Dois dias antes do assassinato de Heide Juçara Priebe, 63 anos, completar um ano, o ex-namorado dela Servo Tomé da Rosa, 70, deve ir a júri em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo. O réu, que está preso pelo crime, será julgado no dia 6 de julho, na sessão com início previsto para 13h15min. Mãe de três filhos, a funcionária da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde havia deixado o trabalho e seguia em direção ao veículo estacionado na área central da cidade quando foi atacada e alvejada a tiros.
O crime aconteceu em 8 de julho do ano passado, uma sexta-feira. Depois de sair do trabalho, Heide pretendia ir buscar a neta na escola. Ela caminhava pela Travessa Tenente Barbosa, na área central, para embarcar no carro, quando passou a ser perseguida pelo ex.
O crime foi registrado por uma câmera de segurança. O homem, armado com um revólver de calibre 22, disparou contra a vítima. A mulher ainda tentou usar uma bolsa para se defender, mas foi atingida uma segunda vez. Heide chegou a ser socorrida e hospitalizada, mas um dos tiros perfurou o pulmão, e causou a morte dela.
Quando foi morta, fazia três dias que Heide tinha obtido medida protetiva contra o ex. Ela relatou aos familiares que o homem vinha lhe perseguindo. No registro policial, informou que Servo tinha uma arma. Ao longo das investigações, após o crime, a polícia descobriu um caderno considerado um indicativo de que o crime teria sido premeditado. O material foi apreendido na sala da residência dele, no mesmo condomínio onde Heide vivia, durante o cumprimento de mandado de busca.
A primeira data anotada no caderno é 29 de janeiro de 2022, quando o ex-companheiro já culpa Heide por qualquer coisa que venha a lhe acontecer. Depois, em março, ele volta a escrever e, na sequência, há diversas folhas arrancadas. Em 7 de julho, um dia antes do crime, o homem teria escrito, segundo a polícia: "hoje vai acabar tudo, infelizmente". Aquela anotação levou a polícia a crer que ele tentou colocar o crime em prática naquele dia, mas não deu certo. Heide foi morta no dia seguinte — quando não havia nenhuma anotação.
Em razão de todo esse contexto, Servo será julgado pelo homicídio qualificado, por motivo torpe, com uso de emboscada ou recurso que dificulte a defesa da vítima, e pelo feminicídio. Além do assassinato, o réu também responde por outros crimes, que envolvem a perseguição a ex. Ele é acusado de ter perseguido reiteradamente Heide. Neste caso, a pena do crime de perseguição pode ser aumentada, em caso de condenação, por ter sido cometido contra idosa e contra mulher. Ele é réu também pelo crime de violação de domicílio.
Duas testemunhas
Durante o julgamento, que será presidido pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse, serão ouvidas duas testemunhas de acusação. A defesa do réu não indicou nenhuma pessoa para ser ouvida. Franklin Fetzer, 41 anos, um dos filhos de Heide, que incentivou a mãe a buscar a ajuda da polícia, é uma das testemunhas a falarem durante o júri. Além dele, também será ouvida a delegada Raquel Schneider, que foi responsável pela investigação do caso.
Por último, Servo poderá dar sua versão dos fatos — ele pode optar por permanecer em silêncio, se assim desejar. Durante a investigação, quando foi ouvido, o homem admitiu o crime, mas não chegou a confirmar que tenha planejado o assassinato. Logo após alvejar Heide, ele atirou contra o próprio peito. Em razão do ferimento, chegou a ficar hospitalizado, antes de ser encaminhado ao Presídio Regional de Santa Cruz do Sul.
Pelo Ministério Público, atuará o promotor de Justiça Flávio Eduardo de Lima Passos — ele preferiu não se manifestar antes do júri. A defesa de Servo é realizada pela Defensoria Pública do Estado, que informou que também deve se manifestar somente nos autos processo. A sessão será realizada no salão do júri Juiz Gerson Luiz Petry, no Fórum de Santa Cruz do Sul. O acesso ao local será aberto ao público, por ordem de chegada.
O júri
Serão sorteados sete jurados para integrarem o Conselho de Sentença. Após os depoimentos das testemunhas e interrogatório do réu, serão realizados os debates. Tanto acusação quanto defesa, terão uma hora e meia cada para apresentar seus argumentos. Caso haja réplica e tréplica, cada parte terá uma hora. Depois disso, os jurados se reúnem para decidir se o réu é ou não culpado pelo crime. Por fim, a juíza lerá a sentença. A expectativa é de que o julgamento seja encerrado no mesmo dia.
Vítimas com medida protetiva
Heide é uma das 107 mulheres que foram vítimas de feminicídio no Rio Grande do Sul em 2022. Dessas, 21, assim como, ela ou seja, quase 20%, já tinham procurado ajuda e pedido medida protetiva contra o agressor. Esse número dobrou em relação ao ano anterior, quando foram 10 vítimas de feminicídio com medida protetiva. A história de Heide foi uma das contadas por GZH em reportagem exclusiva, na qual foram analisadas as falhas por trás dessas mortes.
A aplicação de medidas protetivas cresceu no Estado — foram 136,4 mil no ano passado, o que representa 33,5% a mais do que em 2021. Ou seja, uma média de 373 determinações por dia. Mas, no caso dessas vítimas de feminicídio, as ações não foram suficientes para protegê-las. Mesmo após clamarem por socorro e suplicarem providências, como chegou a verbalizar uma delas, essas mulheres tiveram as vidas encerradas do modo que mais temiam: pelas mãos de seus agressores.
Em 2023, de janeiro a maio, houve redução de 30% nos feminicídios no Estado. Foram 34 vítimas neste período de 2023, enquanto em 2022, no mesmo recorte, eram 48. Das 34 vítimas no ano, cinco contavam com a proteção da ordem judicial, enquanto no ano passado, no mesmo período, tinham sido 10.
Orientações
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)