Mais de dois anos e meio após o desaparecimento de uma adolescente em Porto Alegre, a família da garota espera por um desfecho do caso. Em setembro de 2020, Letícia Torquato Pereira, 15 anos, saiu do apartamento dos avós no Centro Histórico para ir até a orla do Guaíba e nunca mais voltou.
A polícia concluiu que a vítima teve o corpo ocultado, após ser assassinada, e apontou uma mulher e um homem como os suspeitos do crime. Em decisões recentes, a Justiça determinou que a ré passe por perícia para avaliar sua sanidade mental e que o réu permaneça respondendo ao processo em liberdade.
Quando a adolescente desapareceu, estava morando com os avós maternos e a irmã caçula. Letícia chegou a fazer contato por telefone dias depois com a avó Dirlei Torquato, 69 anos. A garota prometeu que retornaria para casa, mas isso não aconteceu.
Os réus
A investigação levou a polícia a identificar Ana Cristina Araújo da Rosa, 56, e Jonatha Comeli Fontans, 21, como suspeitos de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. O Ministério Público denunciou os dois por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima em maio do ano passado. Os dois negam que tenham assassinado a adolescente. O corpo de Letícia nunca foi encontrado.
Há cerca de um mês, deveria ter sido realizada audiência na Justiça para ouvir as testemunhas de acusação, entra elas a avó e a mãe da adolescente - o pai de Letícia morreu vítima de latrocínio (roubo com morte) antes do nascimento dela. No entanto, a sessão foi encerrada sem que as pessoas fossem ouvidas, já que a ré não compareceu, sob a alegação de que enfrenta problemas de saúde.
A Justiça oficiou o hospital no qual ela estava internada para apresentar o prontuário médico e indicar o estado da paciente. Ainda não há nova audiência agendada para o caso.
Segundo o Judiciário, foram indicadas no total 16 testemunhas pela acusação, quatro pela defesa de Ana Cristina e cinco pela de Fontans. Ao final desses depoimentos, os réus ainda precisarão ser interrogados.
Em busca de pistas
Enquanto isso, a família de Letícia relata que aguarda por alguma pista sobre onde pode ter sido deixado o corpo da adolescente. A polícia fez diversas buscas durante a investigação, mas nenhum vestígio foi localizado. Quando sumiu, Letícia cursava o 1º ano do Ensino Médio, na Escola Técnica Estadual Parobé, mas desde o início do ano estava sem aulas presenciais por conta da pandemia.
— É muito angustiante. É uma situação que não se vê o final. Temos esperança e confiamos muito na Justiça. Não vamos descansar enquanto o corpo dela não for encontrado. A família espera que o corpo seja encontrado e que os responsáveis sejam punidos. Não esperamos nada menos do que isso — diz Direli, avó materna da adolescente.
Os réus
Ana Cristina foi presa ainda em 31 de março de 2022 de forma temporária no momento em que deixava a residência de uma testemunha, que havia prestado depoimento à polícia, e teve a prisão convertida em preventiva. Desde junho de 2022, no entanto, está em prisão domiciliar, podendo sair de casa somente para atendimento médico. A decisão foi tomada, segundo a Justiça, porque a ré permaneceu internada por mais de dois meses, "sem condições de ser reinserida na casa prisional e, segundo documentos médicos, bastante debilitada". Ana Cristina está proibida de manter contato com as testemunhas do processo.
Em razão das dúvidas sobre o estado de saúde dela, a Justiça decidiu que a ré deve passar por perícia psiquiátrica, prevista para ser realizada na quarta-feira (3). A intenção é entender se ela tinha condições de compreender os próprios atos na época do crime.
A defesa dela alega que a cliente possui problemas de saúde graves e que, em razão disso, não tem condições de comparecer às audiências. Segundo o advogado Antenor Colombo Neto, Ana Cristina atualmente está hospitalizada e tem oscilado entre internações e períodos de alta.
— Sendo inocente e sem ligação com qualquer fato que atente contra a vida da vítima, essas acusações injustas trouxeram grandes problemas de saúde (para Ana Cristina). Atualmente, ela luta contra um câncer em estágio avançado em seu aparelho digestivo, além de problemas no fígado, estando na lista de transplante, além de lutar contra uma depressão forte que impede inclusive o seu comparecimento às audiências. Essa defesa tem esperança que Ana Cristina esteja viva ao final do processo e tenha a oportunidade de comprovar a sua inocência perante a justiça e a sociedade — afirma o advogado.
Já Fontans chegou a ser detido durante a investigação, mas recebeu o direito de responder ao caso em liberdade. Na época, a Justiça considerou que não há contra o réu relatos de ameaças ou coações, e que, embora haja contradições em seus depoimentos, ele compareceu à delegacia em diversas oportunidades, sendo primário, e menor de 21 anos na época do fato. O Ministério Público recorreu da decisão, na tentativa de que Fontans fosse encaminhado à prisão. No último dia 26 de abril, houve decisão por parte da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou o pedido da acusação. Dessa forma, o réu poderá continuar respondendo ao processo em liberdade.
Fontans é representado pelo escritório de advocacia Henz Moraes, que enviou a nota abaixo por meio do criminalista Guilherme Moraes:
"Jonatha, certo da sua inocência, vem colaborando com o poder público, desde o início das investigações para a elucidação do caso. Atualmente, ele tem comparecido a todos os atos processuais, bem como cumprido à risca todas as medidas impostas pelo juízo. Sabe-se que o que aconteceu com a menina Letícia se trata de uma tragédia, motivo pelo qual, justamente ele é um dos principais interessados em resolver e, até mesmo, auxiliar o poder judiciário na resolução dos fatos".
Investigação aponta crime por ciúme
A Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) concluiu no ano passado que o crime foi motivado por ciúme. No dia em que desapareceu, Letícia estava no Centro, acompanhada de outro rapaz, quando teria sido abordada pelos réus, que passaram de carro, segundo a polícia. Nesse mesmo dia, Ana Cristina teria agredido a adolescente porque ela estaria tendo envolvimento afetivo com um ex-namorado da ré.
Segundo a investigação, Fontans já conhecia a adolescente desde criança, pois moravam próximos. Nos dias posteriores ao desaparecimento, a garota teria permanecido na companhia dele e de Ana Cristina. A investigação concluiu que a adolescente acreditava que retornaria para a casa dos avós. Na época do indiciamento, a polícia disse acreditar que ela tivesse sido morta com arma de fogo ou instrumento contundente.
— Duas vezes apreendemos com ela (Ana Cristina) tacos de beisebol envoltos de arame farpado. Um desses tacos foi submetido à perícia, diversos materiais genéticos, não sendo possível apontar de quem — disse a delegada Sabrina Dóris Teixeira, após encaminhar indiciamento dos dois.
A polícia apontou ainda que os dois investigados estariam envolvidos com atividades criminosas, vinculadas ao tráfico de drogas. Assim, há a hipótese de que, além do ciúme, a morte da adolescente tenha relação com queima de arquivo, devido ao conhecimento que a vítima tinha sobre a forma com a qual eles agiam. Sobre o momento em que Letícia foi abordado no Centro, não foram encontradas imagens, mas testemunhas relataram ter visto a adolescente entrando no carro de Ana Cristina.
Dicas de como agir em desaparecimentos
- Procure a delegacia mais próxima e registre o caso imediatamente
- Leve fotos atualizadas do desaparecido na hora de registrar a ocorrência
- Avise amigos e familiares sobre o sumiço
- Percorra locais de preferência da criança
- Saiba informar quem são os amigos dela e com quem pode estar
- Esteja atento às roupas que a criança ou o adolescente está usando e, em caso de sumiço, descreva para a polícia
- Mantenha alguém à espera no local de onde ela sumiu. É comum que ela retorne para o mesmo ponto
- Ensine as crianças, desde pequenas, a saber dizer seu nome e o nome dos pais
- Quando a criança ou adolescente for localizada, informe à polícia