Porta trancada, toques indevidos e indiferença à dor. Esses são alguns dos aspectos relatados por uma mulher de 52 anos que se declara vítima de abuso sexual do médico preso preventivamente nesta quinta-feira (12) em Canoas. O caso, que resultou na prisão do clínico geral Valmir Venâncio da Silva, 39 anos, ocorreu em Nova Hartz, no Vale dos Sinos, em novembro de 2022, e envolveu a paciente que conversou com a reportagem de GZH.
De acordo com a vítima, ela foi ao posto de saúde do bairro onde mora para solicitar o requerimento de exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os procedimentos seriam necessários para investigar um problema no fígado. Para isso, a equipe do local agendou uma consulta com o profissional.
Depois que a paciente entrou, o médico chaveou a porta do consultório e pediu que ela deitasse na maca. Foi nesse momento que a vítima começou a suspeitar da conduta do clínico geral.
— Eu estava com uma calça comprida. Eu achei que ele iria examinar a minha barriga, aí ergui a blusa. Daí ele disse para eu tirar a perna da calça e da calcinha, do lado direito. Achei muito estranho. Ele pediu para eu colocar as pernas como se eu estivesse em uma consulta com um ginecologista — lembra.
A suspeita sobre a conduta do médico se confirmou em seguida. O médico pediu que a paciente deitasse de lado na maca e inseriu os dedos nas partes íntimas dela. O apelo de que a dor era grande não foi o bastante para fazer os movimentos cessarem.
— Ele socava o meu intestino. Eu me queixava que estava com dor e ele não estava nem aí. Ele perguntou se eu nunca tinha mexido ali. Eu disse que não. E ele me disse “sempre tem a primeira vez”. Quando eu fui colocar a roupa, eu quase não consegui de tanta dor — detalha a vítima.
O médico disse a paciente que ela estaria com infecção vaginal e no útero e pediu exames que, segundo a vítima, não confirmaram o diagnóstico. Após procurar a Polícia Civil de Sapiranga para denunciar o caso, ela fez exame de corpo de delito em São Leopoldo.
Ao saber da prisão do médico por meio do advogado que a acompanha, a vítima só espera que a “justiça seja feita”. Atualmente, ela não consegue mais ir em consultas médicas devido ao trauma do abuso e deve começar a fazer consultas com psicóloga em breve.
— Nenhuma mulher precisa passar por uma humilhação dessa. Eu preciso que a justiça seja feita e que ele não saia mais da prisão. Tem outras mulheres que já sofreram nas mãos dele. Agradeço a Deus por ter tido coragem para denunciar — desabafa.
A denúncia da moradora de Nova Hartz já tem repercussões e encoraja outras possíveis vítimas. Segundo a mulher, uma vizinha que também teria sofrido assédio do mesmo médico contou a ela que irá procurar a Polícia Civil nos próximos dias para se informar sobre como proceder.
Histórico de abusos
Valmir Venâncio da Silva já possui condenação por violação sexual mediante fraude. O caso ocorreu em 2018 e a decisão judicial veio no ano seguinte. Na ocasião, ele foi sentencionado a nove anos de prisão por ter abusado uma grávida de 15 semanas que procurou atendimento na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do bairro Scharlau, em São Leopoldo, também no Vale dos Sinos.
A mulher reclamava de dor no estômago, mas teve de se despir. Acabou tocada na genitália, conforme relatou, resultando na prisão em flagrante de Silva por parte da Brigada Militar.
Os nove anos da sentença foram inicialmente cumpridos em regime fechado. Depois, o profissional progrediu para o semiaberto e ao monitoramento por tornozeleira eletrônica. Atualmente, segundo a Polícia Civil, não usava tornozeleira. Conforme a polícia, há sete vítimas com relato idêntico no histórico do clínico geral.
Em 2019, Valmir Venâncio da Silva era réu em outro processo de crime sexual por conta de quatro pacientes de uma unidade básica de saúde de Caxias do Sul, onde era plantonista.
A reportagem de GZH aguarda o retorno do Tribunal de Justiça sobre os casos que ainda transcorrem na Poder Judiciário e, também, sobre o fato de ele ainda exercer a profissão mesmo depois de ter sido condenado.
Contrapontos
O que diz a empresa
O médico preso atuava em Nova Hartz por meio de uma empresa que fornece profissionais de saúde para a prefeitura. A empresa enviou uma nota à GZH na qual afirma que o clínico geral parou de prestar os serviços tão logo a direção soube das acusações: “O profissional trabalhou na empresa como médico autônomo. Na data em que trabalhou na cooperativa, possuía toda a documentação regular, sem qualquer impedimento os suspensão do Cremers. Além disso, desconhecíamos qualquer fato desabonatório da sua conduta profissional ou pessoal. No momento em que a empresa tomou conhecimento, o mesmo não prestou mais os serviços em função do seu regramento ético”.
Conforme a empresa, o vínculo com Valmir Venâncio da Silva durou apenas dois meses, aproximadamente.
O que diz o Cremers
Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) argumenta não ter sido notificado da decisão judicial, mesma justificativa do Conselho Federal de Medicina (CFM). Após receber a denúncia, em 21 de novembro passado, o Cremers abriu sindicância, emitindo uma "interdição cautelar total" um mês depois. O documento foi referendado pelo CFM. Uma denúncia de exercício ilegal da profissão foi enviada à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, finaliza a entidade no documento.
O que diz a defesa de Valmir Venâncio da Silva
O advogado Fernando Jochan Cardozo afirma que o médico nega os fatos e que nunca cometeu nenhum abuso em seus pacientes. Sobre a condenação de 2019, o defensor diz haver recursos, pois não há decisão transitada em julgado.