O colapso estrutural que atingiu o prédio da Secretaria da Segurança Pública com o incêndio da quarta-feira (14) também eliminou a possibilidade de peritos afirmarem qual foi a causa do fogo. Ela só poderá ser presumida.
Em uma analogia com um caso de homicídio, é como se o corpo da vítima tivesse sido corroído por ácido, ou seja, a chance de verificar se a pessoa foi envenenada, esfaqueada ou baleada se extingue, pois o corpo não existe mais.
Com experiência de 14 anos em perícias em locais de incêndio, a perita criminal Sheila Wendt, diretora do Departamento de Criminalística, explica o quanto a análise de incêndios tem peculiaridades em relação a outros locais:
— A chama, por si só, é destruidora de vestígios de crimes. Muitas vezes, usada por criminosos para tentar apagar pistas. No caso de incêndios, esses vestígios não estão mais ali expostos como num homicídio, por exemplo.
Para driblar o estrago que as chamas fazem, o trabalho dos peritos criminais parte da análise do comportamento do fogo, de como ele age em cada tipo de edificação. É a 1ª etapa do exame.
— A propagação do fogo deixa marcas em paredes, em pilares. É possível ver onde estava mais baixo, mais alto, onde começou a se espalhar — explica Sheila, engenheira civil que fez mestrado sobre o comportamento do concreto em caso de incêndio.
Com a identificação do local em que o fogo se originou é feita a delimitação dessa área e começa então a 2ª fase da perícia, que é um pente-fino naquele local para chegar na causa. Vai ser verificado se houve um curto-circuito, se tinha cozinha no local ou restaurante. Se for uma dependência sem instalações elétricas, pode reforçar a suspeita de alguém ter provocado as chamas, por exemplo. Neste caso, é coletado material para pesquisar se houve ali uso de um “acelerante de queima”, como álcool, gasolina ou querosene.
Então, pela sequência do estudo, se os peritos não conseguirem delimitar fisicamente a área onde o fogo começou, não conseguem passar para a 2ª etapa, que é a busca material da identificação da causa.
— No caso da SSP, em função do colapso estrutural do prédio, as marcas não existem mais, a 1ª etapa do trabalho não pode ser feita, o que dificulta a busca pela causa — diz Sheila.
Assim, o que será feito é uma análise circunstancial a partir do relato de testemunhas e da observação de imagens feitas desde o começo do incêndio e também do que restou do prédio. As imagens iniciais vão ajudar na verificação de como o fogo se comportou.
Quanto aos depoimentos de testemunhas, Sheila diz que devem ser tratados com ressalva:
— A testemunha conta a verdade dela, de quando o fogo se aproximou, quando ela viu, mas ela não tem a visão completa do prédio. Por isso, isso não significa que o fogo tenha começado onde ela viu. Ele já poderia ter se deslocado. De qualquer forma, com estes elementos (as imagens mais os depoimentos), poderemos apontar o provável ponto de origem das chamas. A parte do pente-fino é que fica prejudicada. É como um corpo dissolvido em ácido.
Tempo para conclusão do trabalho
O Departamento de Criminalística (DC) já começou a fazer a análise externa do que restou do prédio da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Normalmente, os peritos só começam a atuar depois que os bombeiros concluem o trabalho no local, mas, no caso da SSP, as condições exigem um trabalho diferenciado:
— Os bombeiros precisam seguir com as buscas aos colegas, não sabemos o tempo que levará. Como a estrutura está instável, é possível que quando eles concluírem o trabalho, o prédio já estará em condições diferentes do que está agora, pode haver novos desabamentos. Então, já começamos a registrar desde agora — explica a perita Sheila.
Ainda segundo o DC, há casos de desabamentos em que é possível analisar as camadas dos escombros conforme vão sendo retiradas, mas essa metodologia é muito mais complicada no caso de prédios com muitos andares, como no caso da SSP, que tinha nove andares.
O DC tem seis peritos que atuam exclusivamente em casos de incêndio na Capital e região Metropolitana.