No mesmo dia em que mais uma creche de Santa Catarina foi alvo de ataque, a Justiça daquele Estado marcou data para o julgamento do homem acusado pela morte de três crianças e duas professoras em uma chacina em uma escola infantil de Saudades, no oeste catarinense, em 2021. O agressor deve sentar no banco dos réus, diante de sete jurados, em 9 de agosto. A sessão ocorrerá no Salão do Tribunal do Júri do município, a partir das 8h30min. A decisão é de quarta-feira (5), do juiz Caio Lemgruber Taborda, da comarca de Pinhalzinho. Ela foi proferida quase dois anos após o ataque, em maio de 2021.
O homem, de 19 anos, é acusado de cinco mortes e 14 tentativas de homicídio ocorridas na creche de Saudades, no oeste do Estado vizinho.
A Justiça não divulgou previsão de quantos dias o júri deve levar, mas informou que a agenda da unidade foi reservada para esse rito até o final daquela semana. O sorteio dos jurados deve ocorrer no dia 24 de julho, no fórum da comarca, de maneira presencial. Serão sorteadas 25 pessoas e outras 10 suplentes. No dia do júri, antes do início da sessão, outro sorteio acontece para, então, definir o conselho de sentença que será composto por sete jurados que atuarão no julgamento.
O ataque ocorreu na manhã do dia 4 de maio de 2021, uma terça-feira, quando o homem entrou na creche Pró-Infância Aquarela e, com uma adaga, golpeou as vítimas. Duas professoras e três bebês menores de 2 anos não resistiram aos ferimentos. Outra criança, também com menos de dois anos, foi socorrida e sobreviveu.
As vítimas são Anna Bela Fernandes de Barros, de um ano e oito meses, Murilo Massing, de um ano e nove meses, e Sarah Luiz Mahle Sehn, de um ano e sete meses, além da professora Keli Adriane Aniecevski, 30, e da agente educacional Mirla Renner, 20. Cada um recebeu pelo menos cinco golpes de facão.
Após a ação, o agressor saiu da escola e tentou cometer suicídio. Ele recebeu atendimento médico, se recuperou e está preso desde então.
A decisão que determina data para o julgamento ocorre quase dois anos após o ataque, e no mesmo dia em que outro agressor invadiu uma creche e fez vítimas, desta vez em Blumenau, em SC. Na manhã de quarta, um homem de 25 anos usou uma machadinha para atacar crianças na escola infantil Cantinho Bom Pastor, instituição de ensino particular. Quatro crianças, com idades entre quatro e sete anos, foram mortas. Elas são Bernardo Cunha Machado, cinco anos, Bernardo Pabest da Cunha, quatro, Enzo Marchesin Barbosa, quatro, e Larissa Maia Toldo, sete. Outras cinco ficaram feridas e foram encaminhadas para hospitais.
Novo ataque traz "todo o desespero de novo"
No município de Saudades, a sensação é de que uma dor conhecida voltou à tona com o ataque ocorrido em Blumenau. Junto dela, volta também a tristeza pelas perdas e a revolta com o crime. A agressão e morte de mais inocentes reabre uma ferida que sequer havia fechado.
O prefeito de Saudades, Maciel Schneider, preferiu não comentar os casos. Ele afirma que a comunidade do município está fragilizada com a nova ação e que os trabalhos estão focados em atender os moradores.
— Voltou tudo à mente das famílias, das pessoas. Estamos prestando apoio e suporte a elas, focando nisso. É muito difícil. Saudades não superou — diz o prefeito.
No site, a prefeitura de Saudades divulgou uma nota em que presta solidariedade às famílias de Blumenau. "Nossas orações estão com vocês", diz o breve texto.
O relato é semelhante ao da jovem Larissa Gabriela Menegotto, 24, que em 2021 atuava como estagiária de pedagogia na creche atacada em Saudades. No dia do crime, ela estava com quatro bebês em uma sala e se preparava para despertá-los de uma soneca, quando começou a ouvir gritos de socorro vindos do corredores da instituição.
Larissa levantou do chão onde os pequenos estavam deitados para ver o que ocorria. Pela porta, viu o agressor caminhando no corredor. Naquele momento, a estudante também foi notada pelo homem, que ia andando até a sala.
Foi Larissa que correu para pedir ajuda e conseguiu alcançar o portão de acesso da escola. O homem desistiu de perseguir a jovem quando percebeu os bebês na sala, e decidiu atacá-los. Naquele momento, o agressor já havia vitimado as duas vítimas adultas, Keli e Mirla. Dos quatro bebês, apenas um sobreviveu.
Dois anos depois, a estudante segue atuando no ramo. Após o episódio, ela afirma que se fortaleceu por meio do apoio de pessoas próximas e da fé. A jovem, que tinha 22 anos quando passou pelo episódio traumático, conta que a tristeza e a saudade "amenizam com o tempo", mas que a perda "não deixa de doer".
— A gente até consegue desviar o pensamento um pouco, mas esquecer é impossível. Eu me apeguei muito em Deus, conversei bastante com o padre da minha igreja, tive ajuda das pessoas próximas a mim. Muitas vezes bate o pensamento de "por que tudo isso aconteceu?". Com o tempo as coisas amenizam. Não deixa de doer, mas passamos a lembrar as coisas boas que vivemos, as gargalhadas e os abraços compartilhados. Mas tem dias que choro. Eu gostava de tirar muitas fotos das crianças, quando percebo estou olhando as imagens e as lágrimas vão escorrendo.
Segundo Larissa, ela ainda mantém contato com professoras que atuavam na creche na ocasião. A maioria das docentes segue na creche. O crime chocou, além da comunidade escolar e das famílias de vítimas, toda a comunidade de Saudades. Além disso, as mortes consternaram e revoltaram o país.
Na cidade, Larissa conta que os moradores se uniram em busca de forças:
— Hoje, as pessoas ainda estão meio ariscas, principalmente porque sabemos que ele (agressor) ainda não foi a julgamento. Mas vivo em um município onde todos se abraçam e se fortalecem.
Na creche atacada, as portas só foram reabertas quase um mês após o crime, com o local revitalizado. Foram mudadas as cores das paredes do local e as salas receberam nova decoração. A sala onde o crime ocorreu foi demolida e transformada em área de lazer, com grama sintética e brinquedos. A tarefa de revitalização do espaço contou com trabalho voluntário, doação de materiais e ajuda de entidades da cidade, na tentativa de criar um ambiente que não lembrasse exatamente o cenário da escola invadida. A segurança foi reforçada, com guarda, portão eletrônico e câmeras de videomonitoramento.
Larissa conta que só soube do ataque à escola de Blumenau algumas horas depois, pela televisão. A sensação, segundo ela, é de reviver todo o desespero causado pelo ataque em 2021:
— No começo fiquei sem reação. Depois bate um desespero, relembrei tudo de novo. O coração acelerou, as lágrimas vieram. É como se eu voltasse naquela manhã e sentisse todo o desespero de novo.
Apesar do episódio doloroso e traumático, Larissa segue com o curso de Pedagogia e atuando na área. A jovem pretende se formar na metade do ano que vem.