Desde que Bruno Michaelsen da Silva, 15 anos, saiu de casa há 10 meses, em Gramado, na Serra, sem dizer para onde ia, a família vive a mesma inquietação: a falta de respostas. Na manhã seguinte, o adolescente foi encontrado morto, numa execução com cerca de 120 tiros. O corpo foi localizado em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte, a 70 quilômetros de onde o garoto vivia. A Polícia Civil tem um suspeito de ser o mandante do homicídio, mas ainda tenta obter provas.
— Meu filho não vai voltar, mas queria saber quem foi o responsável por essa tragédia. Até agora, infelizmente, está completando quase um ano, e não sabemos nada — desabafa o pai, o motoboy Jorge Correia da Silva, 60 anos.
O adolescente embarcou em um veículo numa esquina próximo à casa dos pais na madrugada de 19 de julho do ano passado. A família não sabe quem estava no automóvel e nem para onde Bruno rumou naquele momento.
A suspeita é de que tenha sido levado até o município do Litoral Norte para ser executado. O garoto não tinha qualquer vínculo com Santo Antônio da Patrulha, nem mesmo os familiares. O local onde foi morto é uma área erma, perto do limite com Rolante e com caminhos que permitem chegar até a Serra.
As características da execução indicam a participação de grupo criminoso. Embora Bruno não tivesse passagens pela polícia, a própria família acredita no envolvimento de uma facção, em razão da forma como se deu o crime. Para a polícia, os autores tentaram dificultar a identificação da vítima, já que parte dos disparos atingiu o rosto. O celular do garoto não foi encontrado no local.
Segundo o delegado regional, Paulo Perez, um suspeito foi identificado durante a investigação como possível mandante do crime. O investigado já estava preso na época do assassinato. A polícia não detalha o motivo pelo qual ele teria ordenado a morte.
Ao longo da apuração, realizada de forma conjunta com a Delegacia de Polícia de Gramado, foram feitas buscas, que resultaram na apreensão de cinco celulares. Três desses aparelhos foram encaminhados para tentativa de extração de dados pela própria Polícia Civil, na Capital, por meio de software especializado, e um pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). A análise desses quatro ainda não foi concluída. Um dos celulares, já analisado, não resultou na localização de provas.
— Estamos na espera de que haja indícios de autoria, como conversas, diálogos registrados nos aparelhos, que foram enviados há um bom tempo para extrair dados. Estamos no aguardo dessa perícia, que entendo ser fundamental — diz o delegado.
Um dos pontos que chamou a atenção no caso, além de a vítima ter sido um adolescente, foi a brutalidade da execução. A polícia estima que foram disparados pelo menos 120 tiros no local. Foram empregadas armas pesadas, entre elas fuzil de calibre 556, além de pistolas. Há inclusive a possibilidade de que mais tiros tenham sido efetuados — o número se baseia na quantidade de cápsulas encontradas.
Uma possibilidade de obter alguma prova técnica seria identificar as armas usadas na execução. Apesar de dezenas de estojos terem sido apreendidos no local da morte, o comparativo depende da apreensão de arma que possa ter sido usada no crime. Na mesma operação onde policiais apreenderam os celulares, foram feitas buscas por armamentos, mas não foram encontrados. Mais recentemente, uma pistola foi apreendida em Gramado e encaminhada para comparação pela perícia.
— Não temos ainda banco de dados de projetis e estojos, que permitiria identificar as armas usadas imediatamente. Precisamos ter a arma suspeita para enviar para confronto — explica Perez.
Neste cenário, a polícia não estima qual a previsão para conclusão do inquérito. Em dezembro, quando o caso foi um dos apontados por GZH em reportagem sobre três crimes não solucionados em 2020, a polícia informou que os depoimentos tinham sido ouvidos e que eram aguardadas perícias. Quase cinco meses depois, a situação é semelhante.
Sobre a demora na apuração, o delegado credita à complexidade de investigações que envolvem grupos criminosos. Em geral, testemunhas, quando existem, recusam-se a falar, por medo.
— O pano de fundo é o tráfico de drogas e envolve um grupo que atua fortemente nessa área. O que poderia ser feito, identificação de testemunhas, coletas de informações, esse trabalho prévio, foi feito, e se chegou a um suspeito. O problema agora é obter uma prova técnica e robusta. Esse tipo de execução é difícil de investigar, não há testemunhas. A tecnologia, a extração de dados de aparelhos celulares, é uma possibilidade, mas há grande demanda. A investigação passa a ser mais morosa.
A família
O adolescente vivia com os pais e irmãos no bairro Jardim, em Gramado, numa casa humilde. Na moradia, passava a maior parte do tempo no celular. Por vezes, saía na companhia de amigos e da namorada, para acampar e pescar. Bruno adorava desenhar e dizia que, ao completar 18 anos, iria se alistar no Exército.
Bruno iniciou os estudos na Escola Estadual de Ensino Fundamental David Canabarro. No início do ano passado, passou para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Municipal de Ensino Fundamental Mosés Bezzi, no equivalente ao 6º ano, no turno da noite. Em razão da pandemia, frequentou três semanas de aula presencial.
Jorge diz que pediu mais de uma vez para que o filho não saísse de casa na noite de 18 de julho. O mesmo apelo foi feito pela mãe, a dona de casa Vera Cristina Michaelsen, 40 anos. Bruno jantou com o pai e prometeu aos dois que permaneceria em casa. Por volta da 1h30min, o motoboy ouviu a movimentação dentro da residência, e o adolescente saiu pela porta.
Na manhã do dia seguinte, o corpo dele foi localizado na localidade de Pinheirinhos, em Santo Antônio da Patrulha. Os pais reconheceram por fotos a tatuagem em uma das mãos do filho. Bruno namorava uma adolescente e tinha o nome dela tatuado, junto de três estrelas.
Jorge diz que a família tenta acompanhar a investigação, mas enfrenta dificuldades devido à distância com Santo Antônio da Patrulha. Em casa, os pais guardaram as fotos e os documentos do garoto. Apegam-se nos outros filhos, na tentativa de seguir em frente.
— É muito triste. A gente é pobre e não tem condições de cobrar mais. Vai levando, como pode. Acredito na justiça de Deus. Essa, custe o que custar, demora, mas não falha. Só por Deus para continuar vivendo com essa dor dentro de mim. Em tudo que é lugar, a gente enxerga a imagem dele. É uma visa pesada — lamenta o pai.