No final da noite de 14 de julho, o prédio da Secretaria da Segurança Pública (SSP) ruiu. Um incêndio de grandes proporções tombou o miolo dos nove andares que concentravam órgãos importantes do Estado e o cérebro das decisões estratégias da segurança pública.
O desabamento, após uma hora e meia do início das chamas, algo incomum em situações como essa, trouxe um desfecho inesperado: tirou a vida de dois bombeiros militares, o tenente Deroci de Almeida da Costa e o sargento Lúcio Ubirajara de Freitas Munhós, encontrados sob os escombros após sete dias ininterruptos de buscas.
Um mês após o sinistro e com parte do prédio de pé — visível a todos que acessam Porto Alegre pela Avenida Castello Branco —, o vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, disse a GZH que trabalha com a possibilidade de destruir a estrutura até outubro. Antes disso, será necessário concluir investigações e vencer uma série de etapas burocráticas.
O local precisa da liberação dos órgãos que tocam o inquérito e a perícia no local — Polícia Civil e Instituto-Geral de Perícias (IGP) — e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que preside a sindicância administrativa. Após estes avais, o Estado abrirá um chamamento público para contratação da empresa que destruirá o que sobrou das ruínas. Até lá, o prédio seguirá sob risco de desabar.
— Segundo a área técnica, esse é um risco sempre presente. No entanto, temos uma investigação em andamento. A perícia tem que nos dizer que não necessita mais nada para tirar do prédio. Mas o risco efetivamente existe, queremos demolir o mais rápido possível, mas dependemos de outras circunstâncias que não estão totalmente na nossa mão, tem questão pericial e investigatória. Estamos estudando qual seria a melhor técnica dessa demolição, provavelmente uma implosão — afirma Ranolfo.
Os peritos continuam indo ao prédio, e o IGP informa que ainda não há data para liberação da área. Uma portaria em conjunto entre o vice-governador e o secretário de Justiça, Sistema Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild, proíbe o ingresso de qualquer outra pessoa no local para se evitar mais vítimas.
A 17ª Delegacia de Polícia já ouviu 30 pessoas que estavam na SSP quando o fogo começou, entre elas servidores e funcionários de três empresas terceirizadas. Diversos documentos estruturais do prédio erguido no começo da década de 1970 foram solicitados.
O risco (de desabar) efetivamente existe, queremos demolir o mais rápido possível, mas dependemos de outras circunstâncias que não estão totalmente na nossa mão
RANOLFO VIEIRA JÚNIOR
Vice-governador e secretário da Segurança Pública
A força-tarefa responsável por implementar o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), incluindo a empresa que o planejou e uma segunda, que estava executando o plano, também deram depoimentos. O PPCI do prédio havia sido aprovado pelos bombeiros em 2018 e estava 56,51% implementado.
— Foi uma fatalidade. É uma construção de 1972 que seguiu as normas técnicas da época. Não foi um arremedo. Era um dos prédios públicos com o PPCI mais adiantado. A brigada de incêndio era pra ter 89 servidores treinados e já tinha 103. Está se encaminhando mesmo para uma falha elétrica, iniciada no forro de uma sala do quarto andar, que se espalhou rapidamente e os bombeiros não conseguiram conter — afirma o titular da 17ª DP, delegado Daniel Ordahi.
Foi uma fatalidade. Está se encaminhando mesmo para uma falha elétrica, iniciada no forro de uma sala do quarto andar, que se espalhou rapidamente e os bombeiros não conseguiram conter.
DANIEL ORDAHI
Titular da 17ª Delegacia de Polícia
Os depoimentos indicam que as chamas iniciaram na sala do setor de inteligência da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Por guardar informações sensíveis, o local estava trancado e foi arrombado por um servidor, que conta ter visto fios elétricos queimando. A Polícia Civil descartou a hipótese de ação criminosa já nas primeiras 48 horas após oincêndio, afastando teses conspiratórias de que o fogo teria digitais do crime organizado.
— Não havia trânsito de presos no prédio, eram basicamente setores administrativos. Os serviços que existiam lá continuaram sendo feitos em outros locais, o despacho de viaturas não parou. Não houve nenhum tipo de prejuízo, tudo seguiu de forma praticamente ininterrupta — reforça Ordahi.
Embora já tenha uma hipótese bem delineada para o que aconteceu, o delegado não pretende fechar o inquérito sem ter o laudo pericial. Por isso, não dá previsão para o encerramento do caso e diz que não irá apressar a conclusão.
No Corpo de Bombeiros, também tramita um Inquérito Policial Militar (IPM) — aberto para qualquer ocorrência que gere lesão ou morte de militar. A apuração tem 40 dias para ser concluída e está em fase inicial de coleta de depoimentos. Serão ouvidas desde as primeiras guarnições que atenderam a ocorrência, verificados quais procedimentos adotados, revisitando todo o episódio.
O futuro da área nobre na Avenida Voluntários da Pátria, na entrada da Capital e com vista privilegiada para o Guaíba, ainda não está traçado, mas o governo já trabalha com algumas possibilidades. A Secretaria de Planejamento avalia o valor do terreno para negociar. Ainda no plano das conjecturas, não se descarta a hipótese de permutá-lo com o setor privado em troca da construção de uma nova sede para a SSP em outro ponto de Porto Alegre.
Enquanto essa avaliação é feita, o Estado irá acomodar todos os órgãos da Segurança em um imóvel do antigo Centro de Treinamento da Procergs, na Rua Mario Totta, 64, no bairro Tristeza, na Zona Sul. A opção pelo prédio público veio após dezenas de ofertas de locações privadas, com alugueis que variavam de R$ 50 mil a R$ 180 mil por mês.
— Se esse aluguel se prolongasse ao longo dos anos, seria um custo muito alto para o Estado. Por isso, entendemos que o melhor era buscar um espaço nas centenas de imóveis próprios do Estado que não são usados. E este lugar será passageiro, não é definitivo — afirma Ranolfo, que visita todas as sextas-feiras a reforma na Mário Totta.
O espaço tem salas amplas, pátio arborizado e estacionamento para cerca de 40 veículos, além de um auditório com capacidade para cerca de 150 pessoas, onde deverá funcionar o DCCI. Uma das intervenções mais complexas é a adequação do sistema elétrico para comportar as necessidades de alimentação de energia ao funcionamento de todas as atividades, o que demanda a implantação de uma nova subestação para modernizar o equipamento que leva carga à área.
Também está sendo encaminhada a regularização do PPCI. A edificação necessita que sejam cumpridas quatro exigências: sinalização, extintores, iluminação de emergência e treinamento de pessoal. A mudança só irá ocorrer quando estas etapas forem vencidas.
— É um local digno para receber a secretaria. Acredito que, em tudo correndo bem, em setembro reacomodamos toda SSP nesse espaço — considera o vice-governador.
Os demais órgãos que ficavam no prédio da SSP já estão realocados. O IGP adiantou a mudança para o novo prédio da instituição, ao lado da edificação que tombou, e o Detran está acomodado no prédio da Procergs e também avaliando espaço junto ao Badesul.
A Secretaria de Justiça, Sistema Penal e Socioeducativo e a Susepe estão momentaneamente no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF) mas, segundo Ranolfo, já têm um prédio reservado na Avenida Sertório. Já o sistema de monitoramento de tornozeleiras está em imóvel público não divulgado por questões de segurança.
Outros órgãos ligados à SSP estão espalhados até a conclusão da reforma do novo espaço: o Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI), com o videomonitoramento e o 190, estão no 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), e o Disque-Denúncia 181 e as diretorias de departamento estão no CAFF.