Uma ferramenta que pode ser decisiva para chegar ao desfecho de crimes ganhou novo fôlego ao longo deste ano no Rio Grande do Sul. Desde abril, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) vem realizando série de mutirões nas casas prisionais do Estado, o que permitiu alcançar a marca de 10.888 coletas de material genético em apenados. Somente nos últimos seis meses, foram 4.853 amostras recolhidas, que serão inseridas no Banco de Perfis Genéticos.
Por lei, a identificação pelo perfil genético de condenados por crimes graves, como homicídios dolosos (quando há intenção de matar), violência grave contra a pessoa e crimes sexuais é obrigatória desde 2012 no Brasil. No Estado, as coletas se iniciaram num projeto piloto em 2014, no presídio de Arroio dos Ratos. Em 2018, começaram a ser realizadas em outras casas prisionais. Neste ano, após acordo de cooperação envolvendo governo do Estado, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Administração Penitenciária, Secretaria de Segurança Pública (SSP), IGP e Polícia Civil, a iniciativa ganhou celeridade.
Nos últimos seis meses, as peritas criminais Cecília Matte e Aline Spindler percorreram mais de 60 municípios, visitando casas prisionais, onde realizavam a coleta dos materiais genéticos. Foram mais de 10 mil quilômetros de estrada, em viagens que duravam cerca de uma semana. Ao chegaram às unidades, explicavam aos presos a legislação — inclusive a previsão de falta grave para aqueles que se recusarem fornecer o material — e, em seguida, faziam a coleta.
Para surpresa das peritas, alguns apenados demonstraram interesse em fornecer o material, já que o perfil pode tanto comprovar um crime, quanto auxiliar a descartar a participação do suspeito. Dos presos, menos de 1% se recusou a realizar a coleta, que dura cerca de um minuto, por meio da amostra de saliva, processada em um kit específico para esse tipo de procedimento. Para garantir que se tratava realmente do preso, também foi registrada a impressão digital.
— Coletávamos o material direto na grade, na galeria, para não precisar locomover o preso. Tiveram casas prisionais em que eram 300 presos. Em outra, era só 20. Variava muito de local para local. Essa é uma identificação, assim como a feita por meio de digitais e fotografia. Eventualmente, alguns diziam que não iam fazer — afirma a perita Cecília, que também é administradora do Banco de Perfis Genéticos.
Atualmente, há 949 vestígios cadastrados no Estado no qual não foi possível identificar a origem. Ou seja, não se sabe de quem era o material coletado no local do crime, que pode ser, por exemplo, sangue ou mesmo sêmen. Por meio das coletas realizadas em condenados, no banco de perfis do IGP, foi possível até hoje conseguir 43 matches — termo usado quando o processamento aponta que a amostra biológica coletada é compatível com a encontrada em local de crime. Já com o banco nacional foram obtidos mais 24 matches com condenados, a partir de vestígios da Polícia Federal e de outros Estados, e mais quatro com vestígios coletados pelo IGP, que foram cruzados com condenados de outros Estados. Espera-se que com as novas amostras outros casos sejam esclarecidos.
A expectativa é poder identificar essas amostras, esses vestígios de locais que não têm nenhum suspeito até agora.
CECÍLIA MATTE
Perita criminal
— A expectativa é poder identificar essas amostras, esses vestígios de locais que não têm nenhum suspeito até agora. Os vestígios ficam permanentemente no banco, após serem processados. Então, podem ser casos de crimes antigos — explica Cecília.
O RS tem total de 42,9 mil presos, segundo dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Além das 10.888 mil coletas já realizadas, o IGP tem atualmente cerca de mais 8 mil para serem realizadas — esse dado não é fixo porque se altera sempre que há novas condenações. Até o fim do ano, a expectativa é que sejam coletadas mais cerca de 200 amostras, para alcançar a meta de 5 mil prevista para o período. No Interior, as coletas passarão a ser responsabilidade dos peritos de cada região. Durante o mutirão, as peritas que percorreram o Estado realizaram treinamento dos demais.
A partir de outubro, inicia nova fase da coleta, que é o processamento dos materiais genéticos, para que sejam inseridos no banco. Como a legislação prevê que as amostras precisam ser descartadas, após ser feita a identificação do perfil, o IGP optou por processar cada uma duas vezes no sistema. É a forma de garantir que, caso haja compatibilidade, possa ser feito segundo teste, para verificação. O processamento deve levar cerca de dois meses.
"Rainha das provas"
Para a Polícia Civil, as chamadas provas técnicas, que podem ser obtidas, por exemplo, por meio da amostra de material genético, são consideradas essenciais. Diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a delegada Vanessa Pitrez afirma que cada vez mais as apurações se concentram na tentativa de obter esse tipo de prova.
— Conseguir comprovar que o DNA de um suspeito estava na cena do crime, ou em algum objeto, é uma prova técnica irrefutável. São as provas que não podem ser derrubadas. Seria a rainha das provas. Na prova testemunhal, as pessoas, por medo ou pelo tempo, podem acabar mudando depoimentos. Quando chega no júri, quanto mais provas técnicas, menos subjetivismo se deixa transparecer, e se permite que os jurados tenham análise mais técnica — explica.
A polícia busca solicitar que sejam coletados vestígios, seja em veículos usados por criminosos ou suspeitos, ou mesmo roupas e, por vezes, até no corpo da vítima, quando há indicativo de luta corporal, por exemplo. Em crimes sexuais, também é possível realizar coleta de sêmen. A delegada entende que o acordo firmado em abril permitiu agilizar as coletas, previstas em lei, que até então enfrentavam lentidão no Estado.
— Aqui no RS nos parecia um tanto lento, apesar de o IGP trabalhar e se esforçar para aumentar as coletas há anos. Esse acordo é importante para nós. Há muita reincidência em casos de homicídios. São pessoas envolvidas e mais de um crime. Se o perfil genético delas já estivesse recolhido no nosso banco, poderia haver prova irrefutável na participação em outros crimes violentos — afirma a delegada.
O que diz a Lei
A legislação brasileira prevê que condenados por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, sejam submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.
A lei prevê ainda que uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida deverá ser descartada, para impedir a utilização para qualquer outro fim. Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.