Após a localização dos corpos dos dois bombeiros desaparecidos no incêndio na Secretaria da Segurança Pública (SSP), a perícia criminal conseguiu entrar pela primeira vez no prédio em ruínas na tarde desta quinta-feira (22). Três peritos do Instituto-Geral de Perícias (IGP) fizeram uma incursão aos escombros durante três horas e meia pela ala norte do edifício. Nesta sexta-feira, os técnicos retornam ao local, pela ala sul, onde deverão permanecer por mais quatro horas.
O acesso da perícia à área interna do prédio era incerta nos primeiros sete dias após o incêndio devido ao risco de desabamento da estrutura. O acesso ocorreu após avaliação prévia do local e graças à escada de incêndio que permanece bem preservada. Internamente, há risco de queda de pedaços de viga e lajes, que pesam entre duas e três toneladas, penduradas apenas por ferros que compõem a armadura das estruturas. No térreo, há mais de cinco metros de entulho. Neste ponto, só é possível circular em um caminho criado pelos bombeiros que trabalharam nas buscas.
— A área foi totalmente colapsada e existe risco muito grande de queda. Quando saímos das escadas em direção aos saguões dos elevadores, ainda é uma área que se pode acessar. Nosso maior desafio é comprovar as hipóteses que já temos com o nível de destruição do prédio. Veio tudo abaixo. Foram montanhas de entulho que se fragmentaram. O que havia ali foi perdido — explica o chefe da Divisão de Engenharia do Departamento de Criminalística do IGP, Álvaro Bittencourt, que esteve no prédio na quinta e retornará nesta sexta.
A escada permitiu que a equipe subisse até o oitavo andar, parando em cada pavimento para análise. Com o ingresso, os peritos conseguiram examinar as estruturas de concreto que sobraram e a forma como foram rompidas. Também foram registrados o estado das vigas, lajes e qual o efeito que o calor intenso provocou nelas. O local foi examinado com registros fotográficos e se utilizou drones nos pontos onde não se tem acesso. O grupo fez a incursão com Equipamento de Proteção Individual (EPI) específico e é formado por três profissionais: engenheiro elétrico, engenheiro civil e engenheiro metalúrgico, o que permite um olhar especializado. Até a quinta-feira, os peritos iam ao local apenas para registros externos.
— Toda perícia de incêndio é necessária que se faça essa inspeção, um exame detalhado das estruturas. E neste caso, por ser incêndio seguido de desabamento, a causa do início do fogo será extremamente difícil de apontar.
Todos os vestígios que dariam um norte para buscarmos a causa do incêndio ficaram soterrados.
ÁLVARO BITTENCOURT
Chefe da Divisão de Engenharia do Departamento de Criminalística do IGP
Os depoimentos que chegaram à Polícia Civil dão conta de que o fogo teria começado no forro do teto do quarto andar, que abrigava a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), hoje completamente destruída e transformada em entulhos fragmentados que foram se sobrepondo no térreo. A principal hipótese levantada pelo inquérito até o momento é a de que o fogo tenha sido provocado por falha elétrica. Por estar na fase inicial do trabalho, o perito avalia essa possibilidade com cautela:
— É uma hipótese que dificilmente vai se conseguir comprovar, só mesmo indiretamente com depoimentos de testemunhas, das imagens que se tem. Mas não saberemos como efetivamente começou.
Para chegar à conclusão, seria necessário fazer pente-fino no material dentro do prédio, para tentar identificar equipamentos com algum vestígio de desordem elétrica ou fios com sinais de curto circuito. Ao todo, seis peritos estão envolvidos neste trabalho. O perito Carlos Alberto Borsoi explica que embora existam vídeos feitos por funcionários do início do fogo, não serão estas imagens que irão apontar a causa do incêndio:
— Nos baseamos em evidências de padrão de queima, dos danos que foram impressos na estrutura remanescente do prédio. Temos que considerar todo esse aspecto em cima de um material que é uma montanha de entulho.
Em um incêndio padrão, os peritos do IGP têm condições de chegar a causa. Na avaliação de Bittencourt, o sinistro que atingiu a SSP foge a essa regra devido ao desabamento do miolo dos nove pavimentos.
— Com ele, todos os vestígios que dariam um norte para buscarmos a causa do incêndio ficaram soterrados.
Embora o colapso da estrutura – que desmoronou uma hora e meia após o início das chamas – permita que o motivo do incêndio seja apenas presumido, ingressar na edificação é fundamental para o levantamento, que não tem previsão de conclusão:
— O exame visual da estrutura é importante para entender qual a dinâmica do incêndio e como o desmoronamento aconteceu. É muito preliminar para termos informações conclusivas, mas a velocidade do incêndio, de acordo com algumas normas que relacionam o tempo de propagação das chamas, não está completamente fora do possível, levando em conta estrutura, característica do prédio e número de pessoas que trabalhavam — explica o perito.
Em 20 anos de perícia na área, o profissional afirma que é a primeira vez com que se depara com um ambiente de incêndio tão colapsado e com esse nível de destruição. A complexidade do trabalho também requer troca de conhecimento com o Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais (Leme) da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que tem reconhecidos grupos de pesquisa em análise estrutural, patologia das construções e sistemas construtivos.
— É uma catástrofe inusitada e todo mundo nas suas respectivas áreas procura entender mais porque aconteceu dessa forma, quais fatores contribuíram para o colapso da estrutura, embora já se tenha descartado o crime. Tudo indica que foi acidente mesmo. Não há indício de fato criminoso.
Além das incursões, o IGP apura características da edificação, aspectos construtivos do prédio, busca informações sobre o andamento o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) que estava em execução e avalia as condições em que o desabamento aconteceu.
— Vamos apurar se o prédio se exauriu por questões de problema construtivo, se a técnica empregada foi adequada, se ele atendia as normas para suportar um incêndio ou se foi ao chão pelo tempo de permanência do incêndio. Não vamos deixar nada para trás até que se esgote todas as questões — explica o perito Carlos Alberto Borsoi.