A Justiça Militar condenou, na madrugada desta sexta-feira (21), o soldado Cléber Renato Ramos de Lima a um ano de reclusão por falsidade ideológica no caso que trata sobre o assassinato de Gabriel Marques Cavalheiro, de 18 anos, em São Gabriel, na Fronteira Oeste. Já o soldado Raul Veras Pedroso e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen, também julgados, foram absolvidos em relação à acusação de falsidade ideológica.
O trio respondia ainda, na esfera militar, por ocultação de cadáver. A Justiça Militar decidiu pela absolvição dos policiais neste caso.
A família de Gabriel deixou o Tribunal de Justiça Militar (TJMRS), em Porto Alegre, onde ocorreu o julgamento, assim que o terceiro membro do conselho deu o voto. Ao todo, cinco votaram.
Gabriel foi encontrado morto, após uma semana desaparecido, em agosto do ano passado, em São Gabriel. Antes disso, ele foi visto pela última vez sendo colocado dentro de uma viatura da Brigada Militar, durante uma abordagem.
O soldado Cleber Renato Ramos de Lima foi o responsável por redigir o boletim de atendimento logo após o jovem ser abordado. A acusação de falsidade ideológica tinha relação com o fato de que informações falsas teriam sido inseridas no boletim.
Indignação da família
À reportagem, o pai do jovem, Anderson da Silva Cavalheiro, declarou:
— A única coisa que eu tenho para falar é que é Brigada julgando Brigada. Isso vai dar sempre o mesmo resultado. É isso que tenho para dizer, a injustiça sempre vai ser feita dessa forma.
— Agora tu pode abordar um menino, bater, que com a Brigada não acontece nada. Passa uma esponja e está tudo limpo — comentou a mãe, Rosane Machado Marques.
Ela ressaltou também que, independentemente do resultado desta sexta-feira, seu filho não voltará:
— Mesmo com eles ganhando hoje, eu saio sem o Gabriel. Mesmo ele ganhando, eu perdi o Gabriel. Ganhando ou perdendo, a família já perdeu. Então não importa. No final das contas, Deus está vendo lá em cima e eles vão ser condenados.
Diante do resultado
O promotor de Justiça Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo, representante do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), se diz "um pouco surpreso" com a sentença e adianta que entrará com recurso:
— (Estou) Um pouco surpreso, mas isso faz parte do jogo, não há donos da verdade. Evidentemente que eu tenho a plena convicção, sou absolutamente convicto, da culpabilidade desses homens. Então vou entrar com recurso, que é a única coisa um operador do direito pode fazer. Vou entrar com recurso e ver o que vai acontecer.
Já o advogado Jean Severo, responsável pela defesa dos soldados Lima e Pedroso, pontua:
— Foi feita justiça. A defesa fica satisfeita com o resultado, mas, ao mesmo tempo, triste porque o real assassino desse menino Gabriel está solto. Não são esses homens que cometeram o homicídio.
Para a defesa do segundo-sargento Jacobsen, representada pelo advogado Maurício Custódio, o conselho cumpriu a expectativa que tinha de que se acolhesse a prova técnica, examinasse os elementos e isolasse suposições.
— A defesa sempre se bateu nessas provas técnicas. Sempre se bateu na inocência dos três acusados. Acreditamos que o diagnóstico fica evidente porque a prova sempre apontou a inocência — destaca.
Em outro processo
Os três policiais militares estão presos desde 19 de agosto de 2022, no Presídio Policial Militar, em Porto Alegre. A prisão ocorre em razão de outro processo que respondem, na Justiça Comum, no qual são réus por homicídio triplamente qualificado. De acordo com os representantes das defesas dos acusados, as prisões permanecem por não terem ligação com julgamento na Justiça Militar.
Nesta esfera, o caso está em fase de instrução, sem data para julgamento. Um processo separado ainda deve decidir se eles serão expulsos ou não da Brigada Militar.
Como foi o julgamento
O julgamento dos PMs começou às 13h desta quinta-feira (20), com a fase de debates entre a acusação, feita pelo MPRS e as defesas dos réus.
Primeiro a falar, o promotor Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo discorreu sobre a sequência de fatos no dia do crime e lembrou que Gabriel estava sob efeito de álcool e perdido naquela noite quando a Brigada Militar foi chamada.
Sobre a morte do jovem, o promotor ressaltou que a perícia apontou que o jovem morreu em decorrência de golpe por objeto contundente, e não de afogamento, apesar de ter sido encontrado morto em um açude na região chamada Lava Pé, que fica a cerca de três quilômetros do local onde a vítima foi abordada.
Segundo o promotor, Gabriel era um "farrapo humano" quando foi deixado pelos policiais, em razão das agressões sofridas. Ele também lembrou de mensagens trocadas pelos PMs após a abordagem, durante o período em que Gabriel estava desaparecido.
O assistente de acusação Alzemiro Wilson Peres Freitas, contratado pela família, lembrou características do jovem, que era apaixonado por cavalos, gostava do campo e costumava usar vestimentas como bombacha, chapéu e alpargatas. Morador de Guaíba, onde vivia com a família, ele estava em São Gabriel aguardando a data para se apresentar ao Exército Brasileiro, no sonho de seguir carreira militar.
Depois da acusação, foram ouvidos os advogados de defesa.
Interrogatório
O interrogatório dos policiais ocorreu no mesmo plenário, na quarta-feira (19), marcando conclusão da fase de instrução do processo.
O primeiro a depor foi o sargento Jacobsen, que admitiu excessos na abordagem, mas negou que PMs tenham agredido e matado Gabriel. Ele afirmou que tinha certeza que seria punido administrativamente pela corporação, antes de iniciado o processo, por Gabriel ter sido colocado no porta-malas da viatura e por conta do uso da algema, por exemplo, condutas que poderiam ter sido evitadas, no entendimento dele.
Em sua fala, o soldado Lima reconheceu não ter detalhado a abordagem em boletim. Já o soldado Pedroso disse que ele "estava agitado" e que, por isso, foi algemado.
Relembre alguns momentos marcantes do caso em 2022
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