A titular da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, delegada Luciane Bertoletti, informou nesta quinta-feira (22) que um servidor do Judiciário confirmou, em depoimento, que repassou sua senha para dois estagiários que atuaram no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS). O funcionário disse que o objetivo era agilizar e deixar mais eficaz o serviço. A partir desse repasse, conforme a investigação, a senha foi parar na mão de vários advogados, prejudicando pelo menos cinco operações policiais desde o segundo semestre do ano passado.
A delegada relata que, antes mesmo de terem sido realizadas as operações, dados já haviam sido consultados e suspeitos que seriam presos já possuíam habeas corpus preventivos.
Luciane, que não revela o nome do servidor, diz ainda que a senha dele, na época dos fatos, era de nível mais elevado, uma espécie de senha especial que dava acesso a vários procedimentos cíveis e criminais do Foro Central de Porto Alegre. Por isso, cinco computadores do local, bem como de residências e escritórios de advocacia suspeitos, foram apreendidos no dia 7 deste mês durante operação policial.
Os equipamentos, além de celulares, foram encaminhados na quarta-feira (21) ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) para serem analisados. Segundo a delegada, a suspeita é de que tenha ocorrido um suposto esquema de vazamento de dados de processos, que envolveria o uso indevido de senhas do TJ-RS.
— Ainda sobre o servidor, que confirmou ter emprestado as senhas para os estagiários que não atuam mais no Poder Judiciário, ele relata que isso já faz um tempo, uns dois anos, mas que tudo foi para agilizar o serviço, apenas isso. Por isso, estamos checando tudo com cautela — explica Luciane.
A delegada acrescenta que uma estagiária atuou há mais de um ano no TJ-RS e, atualmente, trabalha em três escritórios de advocacia — todos na Capital, os três investigados.
Depoimentos
Além do depoimento do servidor do Judiciário, que ocorreu no início da semana, a polícia destaca que os três advogados investigados — duas mulheres e um homem — já falaram durante a investigação. Dois deles, segundo a delegada, confirmaram que as senhas eram usadas pela estagiária que já saiu do TJ-RS, mas negaram o uso por parte deles. Estava marcado para esta quinta-feira, mas foi transferido para sexta (23), o depoimento da estagiária, que é considerada peça-chave do caso.
O outro estagiário do TJ, que foi afastado pelo órgão logo depois que a operação policial foi realizada, já prestou depoimento. Segundo Luciane, ele disse desconhecer o repasse ilegal de dados da Justiça, bem como que a senha dele fosse utilizada por outras pessoas.
Luciane apura, em parceria com o Núcleo de Inteligência e da Corregedoria do TJ-RS, violação de sigilo funcional e possível comércio de senhas do Poder Judiciário. O objetivo é entender como as senhas foram usadas: se eram emprestadas ou vendidas, se os funcionários do Judiciário foram coagidos a fornecê-las ou até se as senhas foram obtidas por meio de hackeamento.
A investigação ainda detectou que advogados estariam alertando clientes sobre o risco de prisão ou de operações. Eles ainda tentariam cooptar novos clientes envolvidos em procedimentos judiciais. O inquérito deve ser concluído somente após o envio do resultado pericial nos computadores e celulares. Não foi estipulado prazo.
Operação Data Leak
A apuração começou em 2022, quando advogados fizeram solicitações de acesso a um procedimento sigiloso, no qual constavam pedidos de prisão. Há duas semanas, foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão no prédio 2 do Fórum Central de Porto Alegre e em casas e escritórios de suspeitos na Capital, em Alvorada e Viamão, além de Londrina, no Paraná. Integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acompanharam as ações relativas aos advogados.
Para proteger os dados da operação realizada, chamada Data Leak, a delegada Luciane teve de pedir sigilo máximo dentro do sistema do Poder Judiciário. Ainda assim, foram registradas no mês de maio várias tentativas de acesso para tentar saber o teor do expediente.