Na noite de 12 de junho de 2021, Munike Fernandes Krischke, 45 anos, seguia de carro com o marido para um jantar de Dia dos Namorados, no qual iriam celebrar os nove anos de casados. Quando cruzavam sob uma das alças da ponte do Guaíba, um paralelepípedo transfixou o vidro dianteiro do veículo. A mulher foi atingida no peito, chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Dois anos depois, a Polícia Civil chegou à conclusão do caso e indiciou um homem de 31 anos pelo crime de latrocínio (roubo com morte).
A investigação da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) apontou que a intenção era parar o veículo com a pedrada, para, na sequência, cometer o assalto. O roubo não chegou a se concretizar, já que o marido de Munike não parou o carro. Segundo o delegado Eric Dutra, que assumiu como titular da delegacia em fevereiro, o caso, até então sem solução, foi elencado entre as prioridades. Em razão disso, foi destinada uma equipe para a apuração.
O homem, indiciado nesta segunda-feira (12), já estava entre os suspeitos investigados na época do crime. Morador das proximidades de onde aconteceu o caso, ele chegou a ser interrogado durante a investigação, após ter sido apontado como suspeito, mas negou que tivesse cometido o crime. Segundo o delegado, uma testemunha-chave foi ouvida recentemente e reconheceu por fotografias o suspeito como autor.
— Na época, ela ficou com medo de vir porque estava sendo ameaçada. A mãe do indivíduo que está sendo indiciado estava ameaçando a testemunha para não vir aqui. Ela foi chave para afirmar que teria sido ele que arremessou a pedra de cima da ponte, com a intenção de roubar. A intenção era matar para roubar. É um modus operandis da região, eles atirarem essa pedra de cima do viaduto para o carro lá embaixo parar e efetuarem o roubo — afirma o delegado.
O próprio marido de Munike relatou na época ter imaginado que se tratava de um roubo. Alex Von Zeidler Ramos, 42 anos, contou a GZH que os dois passavam sob uma das alças da ponte do Guaíba, quando ouviu um estrondo.
— A pedra bateu no para-brisa e foi direto no peito dela. Foi muito brutal. Na hora eu pensei: “Vão nos assaltar”. Eu disse pra ela ficar ligada, que iam vir até o carro, pegar nossos pertences, mas ela não respondeu. Ela estava de cabeça baixa. Tentei reanimar, chamar, liguei o ar condicionado para ela respirar melhor. Então eu firmei a direção, acelerei, e fui até o hospital — relatou Alex, na época.
No mesmo dia em que o veículo do casal foi atingido, outras pessoas também tiveram os carros alvejados por pedradas. A polícia ouviu pelo menos dois condutores que relataram ter sido atacados em horários aproximados ao do casal. Segundo o delegado, isso reforça a hipótese de que o objetivo era parar algum carro para cometer o assalto. A testemunha, que residia nas proximidades, contou que naquele dia o suspeito teria ido ao local para arremessar as pedras.
— Ele já era conhecido por essa prática, e tem antecedentes por um homicídio, por diversos furtos, roubos, e por tráfico de drogas. Era conhecido ali por cometer essas tentativas de roubo com arremesso de pedras para parar os carros. Morava ali, num barraco próximo. A própria vizinhança ao saber que ele teria cometido esse crime, colocou fogo no barraco dele para expulsar ele dali. Isso na época ainda — diz o delegado.
Ameaças e pedido de prisão
Com a conclusão do inquérito, a polícia também pediu a prisão preventiva do suspeito, que dependerá da análise do Judiciário. A mãe do investigado, uma mulher de 45 anos, está sendo indiciada por coação no curso do processo, por suspeita de ser a autora das ameaças. A testemunha chegou a enviar mensagens para a polícia, relatando que não poderia depor porque estava sob ameaça.
— Nosso foco agora foi ir atrás dessa testemunha. Como passou bastante tempo, ela perdeu esse medo de falar. E essa ameaça é mais um indício de que foi ele — afirma o delegado.
Ainda conforme o policial, embora somente uma pessoa esteja sendo indiciada pelo latrocínio no momento, não se descarta a possibilidade de envolvimento de outros no crime. Isso porque, nesse tipo de ação, um dos criminosos costuma arremessar a pedra, para obrigar o condutor a parar, enquanto comparsas aguardam para anunciar o assalto.
— Qualquer um de nós pode passar por isso. Pode estar saindo para jantar com a namorada, vem um indivíduo, comete uma atrocidade dessas e tira uma vida, numa data festiva. Uma data para ser comemorada, chega a ser absurdo. Nos empenhamos muito para resolver esse caso, para que outros casos como esse não ocorram mais — diz Dutra.
Em relação às demais tentativas de ataque, registradas por outros condutores, segundo a polícia, há inquéritos em andamento. O mesmo suspeito é investigado nesses outros casos.
Munike cuidava da mãe
Quando o crime aconteceu, Munike seguia com o marido do bairro Sarandi, onde residiam na zona norte de Porto Alegre, em direção à zona sul da Capital. Num restaurante na Vila Assunção os dois comemorariam o Dia dos Namorados. Antes do jantar, a dona do estabelecimento pediu que o casal mandasse fotos suas para decorar a mesa reservada. Ramos escolheu a mesma imagem que emoldura a cabeceira da cama dos dois — era a preferida de Munike.
Além do marido, de três irmãs e da mãe, a mulher deixou também um filho de oito anos, que atualmente mora com o pai, em Porto Alegre. Munike era a responsável por cuidar da mãe, de 72 anos, com quem dividia um terreno. Era ela quem levava a idosa ao médico, fazia as compras do mercado e quitava as contas do banco. A GZH, uma das irmãs dela, Sabrina Krischke, 43, contou que montou na casa que era de Munike sua sala de costura, para poder trabalhar perto da mãe.
— Eu sei que minha mãe chora quase todas as noites, mesmo dois anos depois. Principalmente nesse mês, ficamos todos mal. O tempo passa, mas não adianta, ele não apaga. O que a gente quer é a responsabilização dos que deveriam garantir a segurança naquele local. Porque pode ocorrer de novo, pode ter mais vítimas — disse Sabrina.
A família da vítima entrou com uma ação cível contra a CCR Via Sul, que administra a via, e a União, já que a rodovia onde aconteceu o fato é federal. A ação encontra-se em fase de instrução na 2ª Vara da Justiça Federal, ainda sem decisão final. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a CCR ViaSul afirmam que intensificaram o policiamento na região e que adaptações foram feitas.
Adaptações após ataque
Após a morte de Munike, o Ministério Público Federal (MPF) abriu expediente para verificar quais medidas deveriam ser adotadas. Segundo o MPF, além de reuniões e recomendações sobre mudanças, foram feitas diligências no local do fato, enviados ofícios à prefeitura de Porto Alegre (para limpeza e recolhimento de objetos que pudessem ser usados em ataques), ao Comando da Polícia Militar e à Superintendência da PRF, para que fossem tomadas ações preventivas de segurança nos locais em que ocorrem casos de arremessos de pedras.
Uma das recomendações feitas pelo MPF à CCR é que fosse agilizada a ampliação da iluminação no local — o que já estava previsto em contrato. A CCR concluiu a instalação de câmeras, que era obrigação contratual e estava em execução na época. A concessionária instalou placas informando que a rodovia é monitorada por câmeras e faz ciclos de inspeção, com circulação de viaturas de tráfego a cada 90 minutos. O MPF havia recomendado que a CCR instalasse grades ou cercas que dificultem o arremesso de objetos em veículos.
— A questão é que, dentro da engenharia de trânsito, não há previsão para se colocar gradis ou outros equipamentos de contenção em trechos de rodovias como o em que ocorreu o acidente. Expedimos recomendação para que a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o Dnit ( Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) façam estudos técnicos necessários para a implementação desses equipamentos, então, precisaremos ainda estudar se isso será ou não exigido da concessionária — disse a procuradora Claudia Paim a GZH na semana passada.
A CCR argumenta que a colocação desses equipamentos não estava prevista em contrato. Se isso for mudado, os valores previstos devem ser reajustados. Já a PRF afirma que reforçou o policiamento no local, considerado mais seguro após as adaptações.
— Hoje, esse trecho é muito mais seguro do que era na época do fato. As câmeras estão em funcionamento, há iluminação em pontos estratégicos e também fazemos, em conjunto com a prefeitura, a limpeza no local — afirma o chefe da comunicação social da PRF no Estado, Douglas Paveck Bomfim.