Militante histórico de esquerda e ex-vereador em Porto Alegre, o militar reformado José Wilson da Silva, 89 anos, foi morto com dois tiros na noite da última sexta-feira (10), na capital gaúcha. Ele completaria 90 anos nesta segunda-feira, 13 de dezembro.
Wilson foi morto em sua residência, na Rua Paissandu, bairro Partenon, zona leste de Porto Alegre. Conforme depoimentos, a sua companheira o alertou de que alguém estava abrindo a porta da casa com uma chave. Ele desceu do andar superior ao térreo, com um facão na mão, e falou algo sobre luzes de lanterna. Aí foram ouvidos dois tiros.
Um dos disparos o atingiu no abdômen, à queima-roupa, conforme a perícia criminal. O outro, nas costas. Wilson caiu próximo à escada, quando tentava fugir dos agressores. O caso é investigado pela 1ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa, chefiada pela delegada Isadora Galian.
As equipes da Delegacia de Homicídios ouviram familiares e vizinhos. Ninguém ouviu barulho antes dos tiros. Três portões separavam a rua da sala onde Wilson foi assassinado. Eram de ferro e não foram arrombados.
— Como não houve ruído e não há arrombamento, deduzimos que os matadores tinham chaves da residência. Até por isso, o caso ainda é investigado como homicídio e não como latrocínio (matar para roubar) — relata a delegada Isadora.
Um chaveiro, em conversa com policiais, relatou ter trocado as chaves da casa há um mês. Ele vai depor na segunda-feira, junto com outras seis pessoas. Entre eles, familiares, vizinhos e um vigilante que viu dois sujeitos caminhando na rua logo após os tiros. Há suspeita que um terceiro criminoso tenha atuado no caso.
Não há registro de ameaças recebidas pelo ex-vereador, e os familiares (companheira, filha dela e duas filhas de Wilson) não relataram que ele tivesse qualquer desavença. A Polícia trabalha com a hipótese de que o crime tenha sido cometido por alguém com acesso à vítima, seja por inimizade ou por interesse em roubá-la.
O Tenente Vermelho
Wilson era militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Presidia também a Associação dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul. Era capitão reformado do Exército e, quando jovem, ganhou o apelido de Tenente Vermelho por suas tendências de esquerda. Era homem de confiança do ex-governador gaúcho Leonel Brizola e foi com ele para o exílio, no Uruguai.
Wilson se elegeu vereador em Porto Alegre, pelo PTB, em 1963. Em abril de 1964, após o golpe militar, teve seus direitos políticos cassados. Na época, ele sugeriu que seus correligionários obrigassem o então presidente João Goulart, o Jango, a resistir com armas ao movimento militar que o tirou do poder.
Num encontro no Palácio Piratini, com Jango a caminho do Uruguai, Wilson diz que ouviu do presidente deposto: “Wilson, eu não quero derramamento de sangue. Não sou revolucionário. Revolucionário é o Brizola”. Ele atrasou a ordem de reagir, relatou o ex-militar, em seu livro autobiográfico O Tenente Vermelho. A obra relata também que Cuba teria enviado dólares aos trabalhistas, para que organizassem uma revolução no Brasil.
Depois que Jango foi para Montevidéu, o ex-governador Brizola também foi e, com ele, Wilson. Só voltou ao Brasil com a anistia aos presos políticos, em 1979. De volta, o Tenente Vermelho ajudou na fundação da Associação de Defesa e Pró-Anistia dos Atingidos pelos Atos Institucionais.
De início, permaneceu fiel a Brizola e ajudou a fundar o PDT. Depois, se afastou do trabalhismo. Nos últimos anos, militava no PCdoB. Manuela D’Ávila, que nas últimas eleições foi candidata à prefeitura de Porto Alegre, lamentou a morte de Wilson.
— Grande brasileiro, militar comprometido com seu país e com biografia histórica para o Brasil e para o RS. Participou ativamente da Campanha da Legalidade, com Brizola, e da luta contra o golpe — definiu, em contato com a reportagem.
A deputada federal Maria do Rosário (PT) tuitou: “O Capitão José Wilson resistiu à ditadura, e ajudou a organizar a luta pela anistia no Brasil, luta que travou até seu último dia, como Presidente da Associação de Defesa dos Direitos dos Atingidos por Atos Institucionais”.
O vice-presidente da Associação dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul é Jair Krischke, militante histórico dos direitos humanos. Ele falava seguidamente com Wilson e se mostra intrigado com sua morte.
— Iríamos celebrar os 90 anos dele numa churrascaria (a Belo Boi, na Rua São Luiz, bairro Santana) nesta segunda-feira. Foi uma execução. Resta saber os motivos — sentencia Jair.