O Ministério Público (MP) denunciou os três policiais militares presos por suspeita de envolvimento na morte de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, em São Gabriel, na Fronteira Oeste. O jovem, que desapareceu após uma abordagem da Brigada Militar, teve o corpo encontrado dentro de um açude em 19 de agosto.
Os três PMs foram denunciados tanto na Justiça Militar quanto na Justiça Comum, por promotorias distintas, já que foram apurados também os crimes militares que teriam sido cometidos em serviço, além do homicídio. A denúncia foi realizada com base nos indiciamentos da Polícia Civil e da Corregedoria da Brigada Militar.
O segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen e os soldados Cléber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso estão detidos preventivamente no Presídio Militar de Porto Alegre. O MP entendeu que o homicídio doloso foi cometido pelo trio com as qualificadoras de motivo fútil, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Esse processo corre na Justiça Comum.
— O MP esteve acompanhando esses fatos desde que recebeu a notícia do desaparecimento de Gabriel. Ao longo dessas investigações, já se passou à análise de um possível crime contra a vida, o que acabou se confirmando — disse a promotora Lisiane Veríssimo da Fonseca, que atua em São Gabriel.
Ocultação de cadáver
Na Justiça Militar, a Promotoria também denunciou os dois soldados e o sargento pelos crimes de ocultação de cadáver e falsidade ideológica (em razão de informações falsas que teriam sido inseridas no boletim de ocorrência).
— O corpo foi descartado num açude — afirmou o promotor de Justiça de Santa Maria, Diego Corrêa de Barros, com atribuições junto à Justiça Militar.
Um dos pontos que ainda gera dúvidas é como Gabriel teve o corpo levado até o açude, já que a viatura onde estavam os PMs que abordaram o jovem fez uma parada de cerca de um minuto e 50 segundos no local, o que não seria suficiente para que a ação fosse realizada. Sobre essa questão, o promotor afirmou que existem provas no inquérito que comprovam a participação dos denunciados nesse crime, mas não detalhou que elementos são esses, em razão do sigilo do caso. Barros recordou ainda que a perícia apontou que não houve afogamento e que o corpo de Gabriel foi inicialmente deixado numa posição e, depois, colocado numa segunda posição.
O promotor confirmou, no entanto, que a possibilidade da participação de outras pessoas no crime de ocultação de cadáver ainda é averiguada. Ele ponderou, ainda assim, que as provas colhidas até este momento apontam somente para os três.
— Não é descartada a hipótese de um futuro aditamento para a inclusão de outras pessoas. Isso que eu posso dizer. Existem algumas perícias pendentes e algumas extrações de dados (de celulares) ainda. Não se descarta essa possibilidade, mas o que é certo é que esses três participaram. Não há provas neste momento de outras participações — disse o promotor.
Sangue em viaturas
Entre as perícias que são aguardadas está, por exemplo, a análise das amostras de sangue humano encontradas em duas viaturas da BM de São Gabriel. Para isso, será preciso confrontar o DNA de familiares de Gabriel com o que foi coletado, para verificar se o sangue pertence ao jovem. Os dois veículos foram usados por equipes em serviço na madrugada em que Gabriel desapareceu. O resultado desse exame deve ser conhecido nas próximas semanas e poderá ajudar a esclarecer se há envolvimento de outras pessoas no transporte do corpo.
Outra análise que ainda deverá ser realizada pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) para entender a dinâmica do crime é a reprodução simulada dos fatos, popularmente chamada de reconstituição. Essas análises são consideradas pelo MP como complementares ao caso.
Segundo o MP, a possibilidade de incluir na denúncia mais pessoas não se estende ao crime de homicídio. Neste caso, conforme a promotora Lisiane, somente os três PMs foram identificados como autores do crime na apuração.
— Com relação ao homicídio doloso, temos a indicação dos três e não vemos a possibilidade de participação de outras pessoas, talvez nos crimes militares, possa haver a participação de outras pessoas — disse a promotora.
Embora os três PMs tenham sido indiciados pela Corregedoria da Brigada Militar também por homicídio, esse tipo de crime deverá ser julgado pela Justiça comum, por isso não foi oferecida denúncia na esfera da Justiça Militar.
Foragido preso
Sobre a prisão de um foragido neste fim de semana em Santa Maria, que supostamente teria relatado ter sido o autor da morte de Gabriel, o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP, Júlio César de Melo, rechaçou qualquer possibilidade de envolvimento dele no crime, o que chamou de “inverosímil”.
— Durante investigações policiais, por vezes surgem algumas outras possíveis versões. Mas as investigações que foram realizadas, tanto na esfera militar, quanto pela Polícia Civil, desde o princípio apontaram o envolvimento dos que agora são denunciados. Saliento que a instituição Ministério Público não permitirá, não compactuará com qualquer tentativa de encobrir a verdade dos fatos. A verdade dos fatos é essa que vem expressada pelos colegas, que estão atuando desde o início acompanhando essas investigações — disse o subprocurador, que afirmou que a situação deve ser investigada.
O desaparecimento
Gabriel desapareceu na madrugada de 13 de agosto, quando foi visto pela última vez sendo colocado dentro de uma viatura da BM. Ele havia sido abordado pouco antes no bairro Independência, em São Gabriel.
O corpo do jovem foi encontrado dias depois, dentro de um açude na localidade de Lava Pé, a cerca de dois quilômetros do local da abordagem.
O laudo de necropsia do Instituto-Geral de Perícias apontou que Gabriel morreu por hemorragia interna causada por uma agressão na coluna cervical. Ele também tinha um hematoma na cabeça.
Segundo a polícia, durante a abordagem, Gabriel teria sido agredido com um tapa, depois caiu e bateu com a cabeça num paralelepípedo. Na sequência, teria sido agredido com um cassetete e posto contra a vontade na viatura.
A investigação concluiu que o crime foi motivado porque Gabriel estaria embriagado e teria se dirigido a um policial, chamando-o de fraco.
Contrapontos
O que diz a defesa do segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen
O advogado Ivandro Bitencourt Feijó sustenta que o cliente é inocente das acusações, que considera "equivocadas e injustas". Sobre o oferecimento da denúncia, afirmou que ainda não teve acesso aos documentos do caso:
"Seguindo a lógica dos processos espetaculares, sabemos apenas pela imprensa da oferta dos termos da denúncia. Até o momento não temos acesso aos sistemas eletrônicos dos termos destas, nem ainda ao relatório e outros documentos do Inquérito, violando claramente a súmula 14 do STF e de duas decisões judiciais de São Gabriel, uma delas na data de ontem em regime de plantão. Portanto, o interesse das autoridades entre eles do MP é o interesse na divulgação dos atos e não da efetiva e célere atuação."
O que diz a defesa dos soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima
GZH entrou em contato com a advogada Vânia Barreto, que informou que a defesa não se manifestará neste momento. Em todas suas manifestações anteriores, ela reiterou a inocência dos clientes.