A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu pelo desligamento do aluno Álvaro Körbes Hauschild, doutorando em Filosofia que foi indiciado pelo crime de racismo qualificado em outubro do ano passado. A decisão da instituição foi publicada nesta quinta-feira (14), em portaria assinada pelo reitor, Carlos André Bulhões (veja abaixo). O caso foi exposto no começo de outubro de 2021, há cerca de 10 meses.
Consta no documento que o estudante foi desligado por infringir o artigo 10, inciso V, do Código Disciplinar Discente (CDD). O texto estabelece infração disciplinar gravíssima para quem "praticar, induzir ou incitar, por qualquer meio, a discriminação ou preconceito de gênero, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou procedência".
Segundo a UFRGS, Hauschild tem direito a "pedido de reconsideração à autoridade julgadora" no prazo de 10 dias.
A reportagem de GZH tentou contato com o bolsista, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. Ele se posicionou sobre o caso, porém, em redes sociais (leia mais abaixo).
Procurada para comentar o caso, a UFRGS informou, por meio da assessoria de imprensa, que o rito processual foi "conduzido dentro da normalidade" e concluído com a portaria. Portanto, a universidade afirma que não tem mais declarações a fazer.
"Uma vitória para o Estado"
Coordenador do Núcleo de Pesquisa Antirracismo do Direito da UFRGS, especialista em racismo e professor de direito administrativo na universidade, Lúcio Antônio Machado Almeida foi chamado pela comissão que julgou o caso para emitir parecer sobre o comportamento de Hauschild.
Segundo Almeida, esta é a primeira vez no país que uma universidade federal decide pelo desligamento de um aluno em razão de prática racista. O professor avalia que a decisão pelo afastamento traz ganhos à sociedade, de diferentes formas:
— É uma vitória para o Estado. É um marco. Há uma repercussão pedagógica, no sentido de demonstrar que as instituições cada vez mais estão se colocando contra comportamentos racistas, e também uma questão de autoimagem dos gaúchos, de si mesmo, de combate a essa prática. E também temos a questão técnica, isso está previsto nas normativas da universidade.
Para o especialista, a decisão também fortalece outras instituições que, em algum momento, precisem analisar casos do tipo.
— Infelizmente, não é um caso isolado, episódios de racismo acontecem e vão seguir acontecendo, é um fenômeno mundial. Existem outros casos, dentro de qualquer universidade por aí. E cabe a nós propormos essa discussão, para que se conscientize. Então, que essa decisão possa encorajar outras instituições, quando for necessário. Como sempre dizemos, não basta dizer que não é racismo, é preciso ser antirraccista — diz Almeida.
Mensagens via rede social
O caso ganhou repercussão, no começo de outubro passado, depois que o estudante do curso de Políticas Públicas da UFRGS Jota Júnior, 24 anos, expôs conversas que teve com o bolsista. Hauschild fez contato, pelo Instagram, com a namorada do estudante e passou a afirmar que ela estaria "passando vergonha" e fazendo "caridade" por se relacionar com ele. Júnior relata que percebeu que as mensagens indicavam racismo e pediu para a namorada que seguisse conversando com o doutorando.
Nas mensagens entre os dois, postadas nas redes, Hauschild também teria questionado a namorada de Júnior sobre como seriam os filhos dos dois e afirmado que a jovem seria "descendente de vikings".
"Se a mistura influencia? Mas é óbvio. Isso significa que teus filhos vão perder uma enorme carga genética prussiana. Tu como médica deve saber ainda que europeus têm gens recessivos e negros gens dominantes em boa parte do código genético. Isso significa que o povo europeu é o que é porque foi guerreiro e se purificou, se defendendo contra invasores", escreveu.
Hauschild também teria dito que a pessoa negra "exala um cheiro típico, libera substâncias no ambiente e na troca com parceiros". Mas que isso poderia ser resolvido se a jovem "ficar alguns anos sem se relacionar com negros" e "então pode ter a certeza de que não haverá influência".
Investigação
O caso foi registrado na Polícia Civil e passou a ser investigado pela Delegacia de Combate à Intolerância da Capital. De acordo com a delegada que conduziu o trabalho, Andrea Mattos, as mensagens do bolsista são de cunho preconceituoso e ferem a Constituição. O crime foi entendido como qualificado em razão de o estudante ter escrito e publicado textos discriminatórios também em um blog e em redes sociais.
Segundo a delegada, além de cometer o crime de racismo, Hauschild também tenta induzir terceiros, ao compartilhar seus pensamentos, o que também está previsto no artigo 20 da lei que trata do assunto, que diz que é proibido "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
À polícia, Hauschild admitiu ser o autor das mensagens, mas negou que tenha cometido os crimes.
Pela lei, o racismo consiste em atingir uma coletividade indeterminada de pessoas, discriminando a integralidade de uma raça, cor ou etnia. É a teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças. Já a injúria racial ocorre quando se ofende a honra de um indivíduo, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia ou origem. Ambos configuram crime.
O aluno foi indiciado pelo crime de racismo qualificado, em outubro de 2021.
Procurado, o Ministério Público (MP) do Estado informou que declinou de competência e repassou o caso para a Justiça Federal. GZH entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF) para esclarecimentos e aguarda retorno.
Contraponto
A reportagem tentou contato com Hauschild nesta sexta-feira (15), mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. Ao longo de todo o processo, desde a exposição do caso, o estudante não respondeu às tentativas de contato.
No Instagram, ele divulgou notas após a repercussão do caso. Em uma delas, afirma: "Fizeram uma postagem me caluniando. Os autores inclusive me bloquearam. Tudo será resolvido de maneira limpa segundo a lei."
Em outro texto, postado em outubro, o bolsista fez um pedido de desculpas.
"Peço desculpas a todos aqueles a quem ofendi e também ao meu acusador (...) por tê-lo feito se ofender por questões raciais e palavras que lhe tenham causado mal estar. De fato, ofendi meu acusador com expressões de desprezo e gostaria de me retratar. (...) A muitos parece que a mensagem desrespeita pessoas negras e, mais uma vez, peço desculpas se assim, de fato, lhes ocorreu. Não houve esta intenção."
"Conforme informado à polícia, eu estava alcoolizado no momento da conversa. Não tenho vícios, mas tinha virado mesmo uma generosa taça de vinho", finalizou.