Há oito anos, o Rio Grande do Sul lidera a lista de Estados que mais têm êxito na identificação de pessoas desaparecidas no país. As forças de segurança atribuem o feito a um trabalho integrado, que preza por investigações qualificadas e mantém alimentado o Banco de Perfis Genéticos do Instituto-Geral de Perícias (IGP). O relatório é divulgado anualmente pelo Ministério de Justiça e Segurança Pública.
Um dos maiores aliados nesse trabalho é o Banco de Perfis Genéticos, administrado pelo IGP, que cruza materiais genéticos de pessoas e restos mortais, na busca por respostas que expliquem desaparecimentos. As identificações se dão pelo cruzamento das amostras de vítimas sem identificação (estejam elas vivas ou não) e as de familiares delas. Os perfis genéticos são comparados pelo equipamento em busca de vínculos.
Iniciado em 2011, o banco já identificou 82 pessoas, 4 delas neste ano.
As duas últimas combinações ocorreram em março e trouxeram respostas para buscas que ocorriam há pelo menos dois anos no Estado. Um dos casos é de uma família que buscava pelo filho desde 2019, após o sumiço no Litoral Norte. Foi na mesma região que uma ossada foi encontrada no ano passado. Após o trabalho da perícia para obter material genético nos restos mortais, o equipamento obteve a combinação com um familiar que já estava cadastrado no banco genético.
Por mais que o fim da história não seja como o esperado, ele ao menos traz alguma resposta a famílias:
— Não é a notícia que a gente quer dar. "Foi encontrado, mas sem vida". É muito triste, algo que não se tem o que fazer. Todos buscamos o final feliz para esses casos. Mas após tantos anos de espera, é o mínimo que muitas famílias pedem. Elas sentem que ao menos podem se despedir, dar um fim a angústia — explica a administradora do Banco de Perfis Genéticos do RS, Cecília Matte, que também é chefe da divisão de genética forense.
Conforme o IGP, o banco possui atualmente 568 restos mortais (entre corpo e ossadas) ainda sem identificação. Por outro lado, há 607 familias com material genético cadastrado na plataforma que buscam por desaparecidos no RS. Os dados do banco também são verificados com o conteúdo cadastrado em outros Estados, podendo buscar combinações genéticas em todo o país. As buscas são automáticas, feitas uma vez por semana.
Ao todo, são cerca de 17 mil cadastros, hoje, no banco de perfis genéticos. Uma parte é de pessoas condenadas que cumprem pena e há também DNAs encontrados em vestígios de cenas de crime, já que a ferramenta serve também para encontrar a autoria de delitos cometidos no Estado.
Prioridade
Conforme Cecília, um dos motivos para o RS liderar o ranking de identificação de pessoas é a prioridade que os peritos dão, há anos, para a inserção de DNAs no banco genético, assim que restos mortais chegam ao instituto.
— Há muito tempo, nós colocamos como prioridade a obtenção do material genético e a inserção dele no banco, mesmo que não se tenha com o que comparar ainda. Então quando chega um cadaver nós já começamos os procedimentos para obter o DNA. Dessa forma, já tínhamos um número grande de perfis genéticos cadastrados quando outros Estados ainda estavam começando a fazer esse trabalho, seja por terem outras demandas ou por não terem peritos suficiente para o trabalho.
Segundo o IGP, sempre que uma pessoa desparecida é encontrada, o DNA dela e de familiares é retirado do banco, para evitar que o software fique sobrecarregado.
Uma das metas do IGP para ampliar o número de cadastros é coletar material genético de pessoas que não lembram mais seus nomes e dados, como pessoas em situação de rua ou que vivem em abrigos.
Investigação qualificada
Outro ponto importante para a liderança é a criação de delegacias especializadas em investigar desaparecimentos no Estado. Por meio de uma investigação qualificada e que segue protocolos específicos, a busca por desaparecidos se torna mais ágil, explica o responsável pela Delegacia de Polícia de Investigação de Pessoas Desaparecidas, delegado Thiago Lacerda.
Depois que o registro de desaparecimento é feito, as equipes passam a ouvir familiares e pessoas próximas do sumido para levantar informações. O objetivo principal nessa etapa é identificar motivações: se a pessoa teria alguma desavença ou dívida, se pode ter sofrido alguma violência ou abuso e se tem algum problema de saúde que poderia levar a confusão mental, por exemplo.
A equipe busca também sempre qualificar a investigação buscando complementos que podem trazer respostas, como análise de câmeras de monitoramento, de dados de celular e de possível movimentação financeira. Outra ferramenta é verificar se o nome da pessoa pode constar em hospitais ou em listas de passageiros de aeroportos ou rodoviárias. A divulgação dos casos, na mídia e em espaço públicos, também é uma aliada neste busca.
— São diversas ferramentas que nos auxiliam nesse trabalho, que é bastante qualificado. Foi assim, refazendo esse protocolo, que localizamos recentemente uma senhora que estava desaparecida desde 2004. Vinha sendo procurada por familiares há 19 anos. Outro caso agora de março é o de uma colombiana que era procurada há ao menos um ano pela família, que mora fora do país. Fomos contatados pelo consulado de São Paulo, que dizia que ela morava no RS. Localizamos um conhecido dela aqui e verificamos que ela está bem, viva, em SP.
Conforme a polícia, nos dois casos, a motivação para o desaparecimento foi pessoal, e por isso não foram divulgados detalhes sobre os episódios.
No caso da delegacia, as equipes buscam por pessoas que tenham sumido por razões alheias a crimes. No entanto, a investigação por desaparecimento pode resultar na descoberta de um homicídio. Neste caso, a investigação é passada a equipe que responde por esses casos.
O delegado ressalta ainda que, sempre que uma pessoa é localizada, é necessário comunicar a polícia, para que as equipes possam encerrar o trabalho de busca.
Mito das 24 horas não existe
Um dos empecilhos na procura por pessoas desaparecidas é o mito de que é preciso esperar para registrar a ocorrência ou ter certeza de que se trata de um caso grave.
O diretor do Departamento Estadual de Homicídios, delegado Mario Souza, esclarece que não é necessário aguardar 24 horas para fazer o boletim de ocorrência. Pelo contrário: ele deve ser feito o quanto antes.
Além disso, não há nenhum tipo de penalidade caso se descubra, depois, que não se tratava de um desaparecimento:
— As pessoas as vezes ficam receio de registrar, se questionam se o sumido pode só não estar mais se comunicando, ficam na dúvida, apreensivas. Mas podem registrar, sim, e urgentemente. Nós não temos problema algum de nos depararmos com um caso que não era tão grave, mas há um grande problema em deixar escorregar um caso sério porque fomos comunicados tardiamente.
Souza, que assumiu o departamento há poucas semanas, afirma que a procura por desaparecidos é umas das prioridades da equipe e que as investigações são feitas de forma permanente.
— A apuração nunca para. A única forma de fechar um caso é encontrando a pessoa: seja viva ou, em um cenário pior, localizando o corpo.
O diretor ressalta que pretende aumentar a capacidade operacional e o efetivo na delegacia que busca por desaparecidos.
Como buscar ajuda
Informações sobre casos de desaparecimentos podem ser repassadas à Polícia Civil por meio do telefone 0800-642-0121 ou pelo 197. A ligação é gratuita e sigiliosa.
O registro também pode ser feito pelo Delegacia Online ou em qualquer unidade da Polícia Civil.
Dicas
- Registre o desaparecimento na polícia assim que for percebido
- Leve uma fotografia atualizada para repassar aos policiais
- Outras informações relevantes no momento do registro são saber se a pessoa tem telefone celular e se foi levado junto, se possui redes sociais, os dados de conta bancária, se possui veículo e qual a placa, locais que costuma frequentar, pessoas com quem mantêm contato (amigos, familiares), se é usuária de drogas e se houve alguma desavença que pode ter motivado o sumiço
- Comunique o desaparecimento aos amigos e conhecidos, que podem auxiliar com informações. Ao divulgar o sumiço, informe os contatos de órgãos oficiais como Polícia Civil e Brigada Militar para receber informações. Isso evita que criminosos interessados em extorquir familiares de desaparecidos se aproveitem da situação
- Outra orientação importante é que as famílias comuniquem a polícia não somente o desaparecimento, mas também a localização. É muito comum os policiais depararem com casos de pessoas que não estão mais desaparecidas, mas que no sistema constam como sumidas porque o registro de localização não foi feito.