Quase dois anos após uma jovem ser encontrada morta dentro de casa, o padrasto dela é submetido a julgamento em Porto Alegre. Gabrielle França, 18 anos, foi assassinada por estrangulamento na residência onde vivia, no bairro Agronomia, na zona leste da Capital, em abril de 2021. Niel Mateus da Rosa Alves, 44, admitiu ter matado a enteada e está preso desde então.
O julgamento se iniciou às 9h30min, na 4ª Vara do Júri de Porto Alegre. A primeira etapa foi o sorteio dos nomes dos jurados, que serão responsáveis por decidir se o réu é ou não culpado pelo crime. Por fim, quatro homens e três mulheres foram escolhidos para integrar o Conselho de Sentença. Logo depois, foi dado início ao julgamento, com os depoimentos das testemunhas.
Pelo Ministério Público, o promotor Eugênio Amorim indicou cinco pessoas para falarem no plenário. A primeira a falar foi a mãe de Gabrielle, que manteve relacionamento com Alves ao longo de 16 anos. Da relação, nasceram quatro filhos. Quando o crime aconteceu, havia dois anos que eles tinham se separado. Durante esse período, a mãe da jovem chegou a fazer boletim de ocorrência afirmando que o ex tinha lhe ameaçado. Eles acabaram reatando o relacionamento algumas vezes.
Gabrielle morava com o padrasto numa casa de madeira, na Rua Beija Flor, mesmo local do crime. Os quatro irmãos dela se dividiam entre a casa do pai e da mãe. Naquela noite, Alves pediu que os dois filhos, de 16 e 10 anos, fossem dormir na casa de amigos — a filha de 15 estava com a mãe. Sozinho com Gabrielle, matou a menina, escreveu uma carta justificando que o crime foi motivado por vingança e, no começo da manhã de segunda-feira, horas após o crime, ligou para mãe pedindo que viesse ver a filha.
No depoimento, a mãe da vítima confirmou que era ameaçada pelo ex-companheiro. O promotor Amorim sustenta que Alves matou a enteada como forma de se vingar da ex, por não aceitar o término do relacionamento, e diz que o MP vai buscar a condenação por homicídio qualificado.
— Vou pedir a pena máxima, que pode chegar perto dos 30 anos. Tem até um bilhete dentro do processo, onde ele dizia "eu te avisei que ia matar para me vingar". Ele alega que ela o agrediu, mas era uma jovem, de 1m50cm, ele um cara grande, forte. Não houve agressão por parte dela — diz o promotor.
Além da mãe, também foram ouvidas durante a manhã uma policial militar, uma irmã do réu, uma vizinha e um jovem com quem Gabrielle se relacionou. Logo depois, o júri entrou em intervalo para almoço.
Na sequência, no começo da tarde, iniciarão as oitivas das testemunhas de defesa. Segundo o advogado Semarino Alves Nunes, são cinco testemunhas, entre elas uma ex-namorada de Alves, um ex-colega de trabalho e vizinhos.
A expectativa é de que ainda durante a tarde o réu possa ser interrogado. Segundo a defesa, ele deve falar aos jurados e apresentar sua versão. O advogado alega que o cliente, embora tenha cometido o crime, não tinha a intenção de matar a enteada.
— Vamos buscar a condenação dele, mas não pelo homicídio e sim com a desclassificação para a lesão corporal seguida de morte. Ele confessa que matou. Mas temos que mostrar como isso aconteceu. Ele não tinha intenção de matar — afirma o criminalista.
Os crimes
Segundo a acusação, entre 1h e 2h da madrugada de 12 de abril de 2021, Alves asfixiou a enteada. No entendimento do MP, o crime foi cometido de forma qualificada por motivo torpe, que seria em razão da busca por vingança contra a mãe da vítima; com emprego de asfixia; mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, ao se aproveitar do porte físico superior em relação à jovem, e por ter cometido dentro de casa, impedindo que ela conseguisse pedir socorro. Além disso, o crime é qualificado pelo feminicídio, por ter ocorrido num contexto de violência doméstica e familiar, já que ele era padrasto de Gabrielle.
O réu também responde por um segundo fato, que é o uso de falsa identidade para obter vantagem. Segundo a acusação, após matar a jovem, Alves se jogou nas águas do Guaíba, na ponte entre Porto Alegre e Eldorado do Sul, sendo socorrido por um policial militar.
Naquele momento, ele teria se identificado com outro nome. Após ser encaminhado para atendimento médico, para exames no Hospital de Pronto Socorro, Alves teve a identidade descoberta, por meio do contato com uma familiar dele.
A vítima
Estudante do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Agrônomo Pedro Pereira, Gabrielle era extrovertida e carinhosa com os amigos, confidenciava sobre os problemas em casa, mas não dava detalhes. Feminista, costumava fazer posts sobre o tema nas redes sociais e falava sobre a temática na escola.
Nos últimos meses antes do crime, corria atrás do sonho de encontrar um emprego para sair de casa e ser independente. Fez uma série de entrevistas, fazia bicos como babá e chegou a trabalhar por uma semana em um supermercado. Quando Alves e a mãe se separam, ela decidiu ficar em casa com o padrasto e três irmãos mais novos, para quem era uma das principais referências.
O júri
O julgamento é presidido pela juíza Cristiane Busatto Zardo, da 4 ª Vara do Júri. Devido ao número de testemunhas, a expectativa é de que a sessão se estenda até a noite. Após o interrogatório do réu, ocorrerá a fase dos debates. Inicialmente, cada parte, acusação e defesa, terá duas horas e meia para apresentar seus argumentos. Depois disso, há ainda uma hora para réplica e mais uma hora para tréplica. Na sequência, os jurados se reunirão para definir se o réu é ou não culpado. Em caso de condenação, a magistrada é responsável por determinar a aplicação da pena.