O cruzamento de informações genéticas com vestígios de locais de crimes nos laboratórios do Instituto-Geral de Perícias (IGP) pode ser determinante para a identificação do autor de ações violentas como assassinato, estupro ou assalto a banco. Um acordo de cooperação assinado na tarde desta terça-feira (20) pretende agilizar e intensificar o processamento de DNAs de presos condenados por crimes hediondos. O documento sela um termo de colaboração entre governo do Estado, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Administração Penitenciária, Secretaria de Segurança Pública (SSP), IGP e Polícia Civil.
Coletas desse tipo ocorrem no Rio Grande do Sul desde 2014. Começaram no Presídio de Arroio dos Ratos, seguindo lei de 2012 que estabelece que condenados em primeira instância devem ser submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA. A regra vale para indivíduos condenados em primeira instância por crimes dolosos (quando há intenção), com violência grave contra pessoa, homicídio, roubo com uso de arma de fogo, estupro e extorsão mediante sequestro.
Do total de 41 mil presos do sistema prisional gaúcho, 17 mil têm condenações que os tornam aptos a fornecer esse material. De 2014 até agora, o IGP já coletou 6.160 amostras que hoje podem ser confrontadas com 952 vestígios de locais de crime. Até 2022, pretende completar as 11 mil restantes. A meta é ousada e explica a necessidade do acordo envolvendo Estado e Judiciário para acelerar as coletas e tornar mais robusto o Banco de Perfis Genéticos do Estado do Rio Grande do Sul.
— No início, tínhamos certas resistências em virtude de algo que ainda era desconhecido. Passamos a promover reuniões na SSP, explicando a necessidade das coletas e notamos que houve maior colaboração. Já nas coletas feitas em 2021, foi maior a recepção dos peritos nos presídios — explica o chefe da Divisão de Genética Forense do IGP, Gustavo Kortmann.
Devido à pandemia de coronavírus, ao longo de 2020, parte do trabalho ficou comprometido em razão das restrições de acesso às casas prisionais. O Ministério da Justiça e Segurança Pública estabeleceu como objetivo a coleta de três mil amostras entre os anos de 2019 e 2020. O número foi alcançado em fevereiro deste ano, quando 1.050 presos tiveram material genético colhido no Complexo da Penitenciária Estadual de Canoas, Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC) e na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas (PMEC). A diretora-geral do IGP, Heloísa Kuser, explica que o cumprimento da meta permite o repasse de R$ 1,8 milhão da União para a instituição seguir com o projeto, além de fornecimento de mais insumos para coletas nos próximos anos.
A inserção dos novos perfis coletados entre fevereiro e março deste ano já trouxe resultados na resolução de crimes. O cruzamento do material genético de 1,8 mil condenados com 952 vestígios coletados em locais de crime apontou 36 relações, revelando a autoria ou a participação dos condenados em crimes como estupro, assalto e roubo a banco. Um deles foi a identificação do autor de um roubo a uma escola em Pelotas, no sul do Estado, em 2012. Sangue humano coletado no piso do educandário foi confrontado com o DNA de um condenado que cumpre pena em Canoas. Outra amostra desse mesmo período chegou a autoria de um roubo a banco em Sapiranga, no Vale do Sinos, em dezembro de 2012. O papel com sangue colhido em veículo roubado foi compatível com material genético de um apenado da PEC.
Mesmo depois de muitos anos da data dos crimes, podemos encontrar autoria de delitos que ficaram sem solução. O tempo não interfere nesse caso. O vestígio biológico do local do crime fica guardado em refrigeradores e tem potencial de ser analisado por um bom tempo. Por isso, quanto maior o número de DNAs de condenados e a quantidade de vestígios, cada vez mais resultados positivos teremos
GUSTAVO KORTMANN
Chefe da Divisão de Genética Forense do IGP
— Mesmo depois de muitos anos da data dos crimes, podemos encontrar autoria de delitos que ficaram sem solução. O tempo não interfere nesse caso. O vestígio biológico do local do crime fica guardado em refrigeradores e tem potencial de ser analisado por um bom tempo. Por isso, quanto maior o número de DNAs de condenados e a quantidade de vestígios, cada vez mais resultados positivos teremos — explica Kortmann.
A partir de agora, as coletas devem avançar para todas as cadeias do RS. Peritos do Interior serão treinados tanto para execução da coleta quanto para a manutenção do material, com base nos novos condenados de cada estabelecimento prisional. Mensalmente, o IGP entra em contato com os diretores das casas e oficia os juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC) sobre a realização das coletas. As cadeias fornecem a lista dos condenados pelos crimes previsto na lei, os nomes passam por uma segunda triagem do IGP e é marcada data para os peritos irem até estabelecimentos prisionais.
O material genético é colhido pela saliva, em método indolor, por meio de um dispositivo que se assemelha a uma esponja, permitindo que o DNA fique viável para análise por até 20 anos armazenado em temperatura ambiente. O procedimento segue um protocolo que não expõe o perito nem o preso à contaminação por coronavírus. As informações contidas nessa coleta são processadas no laboratório do IGP, passando por um robô e duas máquinas até serem incluídas no Banco de Perfis Genéticos do Estado do Rio Grande do Sul, o software que faz match entre o DNA dos condenados e os vestígios de crime.
O principal desafio das coletas, conforme Kortmann, é o processamento de um grande número de amostras. O trabalho conta com ajuda de um robô recebido da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) que faz a automação da sequência da coleta, executando toda a parte mecânica de obtenção de perfis genéticos e a inserção para dentro do banco de dados. A máquina processa até 180 amostras a cada três horas.
O confronto entre os vestígios de local de crime e os DNAs coletados são feitos em um software criado pelos norte-americanos do FBI e usado em mais de 30 países, onde funciona o Banco de Perfis Genéticos do RS. O programa relaciona dados que podem apontar agressores em série, ladrões de banco com uso de explosivo ou mesmo criminosos que atuam em vários Estados. Toda semana, um upload repassa os dados colhidos no RS ao Banco Nacional de Perfis Genéticos. Além do perfil acusatório, o banco pode comprovar a inocência de um suspeito ou ainda interligar determinado caso com outras investigações das demais esferas policiais.
— Um indivíduo que, por exemplo, cometeu um estupro em Porto Alegre e outro em Canoas, deixando material biológico, o software consegue apontar a autoria. São confrontados todos os perfis genéticos cadastrados no RS e nacionalmente.
Usado no Brasil desde 2010, o software conseguia, até a lei entrar em vigor em 2012, cruzar material genético de vestígios de crime e apontar quando dois ou mais delitos tinham o mesmo autor. A partir da autorização para coleta do DNA dos condenados, foi possível chegar também à identidade dos criminosos.