Era para ser um dia especial: Alex Von Zeidler Ramos, 40 anos, e Munike Fernandes Krischke, 45, comemorariam mais um Dia dos Namorados juntos. Casados há nove anos, os dois decidiram passar a data em um restaurante da zona sul de Porto Alegre, aberto por uma ex-colega de Ramos, que é vendedor em uma distribuidora de peças.
Antes do jantar, a dona do estabelecimento, localizado na Vila Assunção, pediu que o casal mandasse fotos suas para decorar a mesa reservada. Ramos escolheu a mesma imagem que emoldura a cabeceira da cama dos dois — era a preferida de Munike.
Após deixar o filho Cauã, de seis anos, com a avó, o casal conversava para decidir qual seria o melhor caminho a ser feito. Munike disse que preferia ir pela Avenida Assis Brasil, que tinha maior movimento de pessoas e não era tão monótona quanto a freeway. Já Ramos, que estava na direção, optou pela rodovia por motivos de praticidade e segurança — a ideia era evitar as sinaleiras, onde alguém poderia assaltá-los quando parassem o carro. O vendedor, que também é artista plástico, costuma se deslocar pela rodovia para entregar tonéis decorados pela Zona Sul.
Os dois passavam sob uma das alças da ponte do Guaíba quando um estrondo invadiu o veículo, um Honda WRV.
— Eu vi um vulto e ouvi um grande zumbido, um apito, e logo vi o vidro estourado. A pedra bateu no para-brisa e foi direto no peito dela. Foi muito brutal. Na hora eu pensei: “Vão nos assaltar”. Eu disse pra ela ficar ligada, que iam vir até o carro, pegar nossos pertences, mas ela não respondeu. Ela estava de cabeça baixa. Tentei reanimar, chamar, liguei o ar condicionado para ela respirar melhor. Então eu firmei a direção, acelerei, e fui até o hospital tentando acordar ela — relembra.
Ramos conta que levou poucos minutos para chegar ao Hospital de Pronto Socorro (HPS). Lá, precisou retirar a pedra que havia caído sobre os pés da esposa. O objeto pesava cerca de sete quilos. A equipe médica da instituição constatou ruptura de veias do coração e lesões no fígado de Munike, que foi submetida a várias cirurgias, mas não resistiu.
— Quando vi o tamanho da pedra, percebi que tinha sido muito pior do que imaginei. Foi como se ela batesse num muro de concreto sem nenhuma proteção, o para-choque foi o peito dela — diz Ramos, que não lembra se o fato ocorreu no trecho da antiga ou da nova ponte do Guaíba.
Desde o sábado, o vendedor tem tentado entender o que aconteceu. Na última terça-feira, participou de uma reconstituição dos fatos. A principal hipótese, segundo a Polícia Civil, é de que houve uma tentativa de assalto. O caso é tratado como homicídio qualificado.
— Agora eu não sei o que fazer. Estou sem rumo. Pretendo até me mudar com o Cauã para outro lugar, não tenho mais estrutura para ficar naquela casa. Tudo está do jeito que ela deixou, do jeito que ela gostava. Só não posso deixar a peteca cair por causa do meu filho, que é minha força. Tenho de seguir — desabafa Ramos, que vivia com Munike em uma casa no bairro Sarandi, aos fundos do terreno da mãe dela.
Segundo ele, a repercussão do caso fez com que a família recebesse solidariedade de psicólogos, que ofereceram consultas gratuitas. Serviço de funeral também foi ofertado.
O corpo de Munike foi velado na última segunda-feira, e a família aguarda liberação judicial para cremá-lo. Além do marido e do filho, ela deixa três irmãs e a mãe.
Para Ramos, a frustração é ainda maior ao saber que outros casos parecidos já haviam sido relatados naquele mesmo local, mas as autoridades não agiram a tempo de evitar a morte de sua esposa. Mesmo assim, ele pede providências:
— Quero evitar que aconteça outra devastação, como aconteceu na minha família. Se a concessionária colocar câmeras ali, gradear os acessos já é válido. Não vai fazer a minha esposa voltar, mas não deixa de ser um bem para a comunidade. Quem vai passar ali vai lembrar dela. É uma tragédia, mas ela será lembrada eternamente.
"Bem-humorada e mãe exemplar"
Familiares e amigos de Munike são unanimidade quando falam sobre sua personalidade bem-humorada e seu carinho com a família, especialmente com o filho.
Quando Cauã nasceu, Munike optou por largar o emprego de recepcionista em um hospital para se dedicar exclusivamente à criação dele. Do ano passado para cá, com a pandemia, o apego familiar se intensificou, e o casal dificilmente saía para algum passeio ou compromisso sem o filho.
— Eles não deixavam o Cauã para nada, estavam sempre grudados. Mas aquele dia ele ficou com a avó, para eles saírem comemorar Dia dos Namorados. É muito triste. Ela era uma pessoa incrível, não tinha tempo ruim, não tinha inimigos. Vai fazer muita falta — conta Paulo Dilmar Nogueira, ex-cunhado de Munike e amigo do casal.
Para Kátia Rosa, vizinha de Munike, ficarão as recordações dos bons momentos vividos nos últimos anos. Costureira, ela conta que a amiga havia marcado um horário para ir até sua casa na última segunda-feira, para conversar sobre algumas peças de roupas que gostaria de fazer.
— Ela era uma mulher vaidosa, simpática, muito bonita e faceira. Pensava em tudo, era muito detalhista. Infelizmente partiu assim, tão cedo. Tudo o que a gente espera é encontrar o responsável por isso tudo, para que a Justiça seja feita.