autora do texto, deputada Stela Farias (PT).
A proposta estabelece a criação do Protocolo Não Se Cale RS, para apoio a mulheres e meninas vítimas de violência sexual ou assédio em estabelecimentos de lazer e ambientes que prestam serviços de bar, eventos festivos, shows, restaurante, casa noturna e similares. A matéria tramita em conjunto com o PL 223/2019, de autoria do deputado Gaúcho da Geral (PSD).
Presidente da CCJ na Assembleia, o deputado Frederico Antunes (PP) afirma que a matéria segue os ritos típicos e está sujeita a eventuais pedidos de vista para análise individual por integrantes da comissão.
— Os membros da CCJ componentes do partido da deputada que questiona a tramitação também utilizam pedidos de vista como estratégia, de acordo com suas doutrinas. Sou presidente do colegiado e posso informar que a matéria está sendo debatida e será votada em momento apropriado — rebate Antunes, atual líder do governo no parlamento.
Entidades apontam lacunas nas propostas
De acordo com representações da sociedade civil, dados de registros policiais, notificações da saúde ou mesmo pesquisas sobre percepção da violência indicam o quanto é inseguro para a mulher sair na rua sozinha, ir a uma festa ou beber em um bar.
— A criação de legislações e protocolos que reforçam a necessidade de apoio e intervenção nos casos de violência é fundamental. O protocolo Não É Não, inspirado no caso de Daniel Alves, nos lembra o quanto as mulheres ainda são assediadas, culpabilizadas e violentadas não só dentro de casa, mas nas ruas, nos bares e onde elas estiverem — comenta a ativista Renata Teixeira Jardim, integrante do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher.
Para ela, contudo, é importante lembrar que a eficácia destas propostas só ocorrerá com efetiva mudança cultural, de comportamento e práticas entre jovens e adultos, que "impeçam que as mulheres sejam tratadas como meros objetos sexuais à disposição dos homens".
Já a diretora da organização nacional Livre de Assédio, Ana Addobbati, destaca que, de forma geral, a criação dos protocolos é uma "vitória". Ana avalia, no entanto, que há aspectos que não teriam sido bem desenvolvidos nos projetos em tramitação.
— Em ambientes de festas, a rotatividade de trabalhadores é grande e não seria possível assegurar uma cobertura efetiva com apenas uma pessoa capacitada por estabelecimento. O texto federal também falha ao deixar de prever a proteção para mulheres transgênero, para vítimas vulneráveis por estarem alcoolizadas e, ainda, pela exclusão de festividades religiosas no rol de estabelecimentos. Predadores sexuais irão migrar para estes ambientes. A mulher religiosa estará desprotegida? — contesta.
Entenda os projetos
Projeto de Lei 3/2023
Onde tramita?
- Foi aprovado pela Câmara dos Deputados e será apreciado pelo Senado.
Do que trata?
- Cria o “Protocolo Não É Não”, de atendimento à mulher vítima de violência sexual ou assédio em discotecas ou estabelecimentos noturnos, eventos festivos, bares, restaurantes ou qualquer outro estabelecimento de grande circulação de pessoas. Também deverá ser seguido em locais de realização de eventos esportivos profissionais.
O que diz o texto?
- Define como direitos da mulher ser prontamente atendida por trabalhadores do estabelecimento para relatar a agressão, resguardar provas ou qualquer evidência que possa servir a responsabilização do agressor; ser acompanhada por pessoa de sua escolha; ser imediatamente protegida do agressor; acionar os órgãos de segurança pública competentes com auxílio do estabelecimento, entre outros.
- Determina como deveres dos estabelecimentos manter pessoal capacitado e treinado; disponibilizar recursos para que a denunciante possa se dirigir aos órgãos de segurança pública, serviços de assistência social, atendimento médico ou mesmo o regresso seguro ao lar; manter serviço de filmagem interna e externa ao estabelecimento ou evento, preservando as filmagens que tenham flagrado a violência para disponibilizar às autoridades, entre outros.
Projeto de Lei 43/2023
Onde tramita?
- Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, aguardando votação de parecer na CCJ.
Do que trata?
- Estabelece diretrizes para a criação do “Protocolo Não se Cale RS”, de enfrentamento e apoio às mulheres e meninas vítimas de violência sexual ou assédio em estabelecimentos de lazer, bares, eventos festivos, shows, restaurante, casa noturna e similares.
O que diz o texto?
- Define como direitos da mulher ser prontamente atendida por trabalhadores do estabelecimento para relatar a agressão, resguardar provas ou qualquer evidência que possa servir a responsabilização do agressor; ser acompanhada por pessoa de sua inteira confiança; ser imediatamente protegida do agressor; acionar os órgãos de segurança pública competentes com auxílio do estabelecimento, entre outros.
- Determina como deveres dos estabelecimentos capacitar os profissionais, a partir de uma formação humanizada, com respeito às diferenças; criar espaços de acolhimento seguro no interior do estabelecimento; assegurar que o atendimento à vítima seja realizado em conexão com a rede de proteção do poder público competente; acionar o agente da autoridade policial para que, simultâneo ao atendimento da vítima, sejam adotadas as providências em relação ao agressor, entre outros.