O prédio onde funcionava o cérebro das decisões estratégias da segurança pública gaúcha amanheceu em ruínas. O fogo que começou em uma sala do quarto andar da Secretaria da Segurança Pública (SSP) pouco depois das 21h30 de quarta-feira (14) foi controlado ao longo da madrugada desta quinta (15) em trabalho ininterrupto do Corpo de Bombeiros. Em meio ao esforço para combater as chamas noite adentro, dois deles desapareceram – o tenente Deroci de Almeida da Costa e o sargento Lúcio Ubirajara de Freitas Munhós.
No começo da tarde, nem a chuva fraca afastava a fumaça consistente e de cheiro forte. O imóvel público que abriga as sedes administrativas dos principais órgãos vinculados da segurança – e chama a atenção daqueles que acessam Porto Alegre pela Avenida Castelo Branco – está desmoronando pelo miolo. Imagens aéreas revelam que no oitavo andar, onde fica o gabinete do vice-governador e secretário de Segurança, Ranolfo Vieira Júnior, restou preservada uma fileira de cadeiras vermelhas. O resto é escombro. Até o começo da tarde, as duas torres laterais seguiam de pé sob ameaça de desabar.
O 190 chegou a ficar momentaneamente fora do ar durante a madrugada e a interrupção da Avenida Castelo Branco deu um nó no trânsito da Capital durante toda manhã. Nesse turno, o 190 passou a ser operado do 9º Batalhão de Polícia Militar. As câmeras de cercamento eletrônico cujas imagens alimentavam o Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI), nos dois primeiros andares, foram espelhadas para o Centro Integrado de Comando da Cidade (CEIC) de Porto Alegre, que funciona junto à Procempa.
A desafiadora tarefa dos Bombeiros é também arriscada pelo risco iminente dos escombros virem abaixo. As equipes concentram todos os esforços em localizar os dois colegas. O trabalho de rescaldo prevê resfriamento do prédio com auxílio de caminhões tanque e bombeiros em escadas com mangueiras jogando águas nas paredes ainda de pé, equipes especializadas em busca e salvamento, ingresso de cães farejadores e retirada dos escombros com guindastes e retroescavadeiras.
– Nesse momento já podemos dizer que o incêndio está controlado. As guarnições estão dentro do prédio buscando vítimas – disse o tenente-coronel Eduardo Estevão ao meio-dia.
Toda a área na Avenida Voluntários da Pátria, ao lado da Rodoviária da Capital, foi isolada a partir do pórtico da SSP. Do lado de fora, imprensa e curiosos fazem plantão monitorando a entrada e saída de veículos.
Moradores dos arredores disputam espaço na calçada com repórteres e guarda-chuvas. Gravam vídeos e narram em transmissões ao vivo a movimentação em frente ao cenário do incêndio, se perguntando como o fogo começou. Uma pergunta ainda sem resposta. A 17ª Delegacia de Polícia abriu inquérito para investigar as causas do incêndio. Nenhuma hipótese é descartada, embora o governador Eduardo Leite, em entrevista coletiva pela manhã, tenha salientado que "não há qualquer indício de crime".
Questionado sobre o Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI) do imóvel, o governador declarou que ele estava num processo de expansão, com investimento de superior a R$ 1 milhão.
– Plano de prevenção não significa não haver incêndio. Significa prevenir e proteger a vida das pessoas, e ter condições de combate – argumentou Leite, que retornou de uma agenda em Brasília para acompanhar os trabalhos.
O PPCI havia sido aprovado em 6 maio de 2018, mas só começou a ser executado em maio passado. Previsto para ser executado gradualmente em seis meses, o Estado estava no segundo.
Peritos trabalham no local
A cada dez minutos, um caminhão tanque dos bombeiros entra ou sai do prédio. As 14h, dois caminhões com guindastes chegaram. Equipes do Instituto-Geral de Perícias estão no local, mas o avanço do trabalho para área interna do prédio ainda é limitado.
Três peritos criminais e dois fotógrafos criminalísticos iniciaram ao meio dia o levantamento preliminar no prédio, com registro da situação externa do imóvel, observando onde a estrutura está mais deteriorada. Para o IGP, estes são vestígios importantes para entender a dinâmica do incêndio e do desabamento. Imagens de drones devem ser captadas para observar os locais mais atingidos e os pontos de difícil acesso.
O trabalho vai continuar com a análise das imagens obtidas no início do fogo, além de documentos, como a planta do local e o depoimento das testemunhas.
A proprietária de um ferro velho próximo ao prédio conta que percebeu as chamas na noite de quarta-feira pelas câmeras de segurança do seu imóvel. Os vídeos monitorados pelo seu smartphone a deixaram em pânico:
– Fiquei assistindo pelo celular, de casa. Era muito fogo, muito fogo. Clareava todo meu depósito e nunca deixo luz acesa. Escutava os estalos pela câmera. Não consegui dormir. Era para ser o prédio mais seguro do Estado. Daqui a pouco tudo vai desmontar – relata ela, que prefere não se identificar.
Insone, foi para o local as 6h e viu o avanço do trabalho dos bombeiros pela janela do estabelecimento.
– É um prédio que está sempre cheio de gente, de dia e à noite. Minha preocupação é com a vida das pessoas.
Um motorista de caminhão conta que viu a fumaça por volta das 21h40 quando descarregava uma carga no terreno ao lado do prédio. Achou que fosse neblina. Saiu sem se preocupar.
– Escutei o som dos bombeiros mas não vi o fogaréu. Achei que fosse algo na vizinhança. Peguei meu caminhão e fui embora. Hoje liguei o rádio e ouvi que estava tudo destruído –relata o homem que também fala na condição de anonimato.
Uma das possibilidades de futuro ventiladas ao longo do dia é que a SSP passe a operar no prédio da Companhia Rio Grandense de Artes Gráficas (Corag), extinta em 2018, no bairro Glória. O terreno do imóvel estava em vias de ser negociado pelo governo do Estado.
Conforme o vice-governador e secretário, Ranolfo Viera Júnior, graças à digitalização não houve maiores danos em ao armazenamento de dados, à exceção de algumas plantas de prédios antigos que só existiam em papel. Resta o cálculo do prejuízo material. Somente o DCCI, concluído para a Copa do Mundo de 2014, custou R$ 40 milhões. Uma cifra alta, mas insignificante diante da apreensão sobre o destino dos bombeiros desaparecidos. As buscas continuam e devem seguir durante toda a madrugada desta sexta-feira (16).