Foi solto nesta semana o policial militar Andersen Zanuni Moreira dos Santos, 26 anos, que estava preso pelo assassinato de quatro pessoas da mesma família no bairro Mario Quintana, na zona norte de Porto Alegre. Na mesma decisão, a Justiça determinou que ele vá a júri pelos crimes. Foram mortos a tiros dentro de uma pizzaria há pouco mais de um ano os irmão Christian, 33, e Cristiano Lucena Terra, 38, o sobrinho deles, Alexsander Terra Moraes, 26, e o primo Alisson Corrêa Silva, 28. O policial alega que agiu em legítima defesa.
A sentença de pronúncia, como é chamado o documento assinado pela juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, determina que o réu seja julgado pelos quatro homicídios qualificados, por violação de domicílio e também pela contravenção de vias de fato (por ter dado três tapas nas costas de uma mulher). Santos foi denunciado em agosto do ano passado pelo Ministério Público por estes mesmos crimes, tornou-se réu e foi determinada sua prisão.
Nesta nova decisão, a Justiça decidiu manter as qualificadoras apresentadas pela acusação, de motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima. “Andersen desferiu disparos certeiros na cabeça dos ofendidos e em nenhum momento tentou atingir órgãos não vitais, o que, talvez, tivesse sido o suficiente para deter os supostos agressores”, escreveu a magistrada.
Sobre a alegação de legítima defesa, a juíza ressaltou que diferentes versões dos fatos foram apresentadas na instrução - quando foram ouvidas testemunhas, familiares e o réu. Neste contexto, entende que somente o Conselho de Sentença pode decidir o caso.
Desde que houve determinação da prisão preventiva, o PM vinha sendo mantido detido pela Brigada Militar — como se trata de um policial ele não é colocado em prisão comum. Na decisão, a magistrada ponderou que, apesar da gravidade dos fatos, o réu já estava preso há 311 dias e é primário, sem condenação transitada em julgado, ainda que “registre uma denúncia por estupro de vulnerável”. O soldado é réu em processo no qual é suspeito de ter estuprado uma jovem de 20 anos durante uma festa — ele nega as acusações. Ainda assim, no entendimento da juíza, não há “indícios concretos que sua liberdade coloque em risco a garantia da ordem pública, inexistindo probabilidade de reiteração criminosa neste momento”.
Como medidas alternativas, a magistrada também determinou que o réu se apresente mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades, mantendo endereço atualizado, não se ausente de Porto Alegre sem autorização judicial, se mantenha recolhido em casa durante à noite, inclusive em finais de semana, feriados e dias de folga. “Na hipótese de descumprimento de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão impostas, estas poderão ser agravadas ou ser novamente decretada a prisão preventiva”, especificou a juíza na decisão. O MP informou que vai recorrer, para que o acusado volte à prisão (leia manifestação mais abaixo).
Familiares pedem que PM entregue arma e não retorne ao serviço
Após a decisão, os advogados que representam os familiares das vítimas, e atuam como assistentes de acusação no processo, manifestaram-se sobre o caso. Segundo o advogado Ismael Schmitt será encaminhado pedido à magistrada para que reconsidere as medidas cautelares e inclua, entre elas, determinação para que o soldado entregue sua arma à Justiça. Santos ingressou na corporação em 2018, e segue como policial ativo. Segundo a defesa do PM, por responder a processo, o soldado está afastado das funções, mas não há determinação sobre isso na decisão judicial. A BM informou que Andersen irá trabalhar na sessão administrativa até o encerramento do processo.
— A família recebeu a notícia da pronúncia, de levá-lo ao júri, confiante de que a justiça será feita. E, da mesma forma, a liberdade, foi recebida com cautela, tendo em vista que o policial trabalha em batalhão (20º BPM), que é na esquina da residência da família. Por isso, vamos pedir que ela altere as medidas cautelares impostas. Buscamos que a situação dele não seja uma decisão administrativa (da Brigada Militar) e sim definida por uma decisão judicial. Ele é um criminoso, que responde a dois processos por crimes violentos. Precisamos que entregue a arma e que não esteja nas ruas exercendo a função de policial — sustenta o advogado.
Sobre a alegação de legítima defesa, o advogado entende que a instrução deixou claro que não houve excludente de ilicitude. Em nota, assinada em conjunto com o advogado Daniel Zalewski Cavalcanti, a defesa dos familiares das vítimas ressaltou ainda que as quatro pessoas estavam desarmadas, sem chance de defesa, e que o caso se tratou de uma chacina.
— Temos esperança que a sociedade, representada pelas pessoas do júri, faça justiça. Afinal, foi um crime bárbaro e violento — disse Schmitt.
Soldado alega legítima defesa
Um dos responsáveis pela defesa do PM, o advogado David Leal sustenta que o cliente poderia ter sido absolvido na fase de instrução, já que em seu entendimento trata-se de um caso de legítima defesa. Quando foi ouvido, tanto na fase policial como em juízo, o soldado sustentou esta mesma versão, de que tentou se esconder no banheiro da pizzaria, mas foi perseguido e atirou para se defender. A Polícia Civil concluiu a investigação no início de julho do ano passado com esse mesmo entendimento e não indiciou o PM pelos crimes. No entanto, o Ministério Público discordou da conclusão e, pouco mais de um mês depois, denunciou o soldado pelos assassinatos.
— Se formos analisar as imagens da pizzaria, fica bem claro que o Andersen procurou fugir e evitou de todos os meios o conflito. Chegou a um nível de tensão em que inclusive um deles tentou pegar a arma dele, arrancá-lo de dentro do banheiro, e aí foi que se efetuou os disparos. Respeitamos a decisão da juíza e entendemos como acertada, no sentido de que o júri é competente para definir esses casos, e seria mais acertada ainda se já tivesse absolvido nosso cliente. Ali está bem caracterizada a legítima defesa — argumenta o advogado.
Sobre a decisão de soltura do cliente, o advogado afirma que entende que não existiam mais elementos para que fosse mantida a prisão preventiva. Além de Leal, atuam na defesa do PM, os advogados Jader dos Santos e Raíza Hoffmeister.
MP irá recorrer
O Ministério Público informou, por meio de nota que irá recorrer da decisão, para que o réu volte à prisão. Confira a íntegra da manifestação:
"Para os promotores de Justiça Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo e André Gonçalves Martinez, que atuam conjuntamente no caso, a pronúncia está muito bem fundamentada, com todos os pedidos do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) acolhidos. A única discordância é acerca da soltura do réu. Para os promotores, em razão da gravidade do crime e do agir do acusado como policial militar, ele continua representando risco à sociedade. Aliás, este foi um dos motivos que embasou a sua prisão preventiva. Portanto, o MPRS irá recorrer para que ele volte a ser recolhido."
O crime
Na madrugada de 13 de junho de 2021, o soldado retornava de uma festa em Alvorada, na Região Metropolitana, quando entrou na casa em que ocorria uma festa familiar, na zona norte de Porto Alegre, procurando uma ex-namorada. Ao entrar, ele não disse o nome da pessoa que procurava. Dentro do local, iniciou-se um desentendimento. A família alega que ele deu três tapas nas costas de uma das mulheres, o soldado nega. O PM correu e buscou abrigo em uma pizzaria delivery, na Avenida Manoel Elias. Seis pessoas da família foram atrás dele.
Dentro do estabelecimento, o PM se abrigou em um banheiro. Imagens de câmeras internas flagraram a ação e mostram o policial se escondendo do grupo e sendo seguido por quatro homens e duas mulheres. Com a porta do banheiro entreaberta, o policial visualiza o grupo chegando. Um dos homens, Christian, para no corredor em frente à porta e abre os braços para os demais familiares não passarem por ele. Alexsander, no entanto, furou esse bloqueio, foi em direção ao soldado e abriu a porta do banheiro, quando foi alvejado. Os outros três homens foram mortos em sequência.