O segundo dia de júri que trata do assassinato do médico Marco Antônio Becker, em dezembro de 2008, teve ao menos dois momentos de tensão no auditório da Justiça Federal, em Porto Alegre. Em um deles, um bate-boca acalorado entre integrantes do Ministério Público Federal (MPF) e advogados de defesa levou a suspensão da sessão por alguns minutos. Ao longo desta quarta-feira (28), foi ouvida a segunda testemunha, o delegado Gustavo Fleury, que à época atuava como inspetor da Delegacia de Homicídios. A previsão é que o júri se estenda até a sexta-feira (30), com a decisão sobre o futuro dos réus do caso.
Quatro homens respondem pelo assassinato, que, conforme a denúncia aceita pela Justiça, foi uma retaliação comandada pelo ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos, 73 anos, colega de profissão de Becker e acusado de ser o mandante da morte.
Bayard teve o diploma cassado pelo Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) por recomendação de Becker e sua suposta influência no Conselho Federal de Medicina (CFM). A cassação ocorreu porque o réu teria induzido pacientes a realizarem cirurgias desnecessárias.
Por isso, segundo a investigação, Bayard teria cobrado favores de um antigo cliente, o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, que atuaria no tráfico de drogas no Campo da Tuca. Jura teria ordenado a capangas que fizessem uma emboscada para Becker. Teria sido o ex-assistente de Bayard, Moisés Gugel, 46, quem intermediou as negociações. Já Michael Noroaldo Garcia Câmara, o Tôxa, 40, que seria cunhado de Jura na época, teria sido contratado para o homicídio. Ele foi o piloto da moto que levou o atirador ao encontro com a vítima. O verdadeiro atirador não foi pronunciado.
Conforme a acusação, o vínculo de Jura com Bayard foi confirmado através de fichas médicas apreendidas, que comprovaram que ele foi atendido pelo médico.
O trabalho é presidido pelo juiz Roberto Schaan Ferreira. Os quatro acusados negam envolvimento no caso (veja o contraponto abaixo).
Discussão acalorada
O momento de maior tensão na sessão desta quarta ocorreu quando o advogado Jean Severo, que defende o réu Jura, fazia perguntas a testemunha de acusação, o delegado Fleury. Por volta das 16h50min, Severo afirmou que a Polícia Civil teria perdido o prazo para pedir, a uma operadora de telefonia, acesso a mensagens supostamente trocadas entre os réus na época do crime. A acusação foi negada pela testemunhas. Os gritos de Severo causaram reação nos representantes do MPF e na testemunha, que pediram providências ao magistrado.
— É que dói, tocar na ferida dói — gritou Severo ao ser repreendido pelo juiz.
— Está suspensa a sessão e o doutor Jean encerrou sua inquirição. Ou o senhor vai ser retirado — respondeu o juiz.
Mesmo com a sessão suspensa, as partes seguiram trocando ofensas no auditório. Insultos como "palhaço", "babaca" e "descompensado" foram ouvidos em meio a discussão.
— Vai andar com a tua turma — gritou para Severo um dos representantes do MPF.
Depois disso, o juiz se reuniu com os advogados de defesa e depois com o MPF em uma sala ao lado do auditório. No total, ficaram ali por quase meia hora.
A sessão foi retomada às 17h48min. Ao retomar o júri, pediu colaboração das partes:
— Todos nos convencemos de que precisamos diminuir a tensão. Estamos recém na fase de inquirição de testemunhas. Para bem dos nossos trabalhos, peço mais serenidade.
Atraso na abertura
A sessão desta quarta começou por volta das 10h35min, com atraso de 1h30min, em razão de uma discussão sobre a ordem de testemunha entre o MPF e as defesas dos réus.
O depoimento do então investigador Fleury, deveria iniciar às 9h. No entanto, pela extensão prevista para esse depoimento - o primeiro, do delegado Rodrigo Bozzetto durou oito horas - os advogados pediram que as testemunhas de defesa que não seriam ouvidas no dia fossem dispensadas.
O Ministério Público se opôs a liberação do perito aposentado do IGP Joel Ribeiro Fernandes, entendendo que ele deveria ficar isolado e incomunicável durante o depoimento do perito federal Marco Antônio Zatta, indicado pela acusação.
Foi neste momento que houve o clima mais tenso, com discussão envolvendo os advogados e os promotores.
Sem ter certeza se os dois peritos seriam ouvidos nesta sessão, o juiz pediu para que as partes chegassem a um acordo.
— É quase uma crueldade manter duas pessoas sentadas das 9h até as 22h dentro de uma sala — disse o magistrado.
A decisão foi então por liberar as duas testemunhas do isolamento e só pedir para que se apresentem novamente no Fórum quando houver previsão de ouvir a primeira. Zatta, como indicado pela acusação vai falar antes, enquanto Joel fica incomunicável.
Longo depoimento
Fleury prestou um longo depoimento nesta quarta, e detalhou por mais de 10 horas como a investigação policial chegou ao indiciamento dos quatro réus.
Em sua fala, lembrou de um detalhe incomum registrado durante um mandado de busca no consultório de Bayard, na época do caso. Segundo ele, as equipes encontraram recortes de reportagens sobre o crime.
— E não era só guardar, não eram só recortes. As notícias tinham círculo com caneta em algumas reportagens específicas. Aquilo nos chamou atenção, não é uma coisa muito normal de quem não tem a ver com o caso — disse Fleury.
Na mesma ação, uma pasta com o nome "depoimento Becker" foi encontrada, com detalhes do que ele diria em um eventual depoimento à polícia sobre o que fez no dia do crime.
— Tinha até "fui cortar o cabelo" — completou.
Outro fato que chamou atenção foi que o celular de Moisés Gugel trocou 11 mensagens com outro telefone, que estava localizado em Charqueadas, no dia do crime — depois descobriu-se que seria o telefone de o Jura, preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) na época.
Defesa aponta outra autoria
No primeiro dia de júri, na terça-feira (27), foi ouvido o primeiro depoente, o delegado Rodrigo Bozzetto, da Polícia Civil, responsável pela investigação e indiciamento pela morte. Chamado pelo MPF, o policial detalhou o inquérito.
Durante o depoimento, os advogados dos réus defenderam que a investigação da polícia foi falha e focou em apenas um dos desafetos de Becker, quando o médico teria outras inimizades. Durante seis horas contínuas, os advogados de defesa questionaram Bozzetto sobre perícias que teriam sido mal interpretadas pela polícia e sobre imagens que mostrariam uma mulher como atiradora (ao contrário do que está no inquérito).
Também mencionaram uma dívida que Becker teria junto a casas de aposta, do Brasil e do Uruguai e sobre ameaças que a vítima teria recebido de policiais militares que agenciariam pessoas com as quais Becker teria relacionamento.
Como foi o crime
O oftalmologista Marco Antônio Becker saiu de um restaurante em um ponto boêmio e conhecido de Porto Alegre e embarcou em seu carro, um Gol que estava estacionado na esquina da Rua Ramiro Barcelos com a Avenida Cristóvão Colombo. Antes de arrancar, foi atingido por ao menos quatro tiros disparados contra o vidro do motorista. Morreu na calçada do movimentado ponto no bairro Floresta.
Contrapontos
O que diz a defesa de Juraci Oliveira da Silva, o Jura
A advogada Ana Maria Castaman Walter decidiu não se manifestar. Ela alega inocência do seu cliente.
O que diz a defesa de Moisés Gugel
O advogado Marcos Vinícius Barrios afirma que o cliente é "vítima de um erro judicial sem precedentes" e confia que a sociedade de Porto Alegre saberá "depurar a acusação injusta e absolvê-lo ao final".
O que diz a defesa de Michael Noroaldo Garcia Câmara
A Defensoria Pública da União (DPU), que o atende, informa que está convicta da ausência de provas contra ele no processo.
O que diz a defesa de Bayard Olle Fischer Santos
O defensor João Olímpio de Souza reafirma convicção na inocência do réu, mas prefere não falar no momento.