A tentativa de descobrir o que eram dois selos escondidos na capa do celular de uma jovem em Santiago, na Região Central do Estado, confirmou a presença de uma droga pela primeira vez no Rio Grande do Sul. A ALD-52, um alucinógeno muito semelhante ao LSD, faz parte da lista de substâncias proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde o ano passado. O laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP) foi emitido por meio de uma parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA).
No ano passado, o IGP recebeu um pedido de análise pericial enviado pela Polícia Civil de Santiago. O objetivo era descobrir que tipo de substância estava presente em dois selos apreendidos durante uma abordagem. As duas amostras chegaram ao Departamento de Perícias Laboratoriais (DPL) do IGP, onde são analisadas as drogas apreendidas no Estado. A pesquisa realizada no local não conseguiu identificar que tipo de droga era aquela.
— A maioria das nossas amostras (analisadas pelo DPL) é maconha, cocaína e crack. E mesmo as sintéticas a gente já sabe o que esperar, são amostras de rotina, mas apareceu essa diferente — explica a perita criminal Milena Morsoletto.
Por isso, os peritos recorreram a outro aparelho, chamado espectrômetro de massas de alta resolução, que pertence a UFSCPA. Desde o ano passado, o IGP possui convênio com a universidade que permite o uso dos equipamentos e a troca de conhecimentos. O aparelho usado neste caso foi adquirido pela instituição em 2013, e serve para identificar não somente drogas, mas também medicamentos, contaminantes ambientais, hormônios, compostos químicos e outros.
— O que ele faz é verificar qual o peso desse composto. Ele consegue ver com exatidão esse peso molecular do composto, e é isso que estamos sempre procurando. Por ter essa diferença de massa, consegue fazer a leitura, para identificar se é o composto A ou B — explica o professor Tiago Franco de Oliveira, biomédico, com doutorado em Toxicologia e Análises Toxicológicas, integrante do Grupo de Pesquisas em Espectrometria de Massas.
A análise passa por duas etapas, primeiro o preparo da mostra por um perito, com a adição de um solvente que vai extrair a substância do selo. Na sequência, o solvente é injetado no equipamento, que realiza a leitura em menos de um minuto. A equipe é que compara o resultado gerado pelo aparelho com uma biblioteca de novas drogas. Esse banco está sediado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e é compartilhado por diferentes pesquisadores, que trabalham com a análise de drogas.
— Cada pesquisador manda o que está detectando para ser incluído. Então nós temos um acesso muito rápido no que está acontecendo no mundo inteiro. Se tem uma substância que está aparecendo, por exemplo, na Inglaterra ou em qualquer outro país, o pesquisador vai lançar esse resultado. É possível ter um dinamismo muito rápido — explica o professor.
Assim, foi possível identificar a composição e descobrir que se tratava da ALD-52. A substância é chamada de pró-droga porque só se transforma em LSD depois de ser consumida e metabolizada pelo fígado. Isso faz com que esse alucinógeno demore mais a fazer efeito no organismo, o que também é considerado um risco maior.
— Depois que ingerir, até começar a fazer efeito, tem todo esse processo do corpo transformar. O que pode ser arriscado é a pessoa começar a usar mais. Ela vai ter um efeito prolongado, uma quantidade maior e quando a pessoa está sob efeito de alucinação não se sabe o que pode acontecer. Pode se colocar em risco, colocar terceiros em risco — alerta a perita Milena.
Jovem foi flagrada com droga
A amostra que resultou na descoberta chegou até a polícia após uma abordagem da Brigada Militar. Em junho do ano passado, os policias suspeitaram de um veículo, após uma manobra brusca da motorista e decidiram pará-lo. Dentro, estava uma jovem de 22 anos, acompanhada de uma adolescente. Segundo o delegado regional Guilherme Milan Antunes, titular da Delegacia da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Santiago, os policiais localizaram no calçado da mulher 17 porções de cocaína.
— Na capa do telefone celular havia dois selos que remetiam a ser uma droga sintética, LSD — recorda o delegado.
Foi esse material que acabou encaminhado para análise do IGP. No fim de janeiro, a polícia recebeu o laudo, confirmando que aqueles dois pontos se tratam de uma nova substância psicoativa. Ainda na época do flagrante, a polícia representou pela prisão preventiva da suspeita, mas ela teve concedida a liberdade provisória.
Essa apreensão ocorreu há quase nove meses, portanto, pelo menos desde então se sabe que essa droga já estava em circulação no RS. Foi também no ano passado que a ALD-52 foi detectada pela primeira vez no Brasil, em São Paulo, e acabou entrando na lista da Anvisa de substâncias proibidas.
— A pessoa muitas vezes acha que está consumindo um produto que ela tem um mínimo controle, uma mínima percepção do efeito. Quando tem uma nova substância ali, os efeitos podem ser completamente diferentes daquele que são esperados. Essas novas substâncias têm efeitos que não são descritos ainda, pode ter toxicidade de uma droga clássica. Fazer a identificação é fundamental, mas alertar as pessoas para que elas estão consumindo é também — frisa o professor da UFSCPA.
Combate aos laboratórios clandestinos
Segundo o diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), Carlos Wendt, uma das estratégias dos criminosos é justamente alterar as fórmulas das drogas ao longo do tempo para fugir da fiscalização. Por meio dessas mudanças, vão surgindo novas substâncias, com composição um pouco diferente.
— Muitas vezes, a gente pensa que trata de uma droga, mas quando envia para a perícia descobre que é uma modificação daquela droga — explica.
O delegado alerta ainda para o risco de que essas drogas costumam ser produzidas em laboratórios clandestinos, pelos chamados "químicos de internet". São pessoas que buscam aprender a produzir as drogas, sem conhecimento técnico, e que podem se equivocar na quantidade de substância adicionada.
— Isso pode, inclusive, levar à morte. Infelizmente é uma moda entre jovens. Muitas vezes os pais estão em casa, achando que eles estão só curtindo a festa, enquanto eles estão usando essas substâncias. E em alguns casos resultando na morte, não só aqui no Brasil, como no mundo. O LSD é um alucinógeno extremamente forte. Já tivemos relatos de pilotos de avião, que causaram queda de avião, por estar sob uso — afirma.
Um dos grandes fornecedores de drogas sintéticas atualmente no Brasil, segundo a polícia, é Santa Catarina. Em outubro do ano passado, o Denarc fez uma apreensão no bairro Hípica, na zona sul de Porto Alegre, onde foi descoberto um laboratório que seria operado por catarinenses, em parceria com criminosos gaúchos. Um dos motivos pelos quais a polícia troca informações constantes com o Estado vizinho.
— Geralmente, essas drogas são comercializadas por jovens de classe média alta. Até pelo acesso que têm às festas. Nós temos feitos diversas ações. Nos últimos quatro anos, tivemos apreensões recordes de drogas sintéticas. No caso do LSD temos feito bastante trabalho integrado com Correios para inibir esse tipo de comércio e entrega. Ele normalmente é remetido dessa forma — afirma Wendt.
Outra forma de atuação, segundo o delegado, é o combate às telentregas e aos laboratórios clandestinos. Na noite da última quinta-feira (2), a Polícia Civil apreendeu cerca de 20 mil comprimidos de ecstasy em um laboratório clandestino onde a droga era produzida, na zona norte de Porto Alegre, na maior apreensão da droga feita pela corporação no Rio Grande do Sul.
— Além de causar dependência, essas drogas causam ansiedade, efeitos cardíacos, na pele. Além de todos esses efeitos colaterais, o principal é a morte. Não só por uma reação que pode ter, mas daqui a pouco pela presença de alguma substância a mais, feita por pessoas que não têm o devido o conhecimento técnico para produzir a droga — alerta o delegado.