Foi concluída nesta quinta-feira (15) a investigação sobre a morte do ex-vereador de Porto Alegre e militar reformado José Wilson da Silva, 89 anos, assassinado em dezembro de 2021. Histórico militante de esquerda, ele foi morto com dois tiros por um trio que invadiu a residência dele, no bairro Partenon, zona leste da Capital. Conforme a Polícia Civil, a morte foi encomendada pela então companheira e cuidadora da vítima, que contratou uma quadrilha especializada em roubo de casas para executar Wilson. Ela e outras quatro pessoas foram indiciadas pelo homicídio e uma sexta pessoa foi indiciada por receptação, já que comprou o celular da vítima após o caso.
Cinco pessoas foram indiciadas por homicídio qualificado (por motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da vítima), roubo circunstanciado (por emprego de arma de fogo e concurso de mais de duas pessoas), além de associação criminosa. São elas: a companheira da vítima na ocasião, Iara Araujo de Moraes, 51; os três homens que teriam invadido a residência e matado a vítima — Deivid Mussoi Tubino (vulgo Caverna, preso), 30; José Paulo Garcia Pessoa (vulgo Alemão ou Careca, foragido), 33; e Rafael Goulart dos Santos (foragido), 31 —, além da mulher que teria intermediado o contato entre a cuidadora e o grupo, Raquel Krambeck de Azevedo (presa), 39, que é companheira de Goulart. GZH tenta contato com as defesas, para contraponto.
A polícia afirma que pediu à Justiça a prisão de Iara, que foi negada por ela ter mais de 50 anos e não apresentar risco de reincidir no crime. Assim, ela responde em liberdade.
Uma sexta pessoa foi indiciada por receptação, por ter comprado um celular levado da casa.
A morte, que causou comoção no meio político, em que Wilson mantinha relevância, ocorreu em 10 de dezembro de 2021, três dias antes de ele completar 90 anos. Naquela noite, segundo relato inicial da companheira, ela o teria acordado para dizer que ouviu alguém abrindo a porta da casa, com um barulho de chave. Wilson desceu ao térreo, munido de um facão, e teria questionado quem estava na casa. Dois disparos foram feitos, atingindo o abdômen e as costas da vítima. Wilson caiu próximo à escada e os criminosos fugiram. Ele não resistiu.
Cerca de um ano depois, a Polícia Civil afirma que a morte do homem foi encomendada por Iara, que era cuidadora da vítima e depois começou um relacionamento com ele.
— A companheira acreditava que a vítima receberia um dinheiro muito alto em relação à anistia e também tinha conhecimento de que ele tinha um alto valor de pensão, que era sua aposentadoria. Queria passar esses benefícios para si, após a morte. O objetivo era conseguir todo o dinheiro possível para ela — explica a delegada Isadora Galian, da 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Capital.
Assalto pagaria a execução
Já o assalto ocorreu para que a quadrilha roubasse dinheiro e objetos de valor da casa, como forma de pagamento pela execução.
Conforme a delegada, a vítima mantinha um cofre em casa, com uma quantia que poderia chegar a quase R$ 100 mil — entre dinheiro e cheques — além de uma arma. Iara dizia que metade do valor seria reservado a ela e a outra metade para os filhos do idoso, que morava na Rua Paissandu, no bairro Partenon, e tinha três filhos.
— O roubo foi feito única e exclusivamente para que os criminosos conseguissem o pagamento pela execução. Eles ganhariam o direito de roubar tudo que estava na casa e também o valor do cofre. Portanto, houve o dolo tanto de matar quanto de roubar.
De acordo com o diretor da Divisão de Homicídios da Capital, delegado Eibert Moreira, a motivação financeira para a morte ficou plenamente comprovada na investigação.
— Lá no início do trabalho, quando ocorreu a morte, se cogitava que ela teria sido motivada por razões políticas, mas isso foi descartado. Essa motivação financeira ficou muito clara ao longo da apuração — explicou Eibert.
Roubo frustado
Segundo a delegada, o plano dos criminosos era que a vítima fosse executada apenas ao final da ação. O objetivo era entrar no local, ir até o quarto onde o idoso dormia e rendê-lo, roubar a casa e depois executá-lo. O assalto acabou frustrado, segundo a polícia, porque Wilson acordou durante a ação e foi até a sala com um facão, surpreendendo os criminosos:
— A ordem da ação era muito importante para a consumação dos dois crimes, porque se matassem a vítima primeiro para roubar depois, eles não teriam tempo hábil para abrir o cofre, juntar todos os objetos de valor da casa e fugir, porque alguém iria acionar a polícia ao ouvir o barulho dos disparos. A vítima acabou sendo executada antes do roubo e eles precisaram fugir, levaram apenas dois celulares da casa.
A investigação aponta ainda que Iara descobriu o grupo em conversas com Raquel (hoje presa), que atuava como manicure e é companheira de Goulart, um dos executores que está foragido. A polícia afirma que foi Raquel que indiciou a quadrilha, especializada em roubo de casas, da qual fazia parte. Raquel teria atuado como intermediadora, levando informações privilegiadas sobre a rotina na casa aos executores do assalto:
— Ela teve papel fundamental em toda a dinâmica do crime, passando depois os detalhes aos assaltantes.
Conforme Isadora, a quadrilha cometia assalto a residências diariamente e agia de forma organizada. A polícia afirma que mensagens obtidas no celular de um integrante do grupo mostraram que, em apenas um dia, eles chegaram a roubar quatro casas. Em uma das ações, furtaram um relógio avaliado em mais de R$ 70 mil.
A diretora do Departamento de Homicídios, delegada Vanessa Pitrez, destaca que o trabalho policial foi complexo, porque precisou estabelecer e comprovar a atuação de cada um dos envolvidos.
— Foi um caso em que a coleta de provas, para fazer a ligação entre os executores e a mandante do crime, foi bastante complexa. Muitas provas foram colhidas para chegarmos a esse desfecho. A morte teve ainda uma intermediadora (Raquel), e sua atuação também foi esclarecida. Foi um trabalho bastante complexo — diz.
Frieza
Conforme a polícia, Iara apresentou diferentes versões ao ser ouvida durante a investigação. Outro ponto que chamou atenção das equipes, desde o dia da morte, é que os assaltantes entraram na casa com facilidade, utilizando a chave do local. O trio passou por três portas — duas delas de ferro, altas — para chegar até a vítima, sem deixar qualquer rastro de arrombamento. Foram cerca de quatro minutos para vencer as três portas, segundo o inquérito.
Um chaveiro — que teria trocado as chaves da residência poucas semanas antes — prestou depoimento no caso. Segundo a polícia, apenas Iara e a vítima tinham as novas chaves.
Além disso, a mulher também teria demonstrado comportamento "frio" após o homicídio.
— Ela se mostrava calma e fria, conforme as testemunhas. Também verificamos que, após a vítima ser baleada, ela demorou entre 10 e 15 minutos para ir até a guarita e pedir socorro. Durante a madrugada, não ligou para ninguém, nenhum familiar dele. No dia seguinte, de manhã, a primeira pergunta que ela fez aos filhos do idoso foi onde estaria o cheque de R$ 50 mil que ele teria deixado para ela — relata a delegada.
Após ser preso, um dos suspeitos teria confirmado à polícia que Iara foi a mandante do crime. A cuidadora também teria feito pesquisas na internet, recuperadas pela perícia, de como obter pensão após a morte do idoso e fazer reconhecimento de união estável. Segundo a delegada, no pedido de prisão de Iara feito à Justiça, foram indicados 14 pontos que a apontam como autora intelectual do crime.
Tenente Vermelho
Wilson, que era militante ativo do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) planejava uma comemoração pela chegada dos 90 anos de idade. Ele era ativo junto à Associação dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do RS.
Capitão reformado do Exército, ganhou ainda jovem o apelido de Tenente Vermelho, por suas tendências de esquerda. Era homem de confiança do ex-governador gaúcho Leonel Brizola e foi com ele para o exílio, no Uruguai. Se elegeu vereador em Porto Alegre, pelo PTB, em 1963. Em abril de 1964, após o golpe militar, teve os direitos políticos cassados. Só voltou ao Brasil com a anistia aos presos políticos, em 1979.
Presidiu mais tarde a Associação de Defesa dos Direitos e Pró-Anistia dos Atingidos por Atos Institucionais, e era liderança reconhecida nacionalmente, sempre presente nas atividades em defesa da Anistia. O PCdoB emitiu, após a morte, nota na qual lamentou a perda e afirmou que o exemplo deixado por José Wilson da Silva "frutificará nas nossas lutas e vitórias contra toda forma de opressão e exploração".
Contrapontos
Jaílson José Reinaldo, advogado de Iara Araujo de Moraes, informa que ainda não teve acesso ainda ao inquérito, que foi solicitado por ele à polícia na quarta-feira (14).
— A minha cliente nega todas as acusações que são imputadas a ela — afirma.
GZH tenta contato com a defesa de Deivid Mussoi Tubino.