Um ano após ser preso por suspeita de atacar cinco vítimas com ácido na zona sul de Porto Alegre, um empresário em Curitiba, no Paraná, responde ao processo em liberdade. Em março, após cinco meses encarcerado, foi solto por conta do risco de contaminação pelo coronavírus e permanece nessa situação. Wanderlei da Silva Camargo Júnior, 49 anos, confessou parte dos crimes — nega ter sido o autor de todos os ataques. O objetivo, conforme ele admitiu à Justiça, era assustar a família da ex-companheira.
Na noite de 19 de junho de 2019, uma mulher regressava para casa, no bairro Nonoai, quando um homem se aproximou de bicicleta. A dona de casa pensou inicialmente que poderia ser assaltada. “Olha a água”, gritou o criminoso, enquanto arremessava um líquido em seu rosto. Nos primeiros segundos, a vítima cogitou que se tratasse de uma brincadeira, até sentir a pele queimar. Em desespero, saiu correndo em busca de socorro.
Aquele episódio era o início da série de ataques que seria registrada durante três dias na zona sul da Capital. Quatro mulheres e um adolescente, então com 17 anos, foram os alvos escolhidos. Os ataques aconteceram em pontos com pouca circulação de pessoas, enquanto as vítimas estavam sozinhas. Embora os casos tenham gerado pânico, a maior parte das vítimas teve queimaduras leves — a dona de casa foi quem teve mais sequelas físicas.
O líquido usado foi identificado pela perícia naquele mesmo mês, a partir dos vestígios nas roupas das vítimas, como ácido sulfúrico. A polícia apurou o caso ao longo de mais de três meses, buscando pistas do autor. A única certeza era de que na maior parte dos ataques ele havia usado um HB20 branco — somente no primeiro o autor estava de bicicleta. No início de outubro, após conectar série de informações, a Polícia Civil prendeu o suspeito no Paraná.
No mesmo mês, ele foi denunciado pelo Ministério Público por lesões corporais graves e leves, ameaça, adulteração de sinal identificador de veículo automotor e furto. Em dezembro, as vítimas foram ouvidas e relataram os traumas gerados pelos ataques.
— Estou tomando remédio, medicação para estresse, para ansiedade — contou a dona de casa que teve o rosto queimado.
Um mês depois, em janeiro, Wanderlei foi interrogado pela Justiça — ele negou que tenha sido o responsável por todos os ataques. Alegou que espalhou cartazes pela Zona Sul, nas proximidades de onde residiam familiares da ex-companheira, de quem se separou em maio do ano passado, incitando as pessoas a arremessarem ácido em outras na rua. Disse que isso seria uma forma de a filha da ex concordar com a mudança delas para o Paraná.
— Na minha chácara, tinha piscinas, então fazia limpeza de piso com ácido muriático sulfúrico e a piscina com hipoclorito. Foi onde me deu essa maluquice de criar algum susto. Mas tudo que fiz foi pra realmente assustar, nunca pensei em machucar ninguém — alegou.
Foram ouvidos ainda no processo a mãe do réu, outra testemunha (que teve uma carta arremessada em uma pedra contra sua residência) e o delegado Luciano Coelho, que coordenou a investigação. GZH entrou em contato com ex-companheira do réu, também ouvida no processo, mas ela preferiu não se manifestar.
Sem previsão de sentença
Segundo informações do Tribunal de Justiça, atualmente, aguarda-se pelo recebimento de um laudo pericial e ainda não há estimativa de tempo para a sentença. O Ministério Público informou que recorreu da decisão de soltura do réu, mas não conseguiu que ele retornasse para a prisão. Em relação ao andamento do processo, segundo a Promotoria, a expectativa é de que o caso possa ser julgado após a conclusão da perícia.
Conforme o Instituto-Geral de Perícias (IGP) está sendo realizada análise em um aparelho celular. A perícia deve ser concluída em cerca de duas semanas.
Outros laudos integram o processo, como a análise de frascos apreendidos com o réu e um notebook. Em outubro do ano passado, o Departamento de Perícias Laboratoriais do IGP apontou que a substância contida em dois frascos plásticos encontrados com Wanderlei era ácido sulfúrico. A perícia também localizou em um notebook do réu pesquisas sobre tipos de ácidos, substâncias causadoras de queimaduras e fabricantes de produtos químicos. Foram encontrados ainda registros que sugerem interesse em espionagem, como rastreamento de celular, rastreamento veicular e escutas de ambiente.
Depoimentos de vítimas:
Dona de casa, 28 anos
“Recebi tratamento psicológico, ainda estou no processo para conseguir novas consultas. Não posso pegar sol, nenhum excesso. Estou tomando remédio, medicação para estresse, para ansiedade.”
Comerciante, 35 anos
“A minha vida mudou completamente. Não vou mais à academia, não caminho mais na rua, só saio com os vidros do meu carro completamente fechados. Mudou completamente, eu era uma pessoa que ia e vinha a todos os locais, não tinha dificuldade nenhuma.”
Servidora pública federal, 34 anos
“Fiquei um mês e meio de licença médica sem trabalhar, com bastante medo de sair de casa. Só voltei a sair a pé na minha rua depois que eu soube que a pessoa tinha sido presa. Tive muita dificuldade para dormir e não conseguia voltar a fazer as atividades.”
CONTRAPONTO
GZH entrou em contato com Wellington Alves Ribeiro, advogado de defesa de Wanderlei, três vezes por e-mail e repetidas vezes pelo telefone do escritório, mas ainda não obteve retorno. Em depoimento à Justiça, o réu admitiu dois ataques na Rua Francisca Prezzi e negou ter sido o autor dos demais.