Em julho deste ano, de dentro de caixas utilizadas para despachar louças foram retirados 12 pacotes recheados de supermaconha. A droga foi encontrada pela equipe do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), após uma suspeita dos Correios. Ao longo dos últimos meses, a polícia rastreou os responsáveis pelo envio daquele carregamento interceptado. A investigação levou à descoberta de esquema partindo da região sul do RS, e que seria responsável pela remessa da droga para diferentes Estados.
Não é incomum as polícias fazerem esse tipo de apreensão, contando com a fiscalização dos Correios para identificar pacotes suspeitos. Na semana passada, por exemplo, a Polícia Civil realizou operação na Região Metropolitana para desarticular envio de maconha dessa forma e também por transportadoras para outros Estados. No mesmo dia da apreensão das drogas em julho, os agentes já haviam encontrado 800 comprimidos de ecstasy encaminhados para o RS por meio do serviço postal, em outra apreensão. Mas um dos pontos que despertou a atenção no caso da supermaconha foi a quantidade enviada.
— Sabemos que vários grupos utilizam os envios pelos Correios para traficar. Mas normalmente é uma apreensão em volume bastante menor — explica o delegado Wagner Dalcin, da 2ª Delegacia de Investigações do Narcotráfico do Denarc.
O primeiro passo da apuração foi identificar de onde havia partido o material. Os pacotes, embalados a vácuo, tinham sido remetidos de Jaguarão, município de 26 mil habitantes no extremo sul do Estado, na fronteira com o Uruguai. Metade dos cinco quilos de entorpecentes apreendidos tinha como destino Santa Catarina e a outra parte seria enviada para o Rio de Janeiro, se não tivesse sido localizada antes pelos policiais.
Pouco mais de uma semana após a apreensão das drogas nas caixas de louças, uma nova apreensão de supermaconha também indicou a cidade de Jaguarão como ponto de partida. Dessa vez, policiais do Paraná abordaram um veículo que realizava transporte por aplicativo, na BR-376 em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Dois homens e uma mulher foram presos após a polícia encontrar quase cinco quilos da mesma droga escondidos num fundo falso do carro. Os comprovantes de pedágio indicaram que o trio retornava do Rio Grande do Sul com a droga.
— Eram traficantes de lá (do Paraná), que estavam negociando com o pessoal que estávamos investigando — afirma Dalcin.
A polícia acredita que, como os dois carregamentos anteriores tinham sido descobertos, os criminosos escolheram não fazer novo envio pelos Correios. Por isso, o veículo teria viajado até Jaguarão para buscar a droga e depois retornado em direção ao Paraná, onde acabou abordado. A descoberta reforçou as suspeitas de que o esquema envolvia o envio de drogas para mais Estados.
Uruguaios presos
Agentes da 2ª DIN rumaram para Jaguarão, onde, junto da polícia local, passaram a investigar suspeitos. Uma mulher, uruguaia, e o filho dela foram identificados como parte do grupo. Teriam sido os responsáveis pelo envio da droga por meio dos Correios. Para isso, embalavam a supermaconha em sacos plásticos e depositavam dentro das caixas.
— Uma mulher, entregando no guichê várias caixas, como louças, que seriam de uma loja que vende artigos para cozinha, não levantava suspeita para o pessoal que estava recebendo as mercadorias — detalha o delegado.
No último dia 16, foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão em Jaguarão. A mulher e o filho foram presos em flagrante. Foram apreendidos rolos plásticos para embalagem a vácuo, celulares, dinheiro, dois veículos e cerca de 40 gramas da supermaconha. Também foram encontrados comprovantes de remessa postal, inclusive para a Austrália. Os dois foram encaminhados à Delegacia de Polícia, onde preferiram ficar em silêncio. Os nomes deles não foram informados pelas autoridades.
Seis meses
A polícia acredita que o grupo vinha agindo dessa forma há pelo menos seis meses. No início deste ano, outra remessa vinda de Jaguarão, de menor volume, havia sido interceptada pelo Denarc. Daquela vez, outros nomes tinham sido identificados como remetentes, mas a forma de envio era idêntica. Um dos objetivos da investigação no momento é identificar outras pessoas que estejam envolvidas no esquema.
Ainda é preciso detalhar, por exemplo, como a droga chegava até Jaguarão. Produzida no Uruguai, onde é legalizada, a supermaconha é cultivada muitas vezes em estufas. O processo controlado faz com que a droga seja comercializada a valores mais altos do que a maconha comum. O grama da supermaconha pode ser vendido a até R$ 50.
— É uma maconha produzida em laboratório, não é aquela plantada em fazendas. Ela tem aditivos especiais, para aumentar a concentração de THC (tetrahidrocanabinol) na flor. Retém grande quantidade da substância psicoativa, e isso torna a droga muito mais cara no varejo — explica Dalcin.
Somando as apreensões realizadas no RS e no Paraná, estima-se prejuízo de pelo menos R$ 500 mil ao grupo.
GZH entrou em contato com os Correios, que enviaram nota sobre o caso:
"Os Correios trabalham em parceria com os órgãos de segurança pública e fiscalização para prevenir o tráfego de itens proibidos por meio do serviço postal, como foi o caso da operação em questão, realizada pela Polícia Civil. A empresa mantém estreita parceria com os órgãos de segurança pública, a exemplo do Acordo de Cooperação Técnica firmado em 2019 entre os Correios e a Polícia Federal. A estatal tem priorizado investimentos em ações preventivas para fortalecer a integridade nos serviços postais. Os empregados dos Correios atuam de forma diligente visando identificar postagens em desacordo com a legislação. Quando constatada a presença de conteúdo suspeito em seu interior, o objeto é encaminhado à autoridade competente para avaliação especializada. Muitas das operações de repressão a ilícitos começam por meio do processo de fiscalização não-invasiva (raio-x) dos Correios."
Facções no Uruguai
O ingresso de facções brasileiras no Uruguai causa preocupação no país vizinho. No fim de agosto, a presença do crime organizado em território uruguaio foi, inclusive, tema de debate durante o encontro Binacional Uruguai e Brasil sobre Segurança Pública, em Rivera. Há alguns anos, o número de homicídios disparou no Uruguai, em razão dessa disputa pelo tráfico de drogas, além da venda ilegal de armas de fogo. Entre os grupos criminosos envolvidos nisso, está pelo menos uma facção do RS.
A reunião contou com diversos representantes da segurança do Estado, que trocaram informações com autoridades uruguaias. Diretor do Denarc, o delegado Carlos Wendt participou do encontro, com foco no debate sobre o narcotráfico.
— Eles relataram essa dificuldade que estão encontrando na migração das facções para lá. Isso gera muitos homicídios, inclusive ordenados por detentos brasileiros. Uma das questões discutidas foi justamente esse envio da maconha com maior índice de THC do Uruguai para o Brasil. Estamos fazendo um trabalho integrado para poder, enfim, com troca de informações, resultar em prisões e apreensões — afirma Wendt.