É com prudência e muita desconfiança ante a súbita moderação do presidente Jair Bolsonaro que o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana a análise de casos importantes para o governo. É improvável, porém, que haja qualquer definição nos próximos dias sobre temas caros à equipe econômica e à ala ideológica do Palácio do Planalto.
Sem nenhuma garantia de que os ataques à Corte irão cessar, os ministros pretendem estender a discussão sobre o marco temporal das demarcações indígenas, a política armamentista e o pagamento de precatórios.
O objetivo é evitar que eventuais decisões contrárias ao presidente soem como revanchismo e que posições favoráveis simbolizem conciliação. O primeiro sinal de que a tendência no colegiado é esperar desanuviar o ambiente político foi o adiamento do julgamento do foro do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na investigação das rachadinhas. O caso seria julgado nesta terça-feira (14) pela 2ª Turma do STF.
Interlocutor frequente do Planalto e relator do recurso do Ministério Público (MP) que busca manter a investigação em primeira instância, o ministro Gilmar Mendes já havia atendido a um pedido da defesa a suspendido o julgamento na semana passada. Com o novo adiamento, Mendes impede que a provável vitória do senador pareça favorecimento ao governo.
O primogênito de Bolsonaro já foi formalmente acusado pelo MP de peculato, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e organização criminosa por supostamente ficar com parte do salários de assessores. Contudo, somente após a decisão sobre em qual instância a denúncia deve tramitar é que a Justiça poderá decidir se o torna réu.
Os ministros tendem a manter o mesmo cuidado nos julgamentos do marco temporal e dos decretos que facilitam a aquisição de armas e munições. Acenando para o eleitorado cativo que mantém no agronegócio, Bolsonaro defende a legalidade da tese do marco temporal para poder reverter a demarcação de terras indígenas. Por enquanto, apenas o relator Edson Fachin votou, apontando inconstitucionalidade da matéria.
O caso será retomado pelo plenário na quarta-feira (15), com o voto do ministro Nunes Marques, único na Corte indicado por Bolsonaro. Nos bastidores, comenta-se que o ministro deve pedir vista do processo, suspendendo o julgamento. Se isso não ocorrer, é provável que algum outro ministro o faça, deixando o veredito para um momento menos turbulento.
A decisão sobre os decretos das armas se dará em plenário virtual, sistema em que os votos dos ministros são enviados por escrito. As ações estavam paradas no gabinete de Alexandre de Moraes e foram devolvidas para julgamento na quarta-feira (8), um dia após os ataques de Bolsonaro nas manifestações de Brasília e São Paulo.
A imediata retomada do caso foi interpretada como um sinal de que Moraes estava disposto a reagir. Por enquanto, o placar está dois a zero contra o Planalto, com os ministros Fachin e Rosa Weber votando pela ilegalidade dos decretos. Os demais votos poderão ser enviados de sexta-feira (17) até o dia 24 de setembro. Circula na Corte o sentimento de que também deve haver um pedido de vista para que o debate não seja contaminado pelos conflitos institucionais.
Todavia, interlocutores dos ministros também identificaram um desejo de que o assunto seja usado como instrumento de revide e autoproteção. Afinal, um eventual pedido de vista manteria os decretos vigentes até uma decisão final. Já uma imediata anulação das normas não só interrompe a corrida armamentista de parte da população como representa uma derrota importante a Bolsonaro e seus apoiadores.
A despeito de desavenças pessoais entre os ministros, é visível na Corte a união em torno da autopreservação. O colegiado compartilha um ceticismo ante o recuo exposto pelo presidente na carta à nação divulgada semana passada e teme novas investidas. Nesse cenário, todos pretendem evitar movimentos bruscos. Esse cuidado afeta uma das principais preocupações do ministro da Economia, Paulo Guedes: os R$ 89 bilhões que o governo terá de desembolsar em precatórios em 2022.
Até então, o STF estava disposto a colaborar com o Planalto. Embora o tema não esteja pendente de julgamento na Corte, havia um entendimento tácito de que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderia abrir margem para parcelamentos e redução do montante.
A despeito da controvérsia jurídica em torno da legalidade de uma resolução nesses termos, o presidente do STF e do CNJ, ministro Luiz Fux, vinha pavimentando esse caminho em conversas com os demais ministros, a equipe econômica, o Congresso e o Tribunal de Contas da União. Os ataques desferidos por Bolsonaro no 7 de Setembro inviabilizaram qualquer consenso. Agora, um grupo de ministros já comenta abertamente que a edição de um documento do CNJ flexibilizado precatórios inevitavelmente seria derrubada no plenário da Corte.