A juíza Priscila Gomes Palmeiro mandou soltar três pessoas que foram presas, no sábado (3), com 151 quilos de maconha em Campo Bom, no Vale do Sinos.
A decisão foi proferida no domingo (4) quando o trio foi apresentado para audiência de custódia no Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp), que fica em Porto Alegre.
A magistrada alegou violência policial para soltar os suspeitos de tráfico de drogas. Um dos presos teria sido apresentado com um ferimento que seria de tiro em uma das pernas e outro alegou ter sido agredido por dois dos três PMs que atenderam a ocorrência.
A magistrada, na decisão, justificou que “o excesso doloso na atuação policial, além de constituir atentado aos direitos humanos, sobretudo quando presente visível prática de violência física, descredibiliza tudo o que decorreu da violência perpetrada, gerando custo enorme para o Estado, frustrando, sobremaneira, a persecução penal e a posterior aplicação da lei penal ao caso."
A juíza ainda destacou que a situação tem impedido o estabelecimento de prisões preventivas que tomou a medida a contragosto. "Decretos claros de prisões preventivas estão sendo impedidos pela ilegalidade estatal cometida. Em várias situações, a prisão está sendo inviabilizada pela atuação da própria polícia. Quando um policial agride e tortura um preso, seja lá qual crime este tenha cometido, além de prejudicar toda atividade de persecução penal, ainda cria a necessidade de investigação por meio de procedimentos disciplinares e criminais trazendo desnecessário tumulto ao andamento processual penal. Reconhecer essas ilegalidades que decorrem da violência exercida pelo estado é uma obrigação cumprida com desgosto e tristeza”, argumentou a magistrada.
Sobre o fato em si que teria motivado a prisão, Priscila destacou: “Ora, é exatamente na audiência de custódia que o juiz/juíza avaliará eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades, provocadas pelo Estado e, havendo suspeitas de que tal violência policial fora empregada, deverá colocar em dúvida o contexto em que ocorrera a prisão”.
Conforme a juíza, não houve justificativa plausível para um disparo de arma de fogo no suspeito que estava desarmado e junto com a companheira. “Destaco que a palavra dos policiais não pode ganhar status jurídico de presunção legal relativa de veracidade, impondo à defesa o ônus da prova. O conteúdo de um relato, seja de quem for, deve estar ancorado em outros elementos mínimos de prova. Um processo penal composto apenas de palavras dos policiais nem de longe pode servir a qualquer decisão que se entenda fundamentada”, destacou a juíza.
O que diz a Brigada Militar sobre a ocorrência
Conforme a Brigada Militar, o setor de inteligência da corporação recebeu informações de um possível depósito de drogas de uma facção criminosa localizado no município de Campo Bom. Duas equipes se deslocaram até a Rua Professor Liane da Rosa, bairro Celeste, onde teriam localizado a residência alvo das denúncias.
De acordo com a BM, os policiais permaneceram por cerca de uma hora em vigilância onde flagraram movimentação característica de tráfico de drogas. E que já durante a noite presenciaram um veículo IX35 chegando na residência com duas pessoas. A dupla teria sido flagrada carregando o veículo com pacotes pretos semelhantes aos utilizados para embalar maconha e logo deixaram o local. A BM relata que nessa ocasião não foi possível a abordagem.
Mais tarde, dois homens teriam desembarcado de um Ford Fiesta prata e ingressado na residência. Passados alguns minutos, a dupla teria deixado o imóvel, sendo que um deles transportava do interior da casa outros pacotes similares aos habitualmente utilizados para embalar maconha.
Nesse momento, conforme a BM, os agentes de inteligência solicitaram apoio ostensivo, que chegou ao local prendendo a dupla na calçada em frente ao imóvel alvo das denúncias. De acordo com os PMs, na tentativa de abordagem, um dos presos tentou fugir, correndo na direção de um dos agentes de inteligência, com uma das mãos próxima à cintura. E que nesse momento, o policial temendo pela sua segurança e de terceiros, tratando-se de um local escuro e ermo, efetuou disparo com o objetivo de cessar a ação, o que acabou acontecendo.
Ainda segundo a Brigada, os presos foram conduzidos a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Novo Hamburgo, onde foram submetidos a exames de lesão. Conforme a ocorrência, o suspeito possuía duas “abrasões” na perna direita (arranhões em processo de cicatrização). O PM nega ter acertado o tiro no suspeito e acredita não ter acertado, tendo em vista a lesão inconclusiva e o laudo médico. No entanto, existe sim a possibilidade de tê-lo atingido, apesar do ferimento muito leve e não possuir perfuração.
Os policiais narram que encontraram com a dupla um saco preto contendo quatro tijolos de maconha. E que no interior da casa foi apreendido o restante da droga, totalizando 151 kg de maconha embalada e uma balança industrial.
De acordo com a ocorrência, a residência possuía sinais de abandono, com portas e janelas quebradas e os suspeitos entravam no escuro no local, com uso de lanterna. No interior da casa não havia quase móveis, apenas um colchão e uma geladeira, num indício de que não seria para moradia.
Quanto a decisão de necessidade do disparo da arma pelo policial, o caso será investigado pela Brigada Militar. De acordo com a corporação, no registro do flagrante, um dos presos confessou a responsabilidade pelas drogas.
A juíza Priscila ainda determinou que diante da informação de violência e irregularidades nos atos referentes à realização da prisão, que fossem expedidos ofícios solicitando a apuração e adoção das providências cabíveis, com posterior informação ao juízo, à Corregedoria da Brigada Militar; à Promotoria do Controle Externo da Atividade Policial de Novo Hamburgo; ao Ministério Público Militar e ao Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado.