Uma semana após um crime despertar a atenção em Porto Alegre, quando uma cabeça foi abandonada numa calçada no bairro Santa Tereza, na Zona Sul, a polícia está convicta de que a execução tem como pano de fundo a mesma disputa entre dois grupos criminosos, que em março levou ao aumento dos homicídios. No entanto, outros fatores se somaram a esse conflito, resultando em novas mortes. Entre elas, a deste homem que teve a cabeça cortada e arremessada na rua dentro de um saco de lixo.
A disputa envolve a facção que atua na Vila Cruzeiro, mas se expandiu para áreas como a Vila Planetário e Vila dos Papeleiros, e outra que nasceu no Vale do Sinos e se espalhou pelo Estado, tornando-se a maior fornecedora de drogas no RS. Em março, uma dívida de pelo menos R$ 600 mil teria sido o fator principal para que os dois grupos começassem a se digladiar. No centro dessa disputa estava o domínio do tráfico na região próxima ao Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul.
— Na verdade, esse conflito não é recente, mas ele tomou outros contornos de maior violência, maior conflagração. E tudo vem ali de março, dessa suposta dívida entre essas facções, que começou a ser cobrada e aquela região entrou em disputa — explica o delegado Eibert Moreira Neto, titular da Divisão de Homicídios de Porto Alegre da Polícia Civil.
No início do ano, tanto o chamado Postão da Cruzeiro, como a Unidade de Saúde Moab Caldas chegaram a fechar as portas em razão de tiroteios no entorno. Em abril, como forma de tentar conter a onda de violência que tomava a Capital, 10 presos foram transferidos para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Os apenados foram removidos de três unidades prisionais: do Presídio Central, da Penitenciária Estadual de Porto Alegre e da Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas (Pmec).
— Conseguimos apontar uma lista de lideranças dentro do sistema penitenciário, que estariam causando o problema aqui fora, coordenando os homicídios. Essas lideranças foram isoladas na Pasc, por um período. Em maio, os homicídios despencaram. A partir de um momento, essas lideranças acabam voltando a ter acesso às facções e em junho recomeçaram (as mortes) — detalha o delegado.
Segundo a Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, das 10 lideranças transferidas para a Pasc em 13 de abril, oito seguem na unidade prisional, em celas individuais. Logo que foram transferidos ao local, ficaram em isolamento de 10 dias em função dos protocolos da Covid-19. Depois, foram deslocados para as galerias, nas celas individuais como é o modelo da Pasc, mas com acesso coletivo ao pátio. Um apenado do grupo foi transferido para a Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) III e outro progrediu de regime para a prisão domiciliar.
— As pessoas que estão coordenado os homicídios agora são as mesmas (dos conflitos de março) — diz o delegado.
Desde maio, é implantado na Pasc sistema para bloquear sinal de celular e para impedir o sobrevoo de drones. Há pouco mais de 10 dias, inclusive, criminosos promoveram um ataque atirando contra uma das torres instaladas com os equipamentos. A previsão é de que até novembro, 15 unidades prisionais contem com o mesmo sistema.
Nova onda
Em junho, um episódio se somou a esse conflito na Zona Sul, que foi o assassinato de uma liderança na Vila Cruzeiro. A rivalidade entre os grupos criminosos teria tomado novos contornos recentemente, segundo a polícia, com a tomada recente da região do Postão pela facção que atua na Vila Cruzeiro. Aquela seria, até então, o único ponto que era dominado pelo grupo do Vale do Sinos.
— Nos últimos dias, a facção atuante na Cruzeiro ganhou força ali — explica o delegado.
Uma das respostas do grupo rival teria levado ao crime bárbaro registrado na semana passada, quando um homem foi decapitado. A cabeça foi arremessada na calçada da Rua Cruzeiro do Sul, no bairro Santa Tereza. Aquele ponto, conforme a polícia, representa o coração da facção da Vila Cruzeiro. Seria uma espécie de afronta, portanto, por parte do outro grupo.
O carro usado pelos criminosos para ir até o local arremessar a cabeça da vítima, um HB20, foi encontrado horas depois incendiado, no bairro Belém Velho, também na Zona Sul. Dentro dele, estava o corpo de um homem decapitado. Imagens obtidas pelos investigadores apontaram que se tratava do mesmo carro.
Desaparecido
A polícia ainda aguarda a confirmação, mas tem fortes suspeitas de que o homem decapitado na semana passada seja um morador do bairro Cavalhada, que despareceu horas antes. Na madrugada da quarta-feira (24), às 2h15min ele teria sido levado da residência e por volta das 6h20min teria sido deixada a cabeça no bairro Santa Tereza. A polícia descobriu que o mesmo HB estava circulando pelas proximidades de onde o homem foi capturado em hora aproximada ao desaparecimento.
— Nossa investigação segue com fortes indícios de que seja essa mesma pessoa, mas ainda não temos a confirmação do DNA — explica Eibert.
Segundo a polícia, foi realizada pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) a coleta de material genético de familiares desse desaparecido, que será confrontado com o do homem encontrado morto. Outro exame irá apontar se a cabeça e o corpo são da mesma pessoa, embora todos indicativos colhidos até agora indiquem que se trate de uma única vítima.
— Essa vítima possui relação com a facção da Vila Cruzeiro, portanto a motivação gira no entorno das disputas entre esses grupos — afirma o delegado.
Segundo o IGP, a perícia ainda não tem prazo para ser concluída, já que o exame de DNA pode demandar repetições.
Morador de rua
Há pelo menos outros dois crimes investigados nos quais o mesmo HB20 teria sido utilizado: uma tentativa de homicídio na Cruzeiro no último dia 21, quando um homem foi alvo de disparos, e a execução de um morador de rua. Neste último caso, dois executores desembarcaram do HB20 perto de um casebre onde vivia a vítima no limite entre os bairros Menino Deus e Santa Tereza, na Rua Corrêa Lima, em 18 de agosto. O motorista ficou aguardando no automóvel. Na sequência, os dois criminosos armados ingressaram no casebre e alvejaram a vítima repetidas vezes.
Na semana passada, nova operação foi realizada pela polícia com intuito de conter os homicídios naquela região. Os agentes percorreram a Vila Cruzeiro e a Lomba do Pinheiro entre a tarde e a noite da quinta-feira (25), com intuito de obter informações, identificar testemunhas e veículos que pudessem estar envolvidos nas execuções.
— As investigações têm evoluído bem. Conseguimos recentemente identificar um veículo que foi abandonado na zona sul de Porto Alegre que também estava envolvido em quatro fato que investigamos. Esses crimes estão entrelaçados em outros — diz o delegado.
Colabore
Quem tiver informações que possa ajudar nas investigações dos crimes pode entrar em contato com a Polícia Civil pelo telefone (51) 98444-0606.