Quando foi ouvido pela primeira vez sobre a morte da freira Maria Ana Dal Santo, em São João do Polêsine, na Região Central, um motorista de 28 anos negou ter visitado a propriedade da religiosa no dia 17 de janeiro, quando ela foi assassinada. Alegou que só saiu de casa, em Faxinal do Soturno, pouco depois das 11h, para almoçar.
Seis dias depois, diante de provas que contrariavam a primeira versão, admitiu que somente parte do primeiro relato era verdadeiro. Confirmou que foi até Linha da Glória, matou a idosa e retornou para casa, para ir a um restaurante com a família.
Mas até obter essa confissão, a polícia tentava entender quem seria capaz de matar uma freira. Irmã Ana, como era conhecida, foi encontrada morta, com um corte profundo na parte de trás do pescoço, dentro do quarto que ocupava na casa. Um dos pontos que mais intrigava a investigação era o fato de que o autor do crime não havia levado nada de dentro da residência. A bolsa da irmã estava sobre a mesa da cozinha, com R$ 6 mil dentro. Isso, para o delegado Sandro Meinerz, responsável pelo caso, tornava a hipótese de um assalto com morte pouco provável.
— Não era impossível de ter acontecido um latrocínio. Mas tinha um monte de dinheiro na casa, acessível, e nada foi levado. Este cenário nos indicava como possibilidade mais concreta, mais palpável, o homicídio — explica o delegado.
O primeiro passo foi tentar descobrir se a freira tinha inimigos, se tinha desavenças com familiares ou vizinhos e se havia alguma disputa envolvendo as terras da propriedade. A religiosa morava há mais de 40 anos no município de Iporã, no Paraná, mas havia viajado a São João do Polêsine porque a irmã mais velha estava adoentada. A freira pretendia doar a metade da propriedade à Congregação do Imaculado Coração de Maria, da qual fazia parte desde a adolescência.
Para descobrir isso, os policiais começaram a ouvir todas as pessoas que tiveram contato com a freira desde o dia 27 de dezembro, quando chegou ao município - no total, mais de 20 prestaram depoimento. Um vizinho da idosa relatou ter visto um veículo sedan vermelho entrando na propriedade na manhã do crime, por volta de 10h30min, e deixando o local minutos depois. Para descobrir que carro era esse, a polícia começou a ouvir outras pessoas e buscar imagens. Para identificar possíveis pontos com câmeras, os policiais refizeram os diferentes trajetos que podem ser usados para ir de São João do Polêsine até Linha da Glória.
Uma dessas câmeras, no distrito de Vale Vêneto, permitiu identificar o modelo do carro: um Prisma sedan vermelho, sem as calotas. Como não foi possível identificar a placa, os policiais buscaram descobrir quantos veículos com as mesmas características havia na região.
— Na Quarta Colônia só tinha três carros assim. Começamos por esses. Depois, se não encontrássemos, expandiríamos para Santa Maria, onde havia mais — explica Meinerz.
Um dos proprietários de um Prisma vermelho era um motorista que havia realizado alguns transportes para a religiosa naqueles dias. Na quinta-feira, dia 21, o morador de Faxinal do Soturno foi ouvido e confirmou que esteve na propriedade pelo menos três vezes. Mas, sem saber do relato do vizinho, negou ter estado lá no dia do crime.
O condutor contou que conheceu a idosa ao levar algumas pessoas para realizarem uma limpeza na casa dela. Depois disso, começou a atender a freira em outras corridas. Buscou um remédio para o gado, levou um relógio para o conserto e um Fusca, que pertencia à irmã da religiosa, para a oficina. A freira chegou a entregar a ele R$ 1 mil para a manutenção no veículo. Ele levou o veículo até uma oficina e fez um orçamento, mas o conserto não pode ser feito naquele momento.
Nesse meio tempo, a irmã desistiu e pediu que ele devolvesse o valor. No primeiro depoimento, ele informou que devolveu o dinheiro para a irmã Ana. Mas isso não era verdade. Segundo a polícia, ele havia ficado com o dinheiro. Sobre a data do crime, alegou que só havia saído de casa após as 11h, para almoçar com a esposa.
— Foi o que ele realmente fez depois de matar a vítima. Foi para um restaurante almoçar. Isso demonstra um pouco do perfil dele. A partir desse primeiro depoimento, já suspeitamos que estivesse mentindo e insistimos na busca por imagens — explica o delegado.
A busca deu certo e, no dia seguinte ao depoimento, a polícia obteve novas imagens de câmera de segurança. Elas mostravam o veículo passando por São João do Polêsine em horário compatível com o do crime. Uma delas permitiu confirmar que a placa era a mesma do Prisma do motorista. Isso tornou o condutor um suspeito do crime. A partir disso, a polícia pediu um mandado de busca e apreensão, que foi cumprido na quarta-feira (27) pela manhã em Faxinal do Soturno.
Quando os policiais chegaram até a casa, o motorista afirmou que havia mentido durante seu primeiro depoimento, mas não deu mais detalhes. Já na Delegacia de Polícia ele acabou confirmando, segundo o delegado, ter sido o autor do crime. Neste novo relato, o motorista contou que foi até a propriedade com um facão dentro do carro. Lá, teria descido e ido conversar com a freira, que estava sozinha nos fundos da casa. Teria usado como pretexto uma corrida que ele havia se oferecido para fazer para ela até Iporã, para onde ela pretendia retornar em breve. Depois disso, o homem teria dito que ia embora, mas não foi.
— A freira ingressou na casa e ele foi até o carro pegar o facão. Ela estava dentro do quarto, na parte de frente da casa. Tem uma janela e uma porta na frente. A porta estava aberta e ela estava agachada, mexendo em algumas coisas. Ele chegou por trás e desferiu o golpe com o facão. Viu que ela caiu e foi embora — afirma o delegado.
Motivação misteriosa
O que ainda intriga a polícia é o que motivou o crime, que é tratado como homicídio qualificado. Quando foi ouvido, o homem apresentou uma versão, que ainda não convenceu a polícia. O delegado preferiu não detalhar o motivo apresentado pelo autor confesso. Os policiais ainda apuram se foi esse mesmo o motivo e se não há envolvimento de outras pessoas no crime. Em depoimento, o homem negou que tivesse intenção de roubar algo da freira.
— Ele disse que foi lá para matar, que não mexeu em nada na casa — diz o delegado.
No mesmo depoimento, o homem confirmou que não devolveu o dinheiro à idosa, que seria usado para o conserto do carro, e disse que estava sendo cobrado por ela. Também indicou o local onde havia abandonado o facão, usado no crime, em uma área de mato no interior do município. O instrumento foi localizado pelos policiais e encaminhado para a perícia.
Embora a motivação não tenha sido convincente, o delegado está convicto de que o motorista esteve na cena do crime, já que ele sabia detalhes sobre como o corpo estava, em qual local e de que forma a vítima foi golpeada.
O condutor morava com a companheira e a enteada, não tinha antecedentes, não possui envolvimento com drogas e seria frequentador de uma igreja. Durante a confissão, segundo Meinerz, ele não demonstrou comoção ou arrependimento.
— Ele foi muito pragmático. Fez e está feito. Não teve emoção, não teve choro. A companheira dele foi ouvida e confirmou que ele saiu de casa de manhã e voltou por volta de 11h30min, para irem almoçar. Ela não percebeu nada no comportamento dele. Pegou ela, e foi ao restaurante. Isso demonstra um pouco do perfil psicológico — avalia o delegado.
Com prisão preventiva decretada, ele foi encaminhado ao presídio de Agudo. O nome do preso não foi informado pela polícia.
Contraponto
O advogado Ditmar Strahl, responsável pela defesa do suspeito, informou que pretende aguardar a finalização da investigação para então se manifestar.
— Devemos ter desdobramentos importantes dos fatos, que poderão alterar profundamente o caso — afirmou.