Os chamados dossiês neonazistas são resultado de denúncias e checagem de fatos que envolvem integrantes de grupos extremistas no Rio Grande do Sul. Elaborados a cada trimestre por ativistas, desde 2021, contando já com mais de 50 pessoas identificadas, são entregues à polícia para auxiliar nas investigações.
Nesta lista, há oito suspeitos que respondem por crimes desde o fim do segundo semestre do ano passado, sendo que um dos adultos está preso e um adolescente, apreendido.
Entre os que são alvo de inquéritos, apenas um não teve participação confirmada em grupos que se reúnem na internet. Os demais adeptos fizeram ameaças a mulheres, negros, judeus, pessoas LGBT+, entre outros, ou então contra autoridades. Eles também aceitam desafios violentos transmitidos ao vivo na rede.
São 52 grupos em todo o Brasil, sendo que somente em um deles, o chamado "Elite Intelectual", tem mais de 40 gaúchos confirmados como membros. Desde 2020, já foram identificados cerca de mil neonazistas atuando em grupos no Estado.
Lindolfo Collor
No Rio Grande do Sul, o caso ocorrido em Lindolfo Collor, no Vale do Sinos, em dezembro, levou as autoridades a intensificar o monitoramento e a receber mais denúncias sobre a reunião de neonazistas em fóruns da chamada "deep web", o lado não regulamentado da internet. Um adolescente de 17 anos, segundo a polícia, aceitou desafio que teria sido feito por outros membros do grupo.
Na véspera do último Natal, em transmissão ao vivo para os demais integrantes do fórum, ele estrangulou, bateu com martelo e esquartejou o cachorro de vizinhos. Essa execução foi alvo de inquérito policial e o adolescente, que teve contra ele mandado de busca e apreensão, foi internado na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) após conclusão de que houve atos infracionais por furto, já que ele pegou o cão de vizinhos, e maus-tratos qualificado, mediante morte.
A investigação foi conduzida pela delegada Raquel Peixoto, de Novo Hamburgo. Sobre a execução, a Justiça condenou o adolescente no dia 7 deste mês a cumprir medida socioeducativa por três anos, com avaliação semestral, tratamento psicológico e sem atividades externas.
A delegada ainda relata que houve desmembramentos do inquérito para outra DP da Polícia Civil e também à Polícia Federal (PF). Os agentes de Novo Hamburgo descobriram que este mesmo adolescente teria feito ameaças a diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o inquérito, ele teria CPF e e-mail vinculados ao crime praticado pela internet.
O adolescente não concordaria com recomendação da Anvisa sobre aplicação de vacinas contra a covid-19 para crianças.
Contraponto
Após a decisão judicial, GZH entrou em contato com a defesa do adolescente. O advogado Vilson Corino enviou nota:
"Houve a sentença de 1º Grau, na qual fixou o tempo de 3 (três) anos de internação, com possibilidade de revisão do tempo, diante de avaliação psicológica. Entretanto, a defesa entende que o tempo de internação fixado é demasiado, vez que há julgamentos pelo Tribunal de Justiça, que entendem pela metade desse tempo. Quanto às condutas do adolescente, o juiz prolator da sentença, que não instruiu o processo - já que, quem conduziu todo o processo fora juíza Larissa - não levou em consideração a confissão quanto à morte do animal, e nem as provas levianas, quanto ao eventual furto do animal, que deverá ser revisto junto ao Tribunal de Justiça, vez que a proprietária do animal confessou em audiência que o animal fugiu, o que descaracteriza furto, comprovando que o animal foi encontrado na rua.
A defesa, certamente, irá interpor recurso cabível, no sentido de reformar o tempo de internação, no sentido de reduzir do tempo, e/ou aplicação de medidas diversas da internação (At. 101 e 112, III e IV do ECA - Estatuto da Criança e Adolescente), tais como liberdade assistida e prestação de serviço comunitário, conforme outros julgados pertinentes ao caso.
Quanto à notícia sobre a investigação referente à Anvisa, a defesa esclarece que em depoimento à Polícia Federal, o adolescente não sabe quem é Alexandre de Moraes, não sabe o que é STF - Supremo Tribunal Federal - e nem sabe quem é "Xandão", conforme foi veiculado na imprensa. Fatos que comprovam que foram feitos por outra pessoa usando os dados pessoais dele, já que desde o fato, os dados pessoais foram vazados na rede mundial de computadores - usando o adolescente como bode expiatório".
Em Tramandaí, homem foi preso
Israel Soares, 21 anos, seria participante de um grupo virtual que faz apologia ao nazismo, segundo a polícia, e, por esse fato — e por ter feito ameaças apuradas pela investigação —, foi alvo de cumprimento de prisão preventiva no dia 30 de janeiro em Tramandaí. Conhecido como "machista opressor", inclusive com perfis nas redes sociais, ele já era investigado pelos agentes.
Em setembro do ano passado, Soares teve materiais apreendidos em casa, entre eles, um capacete da Legião Hitlerista usado na 2ª Guerra Mundial. Ele gravou vídeos em um canal do YouTube usando o equipamento e mencionando saudações nazistas.
Em outro vídeo, aparece com bandeira ao fundo contendo a suástica e queima a foto de George Floyd, negro norte-americano morto por policiais em 2020. O responsável pela apuração na época, delegado Alexandre Souza, de Tramandaí, disse que o homem não mostrou arrependimento pelas imagens, alegando que tudo não passava de "zoeira". Soares negou ser nazista.
A titular da Delegacia de Combate à Intolerância de Porto Alegre, delegada Andrea Mattos, diz que o nome dele veio à tona novamente após denúncias feitas por ativistas antinazismo e pelo vereador da Capital Leonel Radde (PT). O suspeito teria usado a deep web, segundo Andrea, para fazer ameaças ao parlamentar, a uma vereadora transexual de Niterói (RJ), Benny Briolly (PSOL), e ao influencer digital brasileiro que reside nos EUA Antônio Isupério. Soares segue detido, respondendo a dois inquéritos aqui no Estado.
— Em breve ele deve ser indiciado no inquérito sobre as ameaças ao vereador Radde, além de ter investigação no Rio — diz Andrea.
Contraponto
O advogado Daian Callai, que defende Soares, encaminhou nota a GZH:
"A defesa de Israel Fraga Soares informa que está colaborando com as autoridades com todos os esclarecimentos pertinentes e que permanece à disposição para responder aos atos pertinentes. No entanto, desde já, manifesta inconformismo com a decisão que pugnou por sua prisão preventiva, por considerá-la não preenchida de acordo com a legislação processual penal, destacando que fará valer o seu direito aos recursos judiciais e remédios constitucionais cabíveis para restabelecer sua liberdade o mais breve possível".
Investigação em Novo Hamburgo
Outro suspeito de integrar grupo na deep web teve mandado de busca e apreensão cumprido em casa, em Novo Hamburgo, no dia 28 de janeiro. Em depoimento no dia 1º deste mês, o homem de 22 anos negou a autoria dos crimes.
Ele foi monitorado e teve postagens anexadas a um inquérito sobre ameaças ao ator da Globo Douglas Silva, integrante do BBB 22, e a sua família. Por este fato, há uma investigação compartilhada entre Porto Alegre e Rio de Janeiro. Além disso, o suspeito teria feito intimidações ao influencer digital Isupério.
A delegada Andrea afirma que o investigado disse ter sido vítima de um ataque hacker. Conforme depoimento, ele alega que antes disso já havia sido atacado e que hackers fizeram postagens preconceituosas. Até mesmo uma foto dele, feita para usar em documento, foi usada para fazer apologia nazista.
A policial diz que o suspeito também alegou não entender muito de computadores e que apenas gosta de jogos online. A polícia aguarda por resultado pericial no computador e no celular do jovem para confirmar se ele foi o autor das publicações apuradas.
Na mira dos EUA
No ano passado, o governo norte-americano entrou em contato com o governo brasileiro para informar que apurou informações sobre internautas que estavam planejando ataques a escolas fluminenses. Eles também fazem parte do Elite Intelectual e de outros grupos. Dois dos identificados são de Porto Alegre.
Na ocasião, a polícia foi acionada e realizou grande operação, no mês de dezembro, em sete Estados para cumprir quatro mandados de prisão e 31 de busca, envolvendo mais de 20 pessoas. No Rio Grande do Sul, os alvos foram um adolescente de 14 anos e um adulto de 21 anos, moradores dos bairros Tristeza, na Zona Sul, e Rubem Berta, na Zona Norte.
Não houve flagrante, porque não foram encontrados materiais suspeitos, mas os dois tiveram os celulares apreendidos. O nome do adulto não foi divulgado.
Apuração federal
Procurada, a Polícia Federal informa que tem dois inquéritos em andamento sobre neonazismo no Estado e que, nos próximos dias, deve ter novidades sobre os casos. Um deles não teria, até o momento, ligação com os grupos virtuais, mas o outro sim. Ao todo, são cinco inquéritos na Polícia Civil gaúcha e dois na PF, com oito suspeitos, sendo um preso.
Como denunciar
Radde, que é policial civil licenciado e atua desde 2015 contra estes grupos neonazistas, recebe denúncias e faz monitoramento nas redes sociais, assim como na deep web. No gabinete dele, na Câmara de Porto Alegre, há dois assessores que atuam no combate ao extremismo. Ocorrem até infiltrações nestes fóruns virtuais, bem como abordagens em locais onde há suspeitos confirmados.
Todo o material coletado ou recebido é checado, tendo provas anexadas. Depois disso, são elaborados os dossiês, que são entregues à polícia. Também são registrados boletins de ocorrência.
Com apoio da pesquisadora da Universidade de Campinas (Unicamp) Adriana Dias e de Isupério, o vereador e sua equipe finalizam um documento a cada trimestre desde o ano passado.
— Realizamos mapeamento, fizemos dossiês e registramos boletim de ocorrência na polícia. Tem surtido efeito relevante — comenta o vereador.
DENUNCIE
Denúncias podem ser feitas nos perfis no Twitter e no Instagram de Leonel Radde, assim como pelo WhatsApp (51) 99676-0718. Para a Delegacia de Combate à Intolerância da Capital, denúncias podem ser feitas pelo telefone (51) 98444-0606 ou para o 181. Há também o site da instituição.
Denúncias também podem ser feitas no portal da Ong Safernet, que tem relatado vários crimes neonazistas na internet.
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