No entorno da casa onde morava até o mês passado o adolescente de 17 anos investigado por torturar e matar um cão e por ameaçar por e-mail funcionários da Anvisa, o sentimento dos moradores é um misto de surpresa e indignação. Em Lindolfo Collor, município de 5,7 mil habitantes no Vale do Sinos, vizinhos do garoto, que foi apreendido, conversaram com a reportagem sem se identificar. Quase que em coro, tristeza pelo animal morto e se espantam com a crueldade.
— A gente não entende o que passa na cabeça de um adolescente, nessa idade, fazer isso. É difícil acreditar — afirma uma moradora.
No bairro em que o adolescente morava com familiares, vizinhos e comerciantes relatam que tiveram contato com o adolescente.
— Depois dessa história do cachorro, a gente ficou apavorado. A gente nunca iria imaginar algo assim. É horrível — afirma uma comerciante.
Moradores relatam ainda o receio de que o caso manche a imagem do município:
— Essas atitudes não refletem os nossos valores, não traduzem a nossa realidade. É uma cidade que vem crescendo, segura, boa de se viver.
O adolescente está internado desde o último dia 28, no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), no Vale do Sinos. O caso começou a ser investigado depois que o garoto transmitiu uma live na internet torturando até a morte um cachorro. O cão, descrito como dócil e de idade avançada, era de um casal vizinho do adolescente. O animal teria saído pelo portão da casa e foi pego na rua. O cadáver do cachorro, segundo o adolescente, foi jogado em um rio.
O caso ocorreu no dia 24 de dezembro. Durante a transmissão, um grupo de cerca de 30 pessoas acompanhava a tortura e incentivava o adolescente a continuar as agressões. A maior parte dessas pessoas, algumas de fora do Estado, já foi identificada. Os que residem no RS foram chamados pela polícia para esclarecimentos, mas permaneceram em silêncio. O inquérito do caso, sob responsabilidade da delegacia de Novo Hamburgo, foi remetido à Justiça, mas algumas diligências ainda seguem em andamento.
Ao longo da investigação, a Polícia Civil descobriu que o adolescente seria integrante de um grupo que defende ideias extremistas e se intitula "elite intelectual" na internet. Seriam cerca de 300 participantes, espalhados pelo país, com um líder em Goiânia, segundo a apuração. Há investigações a esse grupo em pelo menos quatro municípios gaúchos — Lindolfo Collor, Tramandaí, Alvorada e Porto Alegre — e no Mato Grosso do Sul, na cidade de Águas Claras. Além de adolescentes, há adultos entre os investigados. Em Tramandaí, outro adolescente teve equipamentos eletrônicos apreendidos durante buscas em sua residência, que devem passar por perícia.
Ameaças à Anvisa
O adolescente gaúcho teria também feito ameaças a funcionários da Anvisa. Num e-mail assinado por ele — que contém o avatar dele na internet e também o seu CPF — são feitas declarações agressivas direcionadas ao comando da agência, com a promessa de que os diretores do órgão "pagarão caro" por aprovarem a vacinação contra a covid-19 para crianças no Brasil. O texto diz ainda que iria "purificar a terra onde a Anvisa está instalada usando combustível abençoado". Ele manda seus dados pessoais, diz que mora no Rio Grande do Sul e desafia "os parasitas da PF" a encontrá-lo. Por fim, se despede com uma saudação nazista. O caso é investigado pela Polícia Federal. GZH tentou contato com a PF para saber o andamento da apuração, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Na troca de mensagens desse grupo, obtidas pela polícia gaúcha, o próximo passo seria atacar escolas e creches em Lindolfo Collor. A ação não se concretizou, mas a possibilidade também assustou moradores:
— Agora ele foi apreendido, mas a gente não sabe se daqui a pouco não aparece de novo. Eu tenho criança pequena, que vai a creche. Temos cachorros também. A gente fica com medo, além de muito surpreso de ver isso por aqui.
A reportagem esteve em uma escola onde o adolescente estudou. Ele foi aluno no local em 2019. Em 2020, durante o período remoto, evadiu. Duas integrantes da direção, que estavam na instituição na manhã de sexta-feira, preferiram não se manifestar. Uma delas ressaltou apenas que famílias devem ficar atentas sobre com o que crianças e adolescentes estão tendo contato:
— Que esse episódio fique como um alerta geral. Há crianças e adolescentes que precisam de atendimento, que deve ser levado a sério. É preciso que pais e responsáveis fiquem atentos aos seus filhos, com quem conversam, o que acessam na internet, onde frequentam. Com esse diálogo maior, muita coisa poderia ser evitada.
Prefeito de Lindolfo Collor, Gaspar Behne afirma que está à disposição para colaborar no que for necessário. O gestor destaca que a atitude não reflete o pensamento da comunidade do município.
— A prefeitura e a comunidade não concordam com essas ações. Nos repudiamos a violência contra animais e esses ideais. Nós aguardamos o esclarecimento dos fatos — resume o prefeito.
De acordo com a prefeitura, o adolescente é atendido, há alguns anos, pela rede de apoio do município, formada por integrantes da Secretaria Municipal de Saúde e Conselho Tutelar. O adolescente teria problemas psiquiátricos, como depressão, e faz uso de medicamentos. A reportagem conversou com o Conselho Tutelar do município, que afirmou que atendeu o adolescente apenas em ocasiões anteriores, como durante o período de aulas no sistema remoto, mas não acompanhou os últimos acontecimentos.
No final de dezembro, o caso de uma professora morta no município levantou dúvidas se teria ligação com a ação do grupo que se diz extremista. Na última sexta-feira, a Polícia Civil informou que essa possibilidade está descartada.
O nome do garoto investigado não é divulgado pela reportagem em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Contraponto
O que diz a defesa do adolescente
Vilson Carbonel Corino, que representa o adolescente, diz que a família está perplexa com os fatos e admite que ele confessou os atos de crueldade contra o animal. Conforme o advogado, o rapaz ingressou num grupo de jogos virtuais e foi "aliciado" pelos líderes. Eles teriam mandado ao adolescente fotos do pai, mãe e irmão, que seriam agredidos caso ele não aceitasse desafios. Entre eles, o de sacrificar diante das câmeras um animal de estimação. A família possui três cães e, para não sacrificar algum deles, o rapaz teria pego um cachorro que passava perto de sua casa. Por ter relutado em sacrificar animais, o adolescente ainda teria se automutilado, em punição por não cumprir o desafio.
A defesa do adolescente também considera "improvável" que ele tenha ameaçado colocar fogo na sede da Anvisa, porque a ameaça teria ocorrido quando ele já prestava depoimento à Polícia Civil. Corino acredita que o seu cliente é "bode expiatório" para outros casos de crueldade com animais, ainda não investigados, no Vale do Sinos.