Uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, a flexibilização do acesso à armas e munições passa apelo crivo do Judiciário a partir desta sexta-feira (17). Nos próximos sete dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar 14 ações que questionam a legalidade da política armamentista do governo.
Ao todo, 11 normativas estão sob contestação. São duas portarias, uma resolução e oito decretos editados por Bolsonaro desde o início da gestão, todos facilitando porte, posse e aquisição de armas e acessórios. O julgamento ocorre no plenário virtual, no qual os ministros votam por escrito, inserindo suas posições no sistema da Corte até a próxima sexta-feira (24).
O modelo não impede que algum magistrado peça para levar os casos ao plenário físico, com o colegiado discutindo oralmente cada voto. Se isso ocorrer, será marcada uma nova data para a retomada do julgamento.
Na sessão que se inicia nesta sexta-feira, os ministros irão analisar nove ações diretas de constitucionalidade (ADI) e cinco a arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), ajuizadas por cinco partidos (Rede, PSOL, PSDB, PT, PSB). Enquanto as ADIs sustentam uma suposta inconstitucionalidade das novas regras, as ADPFs buscam preservar o espírito original do Estatuto do Desarmamento.
Sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2003, o conjunto de normas havia sido aprovado pelo Congresso Nacional com o objetivo de reduzir a violência no país. À época, pesquisas demonstravam que a facilidade na compra de armas tinha reflexo direto no aumento do número de assassinatos.
Ao conceder liminar que sustou trechos de quatro decretos editados em fevereiro por Bolsonaro, a ministra Rosa Weber citou estatísticas que comprovam esse fenômeno. “O ano de 2003 marca uma inflexão na tendência de crescimento da taxa de homicídios no Brasil. Enquanto o índice de homicídios crescia à média de 5,44% ao ano no período anterior ao Estatuto do Desarmamento, após o início de sua vigência essa taxa reduz para 0,85% ao ano (ou seja, 6,5 vezes menor que a registrada nos anos anteriores)”, escreveu Rosa Weber no despacho.
Os quatro decretos são o principal foco do julgamento. A liminar da ministra foi concedida na véspera da entrada em vigor, em abril, impedindo, por exemplo, que adolescentes tivessem permissão para praticar tiros e que pessoas com porte pudessem carregar simultaneamente duas armas. Outro trecho anulado aumentava de quatro para seis o número de armas que um cidadão comum poderia ter em casa, além de extinguir o controle do Exército sobre munições e acessórios como miras telescópicas.
Os ministros também irão analisar a legalidade do primeiro decreto de Bolsonaro sobre o tema. Assinado no 15º dia de governo, em janeiro de 2019, ele flexibilizava as exigências para a posse de armas em zona urbana, rural e em empresas, ampliando as condições de “efetiva necessidade” de armamento. Em outras ações, são questionadas até mesmos normativas já revogadas, como decretos anulados pelo Senado e revistos pelo próprio governo.
Nos bastidores do STF, comenta-se que o julgamento pode se tornar o veículo escolhido pelos ministros para enviar um recado a Bolsonaro após as manifestações do 7 de Setembro. Irritados com os sucessivos ataques à Corte desferidos pelo presidente, eles estariam propensos a derrubar, senão a íntegra, ao menos boa parte das normativas armamentistas. O objetivo seria atingir o governo num tema caro a Bolsonaro e seus seguidores mais fieis.
Em contrapartida, também há rumores de que alguns dos interlocutores do Palácio do Planalto no STF, Dias Toffoli ou Nunes Marques, estaria disposto a pedir vista, paralisando o julgamento. Além de manter em vigor parte do regramento atual, a iniciativa visaria evitar que uma eventual derrota do governo seja interpretada como uma provocação da Corte.
Veja o que está em julgamento no STF
De hoje até 24 de setembro, o plenário virtual do Supremo irá julgar 14 ações questionando a política armamentista do governo. Veja os principais pontos
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 681 e 683
Relator: Alexandre de Moraes
Ajuizadas pelo PDT e pelo PSOL, as ações buscam revogar a portaria 62/2020, que no ano passado extinguiu normas de rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e explosivos. A medida também acabou com o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNar). Na quinta-feira (16), Moraes suspendeu, em decisão liminar, a validade do decreto.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 61334, 6139 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 581
Relatores: Edson Fachin e Rosa Weber
De autoria do PSB, da Rede e do PSOL questionam o Decreto 9.785, editado em maio de 2019 e logo depois anulado pelo Senado. A pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento, a matéria facilitava compra, cadastro, registro, posse e porte de armas e munições, inclusive fuzis semiautomáticos. Entre as medidas, ampliava para 20 categorias profissionais o porte de armas, além de permitir a fazendeiros o uso de armas em todo a propriedade, quebrar o monopólio da importação e aumentar de 50 para 5 mil a munição anual disponível à compra por cada dono de arma de fogo.
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 586
Relatora: Rosa Weber
Impetrada pela Rede, mira o Decreto 9.797/2019, editado duas semanas após seu antecessor, o nº 9785. Nele, o governo manteve os mesmos benefícios concedidos na normativa anterior, mas deu prazo de 60 dias para o Exército listar quais armas de grosso calibre poderiam ser adquiridos por pessoas comuns.
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 772
Relator: Edson Fachin
De autoria do PSB, visa revogar uma resolução do Comitê Executivo de Gestão da Câmara do Comércio Exterior (Gecex) que zerou a tributação sobre importação de revólveres e pistolas. Antes, a alíquota era de 20%. Dois ministros – Edson Fachin e Luís Roberto Barroso – já votaram para retomar a cobrança.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6466
Relator: Edson Fachin
Ajuizada pelo PT, contesta o Decreto 10.030/2019 e a portaria interministerial 1.634/2020. Os textos aumentaram a quantidade de munição que pode ser comprada no país, de 200 a 600 por ano para 550 a 650 por mês, por cada arma registrada. O ministro Edson Fachin votou a favor da anulação das duas normativas.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6675, 6676, 6677, 6680 e 6695
Relatora: Rosa Weber
Impetradas por PSB, Rede, PT, PSOL e PSDB, pedem anulação de quatro decretos (10.627, 10.628, 10.629 e 10.630/2021) editados em fevereiro pelo governo. Entre as medidas questionadas estão o fim controle do Exército sobre munições e acessórios para armas, a permissão de desportivo a adolescentes, aumento do limite de munição por caçadores, atiradores e colecionadores, fim do limite de compra de munição para clubes de tiro (CACs, a permissão de porte simultâneo de duas armas e a liberação de compra de até seis armas por um cidadão comum.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6119
Relator: Edson Fachin
De autoria do PSB, questiona o decreto 9.685/2019, primeira normativa sobre acesso a armas do presidente Jair Bolsonaro, editado com 15 dias de governo. Considerado tímido por apoiadores do presidente, o texto facilitava a posse de armas, mas não versava sobre o porte (direito a andar armado na rua). Pelas novas regras, podem declarar ter "efetiva necessidade" de manter até quatro armas em casa residentes em área rural ou urbana, empresários, militares e agentes de segurança, bem como colecionadores, atiradores e caçadores. A norma também amplia a validade de cada registro de cinco para 10 anos.