O sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen, um dos três policiais que respondem na Justiça Militar por ocultação de cadáver e falsidade ideológica no caso da morte de Gabriel Marques Cavalheiro foi o primeiro a depor nesta quarta-feira (19), em Porto Alegre. Presente na abordagem, ele foi interrogado sobre os procedimentos adotados pela guarnição com a vítima, em São Gabriel, na Fronteira Oeste, na noite de 12 de agosto de 2022, uma sexta-feira.
Segundo o sargento, ele só ficou sabendo do desaparecimento de Gabriel no dia seguinte à abordagem, sábado, à noite. Ele conta que foi avisado pelo colega De Lima (um dos acusados), por meio de mensagem em rede social, com o compartilhamento de notícias que já circulavam na internet. Dois dias depois, na segunda-feira, alega que foi ao encontro de um tenente para comunicar sobre o atendimento. Até então, o sargento alega não ter tido acesso ao conteúdo do boletim registrado pelos brigadianos.
— Deve estar na casa de uma namorada por ali — afirmou Jacobsen, sobre o que pensou quando soube do desaparecimento.
De acordo com ele, é "da praxe policial" aguardar dois dias até tratar um caso como desaparecimento. O sargento disse que recebeu print de uma mensagem na qual Gabriel perguntava a alguém onde ficava a localidade de Lava Pé — onde, uma semana depois do sumiço, o corpo foi encontrado dentro de um açude — o que o teria deixado "tranquilo" sobre o paradeiro do jovem.
Sobre a abordagem policial em si, o sargento garantiu que estava "tudo certo", e disse ter ficado surpreso ao descobrir as acusações de agressão.
— Nunca compactuei com esse tipo de coisa. Nunca respondi a nenhum abuso, lesão corporal, sempre passei para o meu efetivo a questão da técnica para resolver a ocorrência da melhor forma possível — argumentou.
Jacobsen ainda relatou que Gabriel não ofereceu resistência à abordagem dos policiais e que os cassetetes nem foram retirados do banco de trás da viatura durante a ação.
Ele disse que, após a abordagem, o jovem foi colocado na viatura e levado até o Lava Pé, a pedido dele. Perguntado pela juíza Viviane de Freitas Pereira sobre por que o boletim de atendimento não menciona este deslocamento, o sargento explicou que o registro foi feito de forma digital e que ele não teve condições de revisar o conteúdo.
Ao longo do interrogatório, Jacobsen chegou a admitir que tinha certeza que seria punido administrativamente pela corporação, antes de iniciado o processo, por conta de Gabriel ter sido colocado no porta-malas da viatura e por conta do uso da algema, por exemplo, condutas que poderiam ter sido evitadas, no entendimento dele. O sargento também admitiu ter apagado mensagens, fotos e vídeos do celular, considerados por ele como particulares, após o fato.
Como funciona o julgamento
Os outros dois réus, os soldados Cleber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso, também devem prestar depoimento nesta quarta-feira (19). A previsão é que o julgamento na Justiça Militar ocorra na quinta-feira (20), a partir das 13h, no Plenário da 1ª Auditoria Militar da Justiça Militar em Porto Alegre, onde também ocorrem os interrogatórios. Os policiais estão presos desde 19 de agosto no Presídio Militar da Capital.
O interrogatório é a conclusão da fase de instrução do processo. Pelo Código de Processo Penal Militar não há previsão de questionamentos por parte dos advogados e da acusação, mas há a expectativa de que isso seja permitido. Após os interrogatórios, os advogados de defesa devem entregar os chamados memoriais, em que apresentam as teses defensivas.
O julgamento será feito pelo Conselho Permanente da Justiça Militar, responsável por atuar em casos em que agentes da Brigada Militar são réus. Advogados de defesa terão três horas e a acusação o mesmo tempo para os debates, havendo a possibilidade de ser concedida mais uma hora.
O Conselho Permanente tem cinco integrantes. A presidente é a juíza de Direito Viviane de Freitas Pereira. Ela será a primeira a manifestar o seu voto pela condenação ou absolvição. Na sequência, os demais integrantes, um oficial superior, neste caso um major, e outros três oficiais (capitães), proferem as suas decisões seguindo uma ordem do menor posto ou antiguidade até o voto do oficial mais graduado. A maioria de votos decide o resultado. A sentença é proferida logo na sequência.