Uma operação da Polícia Civil deflagrada nesta quarta-feira (7) investiga um suposto esquema de vazamento de dados de processos, que envolveria o uso de senhas do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado. Dois funcionários do TJ — cujas senhas de acesso a procedimentos judiciais teriam sido usadas para acessos indevidos — são alvo da investigação, além de três advogados.
O trabalho, que apura violação de sigilo funcional e possível comércio de senhas do Poder Judiciário, é da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, com participação do Núcleo de Inteligência e da Corregedoria do TJ.
Estão sendo cumpridos 11 mandados de busca e apreensão no prédio II do Fórum Central de Porto Alegre e em casas e escritórios de suspeitos na Capital e também em Alvorada e Viamão, além de Londrina, no Paraná.
O vice-presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB, Mateus Marques, acompanhou as ações relativas aos advogados. Segundo a polícia, advogados se utilizam do esquema para alertar clientes sobre risco de prisão ou de operações e também para tentar cooptar novos clientes que estejam envolvidos em procedimentos judiciais que eles vasculham a partir destas senhas.
Habeas corpus preventivo
A investigação começou em 2022, quando advogados fizeram pedido de acesso a um procedimento sigiloso, no qual constavam pedidos de prisão de investigados. Antes mesmo de conseguirem acesso ao expediente ou de o pedido de prisão ser analisado pelo juiz, os defensores ingressaram com habeas corpus preventivo em favor dos investigados.
A situação chamou atenção e faz a polícia acreditar que eles já tinham conhecimento dos pedidos de prisão. O TJ foi alertado e o trabalhou de apuração começou internamente. Os nomes dos investigados não foram revelados pelas autoridades, que não descartam o envolvimento de mais advogados e servidores.
Para proteger os dados da operação que seria deflagrada nesta quarta-feira (7), a polícia teve de pedir sigilo máximo dentro do sistema do Poder Judiciário. Ainda assim, foram registradas várias tentativas de acesso, para tentar saber o teor do expediente.
— É uma vulnerabilidade que temos, mas está sendo monitorada e medidas já foram adotadas — diz o desembargador Antônio Vinicius Amaro da Silveira, presidente do Conselho de Comunicação e da Comissão de Segurança do Tribunal.
O foco da apuração é entender como as senhas foram usadas: se eram emprestadas ou vendidas, se os funcionários do Judiciário foram coagidos a fornecê-las ou até se as senhas foram obtidas por meio de hackeamento, depois de invasão do sistema.
Outro ponto é verificar como as senhas circulam entre advogados, o que possibilita o vazamento de informações sigilosas de operações policiais, de processos, de pedidos de prisões e de outros expedientes. Advogados das áreas cível e bancária acessaram processos criminais.
Dados de cinco operações foram vazados
Conforme a delegada Luciane Bertoletti, que conduz a investigação, pelo menos cinco operações policiais tiveram dados consultados ilegalmente. Em um dos casos, em que mandados de busca seriam cumpridos às 6h de um determinado dia, foram feitas diversas consultas à decisão judicial horas antes.
Depois de detectado o vazamento, foi feito rastreamento, com ajuda do TJ, para identificar quem havia feito consultas a documentos daquele expediente. A investigação apurou que foram usados o login e a senha de um servidor do TJ com cargo de direção, mas que o acesso ocorreu a partir de um computador privado, de fora do Poder Judiciário.
Por ocupar cargo de direção, o servidor investigado tem uma senha com nível de acesso mais elevado dentro do sistema da Justiça. A polícia pediu quebra de sigilo e verificou que o computador em que o acesso ocorreu é de propriedade de um escritório de advocacia de Porto Alegre.
O cruzamento de informações permitiu que fosse identificado o uso simultâneo do usuário e senha pelo funcionário do Poder Judiciário e por advogados ligados a este escritório. Inicialmente, não haveria consulta feita diretamente pelo servidor do TJ aos expedientes de interesse dos advogados.
Outro funcionário do TJ que teve a senha usada é um estagiário que já trabalhou como captador de clientes para escritórios de advocacia. O usuário e a senha dele foram usados por uma advogada ligada ao mesmo escritório sob investigação.
A delegada destaca que o esquema de vazamento de dados sigilosos gerou prejuízos à sociedade pela continuidade dos delitos cometidos pelos investigados e também pela desmobilização policial e desperdício de recursos empregados na tentativa de prender suspeitos.
Contraponto
O que diz o desembargador Antônio Vinicius Amaro da Silveira, presidente do Conselho de Comunicação e da Comissão de Segurança do Tribunal:
Essa investigação já dura 10 meses e começou por nós, a partir de indícios de vazamento de operações policiais. O Núcleo de Inteligência fez o trabalho técnico e repassamos à polícia. Temos essa situação de vulnerabilidade, mas estamos monitorando permanentemente.
O que disse a OAB/RS, por meio de nota:
A OAB/RS, ao tomar ciência dos fatos, designou representantes para acompanhar as ordens de busca e apreensão, bem como irá requerer acesso aos autos para analisar o caso e adotar eventuais medidas cabíveis.